Paulo Portas prestou ontem um último serviço público ao país. Desencalhou o assunto Angola, mencionou-o de frente, falou da inevitabilidade de Portugal manter boas relações com aquele país, ultrapassando a fase em que as relações diplomáticas continuam amarradas a uma espécie de judicialização provocada pela existência de uma série de investigações do Ministério Público que condicionam demasiado as relações entre os dois Estados. Não são as investigações que estão erradas, à justiça o que é da justiça, há suspeitas fundadas, investiguem-se; é o tempo absurdo que os processos demoram - neste como noutros casos - que também retira espaço de diálogo e converte a diplomacia num campo de recriminações mútuas com aproveitamentos espúrios. Paulo Portas disse o que deveria ser dito: há 200 mil portugueses em Angola, há investimentos cá e lá, há uma relação cultural, social, económica e financeira - há uma relação afetiva e histórica - que deve ser tida em conta e desenvolvida, sem que isto implique nada mais do que é justo e normal que aconteça: respeito pela soberania dos dois países e pela separação de poderes, de modo a que os problemas, e haverá sempre problemas, antigos ou novos, não ocupem sempre o papel central na definição desta relação umbilical. Paulo Portas talvez pudesse ter dito isto quando era vice-primeiro-ministro, mas teria sido arriscado fazê-lo, teria provocado o efeito contrário, inflamando ainda mais as tensões existentes. Agora que tem as mãos livres, prestou este relevante serviço público, mas o trabalho só agora começa e o novo Presidente da República tem um papel essencial a desempenhar. Como aqui se escreveu na quinta-feira, a União Europeia é parte integrante de Portugal, como Espanha e o Brasil - mas África tem de ser valorizada, nos momentos bons e maus, altos e baixos, porque é desta mistura e contribuição que pode construir-se um país mais forte, justo, próspero - e livre. Depender demasiado das políticas de Bruxelas dá maus resultados. Entregar metade do sistema financeiro a Espanha desequilibra a nossa capacidade produtiva, reduz autonomia. Por outro lado, Madrid será sempre parceiro essencial de Portugal e a UE determinante para alinhar o país com o que de melhor a Europa oferece. Mas, como em quase tudo, o equilíbrio e a moderação são essenciais. Os países africanos de língua oficial portuguesa e o Brasil são o contrapeso natural a esta atração ao que nos está fisicamente mais próximo. Os horizontes de Portugal rasgam-se não apenas para o Leste e para o Norte, mas para o hemisfério sul, para o Atlântico, onde os interesses comuns não precisam de legendas para ser compreendidos e bem acolhidos. Não convém, no entanto, que agora se imponha uma espécie de voluntarismo pirómano. A diplomacia faz-se com recato e inteligência, muitas vezes de forma indireta, escolhendo bem os assuntos prioritários. O controlo dos bancos nacionais e a ligação aos africanos, em concreto aos angolanos, são vistos com horror pelo BCE e pelos seus comissários, como o Banco de Portugal, que se converteu numa espécie de executor testamentário a mando de Frankfurt. Em vez de exigir transparência e competência, que no fim a todos ajuda, a Europa está a destruir a relação financeira entre estes blocos, com prejuízos diretos para Portugal e Angola. É uma estrada que se fecha e não se pode fechar, e que o novo Presidente da República, bem alinhado com o novo governo, deve tentar reabrir. Nos anos 80 e início de 90 destruiu-se uma parte relevante da capacidade produtiva do país em nome da coesão europeia. Hoje estamos a oferecer de bandeja o setor financeiro. Há responsabilidades próprias nisto - erros clamorosos de gestão, talvez crimes -, mas ainda vamos a tempo de ser donos do nosso destino.