Obviamente, demitam-no
À hora a que escrevo João Soares ainda é ministro. Por muito menos do que a ameaça de umas "salutares bofetadas" a quem, no seu direito, faz crítica política a um governante, outros houve que se demitiram ou foram demitidos. Manuel Pinho foi fazer corninhos para outra freguesia e, nos idos do cavaquismo, Carlos Borrego foi contar anedotas de gosto duvidoso para longe do governo. Com o ainda ministro da Cultura parece, porém, existir uma proverbial e incompreensível condescendência. É público e notório que João Soares atua como se se tivesse na conta de um inimputável a quem tudo é permitido e nada é exigido. Não percebeu, ao contrário de outros seus colegas de governo, que ser ministro é incompatível com a utilização sem filtro das redes sociais. O que está em causa neste episódio não é apenas a exibição de má criação, grosseria ou fanfarronice de um ministro ou sequer a afirmação de republicanismo do tempo das bengaladas queirosianas de que João Soares é confesso apreciador. Do que se trata é de um ministro, representante do Estado portanto, que, intolerante à crítica, oferece pancada aos seus detratores políticos. Isto é uma ofensa à democracia e à liberdade de opinião. E tolerar ou condescender com esta conduta é escancarar as portas a todo o tipo de abusos totalitários e prepotentes. Em quatro meses como inquilino do Palácio da Ajuda continuamos sem saber qual é a política cultural do governo. O que conhecemos é a pulsão do ministro para, no Facebook, dizer todo o tipo de disparates e fazer publicidade às visitas que faz a Fulano, aos almoços que tem com Sicrano e aos jantares que anima com Beltrano. Pelo meio demite, com legitimidade mas sem sentido de Estado, administradores de institutos na praça pública e faz-se fotografar em roteiros culturais de interesse duvidoso. Ontem, ao fazer ameaças públicas a dois colunistas - e um pedido de desculpas não apaga o que se passou -, João Soares ultrapassou todos os limites. E não basta que António Costa, o primeiro-ministro, puxe orelhas em público ou estabeleça códigos de conduta para os seus ministros, mesmo quando estão "à mesa do café". De tão inqualificáveis, as palavras de João Soares não podiam ter tido outro desfecho que não fosse, obviamente, demitir-se ou ser demitido. A sua continuidade é uma mancha que há de ficar no cadastro deste governo.