A recente celeuma acerca da legalização de imigrantes que, alegadamente, entraram irregularmente em território nacional prende-se com a autorização de residência excecional a que alude o n.º 2 do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho (por facilidade, Lei da Imigração), na sua atual redação, que prevê que, em casos excecionais, seja o requerente da autorização de residência para trabalho subordinado dispensado da posse de visto de residência válido..Para que tal possa suceder, exige-se que o cidadão estrangeiro possua um contrato de trabalho ou tenha uma relação laboral comprovada; que tenha entrado legalmente em território nacional e aqui permaneça legalmente; e que esteja inscrito e tenha a sua situação regularizada perante a segurança social;.O problema desta disposição legal, que o legislador, apesar das oportunidades que teve, nunca resolveu, prende-se com a compatibilização entre o estar a trabalhar por conta de outrem e a exigência de permanência legal em território nacional, quando se dispense um visto de residência adequado para o efeito. Na verdade, quem não tenha visto ou outro título adequado para estar ao serviço de outrem nunca poderia estar em situação legal em território nacional se, efetivamente, for trabalhador por conta de outrem..Por isso, tanto o SEF, como a doutrina, vinham fazendo uma interpretação corretiva desta norma, reforçando que o que se exige é, tão-só, a entrada legal em território nacional, e já não a permanência legal, sob pena de não existir qualquer utilidade neste artigo 88.º..A questão que ora tem vindo à discussão é a da dispensa, pelo SEF, também do requisito da entrada legal, o que, salvo o devido respeito, se nos afigura como manifestamente contra a lei. Aqui, além de se ignorar esse requisito, sem que nada o justifique, ainda se faz tábua rasa do artigo 134.º da mesma lei, que sanciona com a expulsão a entrada ou permanência ilegais em território nacional..Se a permanência legal pode, em circunstâncias excecionais, ser dispensada, isentar o imigrante do requisito "mínimo" de ter entrado regularmente em território nacional é, parece-nos, cair em facilitismos perigosos..Quanto a eventuais autorizações de residência já concedidas com preterição deste requisito, cumpre ponderar, caso a caso, em face das expectativas e direitos criados na esfera do respetivo titular, se estamos ou não perante uma situação que possa fundamentar o cancelamento da autorização concedida, nomeadamente por razões de ordem ou segurança públicas, ou a anulação administrativa da mesma, desde que no prazo de um ano a contar da respetiva emissão..Se é facto que, em alguns pontos, a lei não é isenta de dúvidas, também nos parece que ali, onde o legislador não criou problemas, escusará o intérprete de o fazer.