García Centeno Marquez

Publicado a
Atualizado a

Nesta semana o Orçamento do Estado para 2016 foi aprovado pela maioria de esquerda no Parlamento. Se se tratasse da entrega de um prémio pela criatividade do ministro das Finanças eu também aprovava. Infelizmente trata-se do Orçamento do Estado, em que o realismo das previsões e a prudência nas medidas são sacrificados ao altar de simplesmente ser governo, a todo o custo.

Este Orçamento é irrealista nos seus pressupostos fundamentais. As perspetivas de crescimento do PIB de 3,8% em termos nominais em 2016 estão além das previsões mais otimistas de qualquer instituição nacional e internacional, em cerca de 1 p.p. Este otimismo alarga--se também às previsões de aumentos de receita e diminuições de despesa em certas áreas. De forma muito emblemática, o governo não parece ter interesse em explicar qual será o custo, seja em termos financeiros seja em termos de qualidade de serviço, da redução do horário de trabalho na função pública para 35 horas semanais.

É um Orçamento injusto para as famílias, porque favorece algumas em detrimento de outras. As famílias que auferem rendimentos entre 7400 e 20 000 euros por ano são as que ficam mais a perder, porque os aumentos no rendimento disponível são largamente ultrapassados pelos aumentos de impostos que não vão poder evitar. O aumento do salário mínimo muito acima da produtividade parece uma benesse do governo, mas vai ser paga pelas empresas e pela empregabilidade dos trabalhadores mais jovens e menos qualificados.

É também um Orçamento que desincentiva o investimento, porque aumenta os custos de contexto, em particular de transporte, mas também porque reverte a reforma do IRC, contribuindo para a instabilidade fiscal. Favorece setores não transacionáveis em detrimento dos setores transacionáveis, que mais contribuem para aumentar as exportações e reduzir a dependência externa.

Mas este Orçamento é sobretudo muito arriscado. As dúvidas sobre a sua exequibilidade são enormes e têm sido expressas por instituições nacionais e internacionais: o Conselho das Finanças Públicas, a UTAO, as agências de notação financeira, a Comissão Europeia, o Eurogrupo. Nesta semana ainda, os partidos de esquerda voltaram a testar o apetite dos investidores internacionais pela dívida portuguesa, atirando para o ar a hipótese de uma restruturação unilateral.

Os potenciais custos para a dívida pública destas legítimas dúvidas são por enquanto incertos, mas a volatilidade das taxas de juro das obrigações portuguesas nos mercados internacionais sugere que podem rapidamente escalar, se persistirem incertezas sobre a determinação do governo em reduzir o défice e a dívida de forma sustentável. Para além desses potenciais custos financeiros, existem custos económicos para o futuro de uma redução menos ambiciosa da dívida pública pelas distorções que exerce sobre as escolhas das famílias e das empresas.

O ministro Mário Centeno poderia candidatar-se a um qualquer prémio literário na categoria de um "neo" realismo mágico à la Gabriel García Márquez. Infelizmente, tornou-se ministro das Finanças e fez passar esta sua "obra" no Parlamento. O realismo concreto exige-nos mais seriedade, mais credibilidade e mais previsibilidade, que faltam a este Orçamento.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt