Para quem duvidava que o desemprego poderia chegar à classe médica, pois bem, desengane-se, 114 e 158 médicos em 2015 e 2016, respetivamente, não tiveram acesso a uma vaga de formação pós-graduada. Sabendo que o concurso de 2016 contemplou um total de 1646 vagas para 2046 candidatos, que o numerus clausus em Medicina ronda as 1800 vagas e que centenas de estudantes de outros países concorrem anualmente com o objetivo de ingressarem numa especialidade em Portugal, era uma questão de tempo até que o problema surgisse..O desemprego na classe médica pessoalmente não me choca até porque a Medicina não é mais nem menos do que outras áreas profissionais, em que estas questões começaram a surgir há já vários anos, mas é seguramente diferente. Diferente pela exigência da sua formação, pela elevada responsabilidade associada ao seu exercício ou pelos horários e número de horas contínuas de trabalho que cada médico continua ser obrigado a cumprir. O limite legal de 48 horas semanais de trabalho é rotineiramente ultrapassado na generalidade das instituições portuguesas sem que haja qualquer penalização para quem exerce este tipo de coação..Estima-se que formar um médico custe cerca de cem mil euros ao Estado, e a formação pós-graduada pode chegar aos 300-500 mil euros. Segundo dados da OCDE, Portugal tem mais médicos do que os necessários sendo o 5.º país da União Europeia com mais médicos por mil habitantes, mais precisamente 4,3 médicos/mil habitantes , ficando apenas atrás da Lituânia, da Estónia, da Áustria e da Grécia..Apesar do excesso de médicos em Portugal, faltam médicos no SNS, principalmente em zonas mais interiores e periféricas, como é o caso de Vila Real e Algarve, fruto de uma boa parte destes profissionais se terem dedicado ao setor privado..Acrescenta-se ainda, segundo números da OM do Norte, que nos últimos quatro anos emigraram cerca de 350 médicos, estando quase um terço a especializar-se noutro país. Os nossos dirigentes políticos têm responsabilidade nesta matéria e muito há a fazer para que trabalhar no SNS se torne aliciante e que os nossos médicos não sejam obrigados a emigrar para assegurar um emprego. Temos assistido a um conjunto de políticas totalmente desprovidas de bom senso e ponderação, diria mesmo a um plano estratégico de futuro sem visão e bacoco no que a medidas corretivas desta situação diz respeito. De resto, apesar das múltiplas chamadas de atenção da OM para o crescente aumento do número de médicos em Portugal, a posição do poder executivo tem sido a de manter ou até mesmo alargar o numerus clausus em Medicina, encharcando o mercado de trabalho, criando desemprego e emigração, beneficiando largamente as entidades privadas do setor que passaram a contratar médicos a preço de saldo..Ao contrário do que muitos poderão pensar através de uma análise superficial da situação, os médicos excedentários não servirão para suprir as necessidades das regiões mais carenciadas, mas sim para aumentar a fuga para o setor privado e os números da emigração..Exige-se, portanto, mais responsabilidade ao poder político numa questão que todos os anos lesa o Estado em milhões de euros..Médico - ARS Norte