O grande ajustamento orçamental implementado em muitos países europeus desde 2010 tem contribuído para a anémica recuperação económica, levantando questões sobre a eficácia das regras orçamentais da UE no que respeita a atingir os seus dois objetivos principais: sustentabilidade da dívida pública e estabilização orçamental..Em teoria, as regras atuais parecem adequadas para alcançar ambos. Por exemplo, um indicador-chave usado é o chamado défice estrutural, que é o défice orçamental limpo do impacto do ciclo económico e de medidas orçamentais únicas (como resgates bancários). Quando chega uma recessão, o défice real deteriora-se devido à diminuição das receitas fiscais e ao aumento do pagamento de subsídios de desemprego, mas o saldo estrutural mantém-se e, portanto, não aciona a austeridade. No entanto, na prática, o défice estrutural é mal calculado. O cálculo baseia-se na avaliação dos ciclos económicos e no impacto do ciclo no saldo orçamental, sendo ambos bastante incertos. A revisão típica anual da mudança estimada no saldo estrutural é superior a 0,5% do PIB, o que é mais do que o ajustamento orçamental habitualmente requerido. Nós achamos isso verdadeiramente inaceitável..As previsões económicas são outra fonte de erros: as atuais regras baseiam-se muito nas previsões da Comissão Europeia - que, infelizmente, provaram muitas vezes estar incorretas. De acordo com as previsões da CE, a recuperação económica e o regresso da inflação aos 2% deveriam estar ao virar da esquina todos os anos, o que nunca aconteceu. Portanto, as recomendações de política orçamental com base nessas previsões provaram ser erradas e agravaram a situação económica. É certo que fazer previsões em tempos de incerteza é difícil e outros analistas, como o FMI, a OCDE ou instituições privadas, não fizeram melhor. A nossa proposta é adotar uma regra orçamental que não dependa tanto de previsões..Outro problema do atual quadro orçamental da UE é a opaca teia de cláusulas de flexibilidade. Isto leva a uma negociação sem fim entre Estados membros e CE sobre a aplicação das regras, o que mina a confiança nelas. Vários políticos, em países que violam as regras, consideram-nas desadequadas, enquanto outros, em países que as cumprem, preocupam-se que as regras não sejam aplicadas nos seus parceiros. A manutenção do atual quadro orçamental seria, portanto, altamente ineficiente. É necessário um novo quadro. Este deve ser baseado numa regra mais adequada aos dois objetivos, mais transparente, mais fácil de implementar e que tenha maior potencial para ser cumprida..A melhor opção, na nossa opinião, seria redesenhar o quadro a partir do zero. Uma maneira de o fazer seria remover por completo a opção de resgate europeu para os governos, estabelecer condições para a disciplina de mercado funcionar eficazmente, permitir um grande grau de independência orçamental aos Estados e delinear instrumentos europeus para amortecer os ciclos económicos, como um regime europeu de seguro de desemprego..No entanto, uma revisão tão completa parece ser hoje politicamente irrealista. Sugerimos, portanto, que se deixe cair todas as regras relacionadas com o mal calculado indicador de défice estrutural e que se adote uma nova regra. Esta regra deve limitar a taxa de crescimento das despesas públicas (excluindo certos itens, como pagamento de subsídios de desemprego e grandes quantias únicas, como resgates de bancos). O limite seria o crescimento potencial do PIB do país além da meta da inflação do banco central, apoiando assim a tarefa deste. A nossa regra também apoiaria a economia em tempos difíceis, pois a austeridade não seria necessária quando as receitas fiscais caem e as despesas com o desemprego sobem. Ela restringiria também booms excessivos nos bons tempos (como as bolhas irlandesa e espanhola), porque os governos não seriam autorizados a gastar a receita fiscal adicional..O limite deve considerar também o nível da dívida pública. Ou seja, países com dívida alta devem ter um crescimento das despesas mais lento do que os que têm dívida baixa. Esta regra europeia deve ser transposta para as legislações nacionais e supervisionada por conselhos orçamentais nacionais. Propomos ainda o fim da opaca rede de cláusulas de flexibilidade nas atuais regras orçamentais. Em vez disso, deve ser criado um Conselho Orçamental Europeu independente, composto por um conselho executivo e os presidentes dos conselhos orçamentais nacionais, com um mandato, um processo de nomeação e de prestação de contas adequados, para supervisionar o sistema e avaliar quando o desvio da regra é justificado em tempos de exceção..Este quadro revisto seria simples, transparente, fácil de controlar e explicar e envolveria uma variável orçamental (uma medida de gastos públicos) que estaria sob controlo direto do governo. Seria mais favorável para a sustentabilidade da dívida e para a estabilização orçamental, os dois principais objetivos de um quadro orçamental, do que o atual sistema. A delegação do poder discricionário num Conselho Orçamental Europeu independente eliminaria a ideia de uma possível aplicação da regra imprópria ou politicamente motivada..A aplicação de regras a nível europeu deve afastar-se da ameaça de sanções que de qualquer modo não é credível no quadro atual e poderia ter consequências políticas muito negativas se executada. Em última análise, os países não deveriam - e não o farão - observar as regras porque temem sanções ou por pressão dos pares, mas por todos concordarem que a regra é a melhor orientação para que as políticas orçamentais sejam sustentáveis e em contraciclo..Investigadores do instituto Bruegel, think tank europeu especialista em economia. A proposta integral para rever o quadro orçamental europeu pode ser lida aqui.