A Ucrânia está a celebrar o 25.º aniversário da independência. Qual o maior feito e o maior fracasso destes anos?.O maior feito é definitivamente a vontade e a disponibilidade do povo ucraniano para sacrificar-se pelo seu país e para que ele seja unido, democrático e europeu. A Ucrânia pós-soviética já não existe. Hoje somos um país novo. O maior falhanço foi termos demorado demasiado tempo a deixar para trás essa Ucrânia pós-soviética. Demorámos praticamente uma geração a consegui-lo..Está a falar das mentalidades?.Estou a falar de todo o processo de reformas estruturais. Claro que isso também passa pelas mentalidades. Mas hoje a União Soviética já não existe na Ucrânia. O que existe são tentativas russas de criar instabilidade. A Rússia não se preocupa com o direito internacional. A única coisa que lhe interessa são os negócios..A corrupção é outro falhanço?.A corrupção era algo endémico e sistemático na Ucrânia. Mas agora, em menos de dois anos, criámos uma infraestrutura completa para combater a corrupção, incluindo um gabinete de investigação e um tribunal, que irá entrar em funções nos próximos meses. Não chegámos ao fim da estrada, mas continuamos a caminhar nesse sentido..Em março, Jean-Claude Juncker disse que serão necessários 20 a 25 anos até a Ucrânia aderir à UE. Como comenta este prazo?.A UE enfrenta muitos desafios e terá que mudar para responder a esses desafios. Neste momento, pensar numa qualquer escala temporal não passa de um exercício teórico e intelectual. Depende da nossa capacidade para implementar as reformas necessárias. E depende da UE, das suas mudanças e da forma como dar resposta aos desafios que enfrenta..Falemos da Rússia. Nos últimos meses houve algum tipo de progresso na implementação dos acordos de paz de Minsk?.A Rússia não tem interesse em que haja. Primeiro têm de parar com os bombardeamentos e fazer a retirada das tropas, mas não há interesse da parte da Rússia em fazê-lo. E não é Donbass que está em causa. O objetivo russo é criar instabilidade na Ucrânia e na Europa. É importante que a Europa entenda que a questão ucraniana é uma questão existencial para a própria UE. Se a Europa não conseguir garantir o primado da lei internacional numa área tão importante como a Ucrânia, quem irá confiar na UE noutras matérias? Deixar que se-jam alteradas as fronteiras de um país europeu é abrir uma caixa de Pandora..A devolução da Crimeia é um ponto-chave para a Ucrânia?.É um ponto fundamental. No domingo [ontem] vai haver eleições parlamentares na Rússia e foram incluídas quatro circunscrições na Crimeia. Para mim isto coloca em causa a legitimidade de todo o processo eleitoral. Se a ocupada Crimeia conta para as eleições da Federação Russa que tipo de credibilidade terá o futuro parlamento russo? Esse será o próximo teste para a UE. A UE vai trabalhar e vai reconhecer esse Parlamento?.Recentemente Milos Zeman, o presidente da República Checa, afirmou que a Crimeia, apesar de ter sido "anexada" pela Rússia, nunca poderá ser devolvida à Ucrânia. Como comenta?.A posição oficial da República Checa sobre o assunto é muito clara, reconhece que houve uma anexação ilegal. Precisamos de lideranças fortes para levar adiante o projeto europeu e esse projeto não é possível com áreas ocupadas. A Ucrânia irá lutar pela Crimeia com todos os meios políticos e pacíficos ao seu dispor..O presidente ucraniano, Petro Poroshenko, disse recentemente que a Rússia quer toda a Ucrânia..Sim, a Rússia não se preocupa com Donbass. O objetivo russo é destruir a Ucrânia. Querem destruir a nossa democracia e o caminho europeu. A ideia é fragmentar o país para acabar com a nossa unidade e dessa forma estenderem a sua influência. Jamais o permitiremos..Os países bálticos devem temer algum tipo de agressão?.Definitivamente. Se alguém quebra as regras e não recebe uma verdadeira punição... A Rússia está preparada para fazer qualquer coisa. É preciso que a Europa tenha isso em mente. A Rússia tem vindo a travar uma guerra híbrida contra a UE através, por exemplo, do apoio que dá a forças extremistas. O objetivo é enfraquecer e fragmentar a Europa..Estamos a viver uma segunda guerra fria?.Não é uma guerra fria, é uma verdadeira guerra híbrida. E na Ucrânia a guerra também não é fria, é real. Há tropas regulares russas instaladas na Ucrânia, pelo menos seis mil soldados em Donbass. Estamos a viver uma situação ainda mais perigosa do que durante a guerra fria..Mais perigosa?.Acredito que sim. A guerra híbrida pode assumir qualquer dimensão: propaganda, luta armada, terrorismo económico, provocar instabilidade, tráfico, instigar ódio... A guerra fria tinha que ver com um equilíbrio de forças. Agora tem que ver com tudo. É uma guerra muito perigosa..Como descreveria Vladimir Putin?.[Risos] É melhor pedir-lhe a ele que se descreva a si próprio. O que eu vejo é uma Rússia que não se preocupa em cumprir regras. E esse é um problema para toda a comunidade internacional..E sobre Sergei Lavrov, o seu homólogo russo, o que tem a dizer?.O problema não é Lavrov ou outro qualquer. Não tem que ver com personalidades. Todo o sistema desemboca numa figura..Quando foi a última vez que se encontrou com Lavrov?.Tivemos algumas conversas sobre os prisioneiros políticos, mas já foi há bastante tempo. Posso dizer-lhe que, desde 2014, houve 12 encontros ministeriais..Dão-se bem os dois?.Não se trata da nossa relação. O que está em causa são as posições oficiais, e a agressão russa contra a Ucrânia..No caso da Crimeia, a solução poderá passar pela criação de uma espécie de república autónoma?.A única solução passa pela devolução da Crimeia. Aí não há nada a negociar ..A solidariedade da União Europeia para com a Ucrânia pode estar a ceder?.Não, de forma alguma..Sobre as sanções a Moscovo, o primeiro--ministro eslovaco, Robert Fico, escreveu no Facebook: "É tempo de lidar com o assunto de forma racional e admitir que elas [as sanções] prejudicam quer a UE quer a Rússia.".Eu seria o primeiro a defender alterações nas sanções desde que a Rússia cumprisse com Minsk. De qualquer forma, a posição oficial eslovaca é muito clara. A Eslováquia apoia as sanções e ainda na semana passada apoiou o prolongamento..Não o preocupa que haja líderes europeus com este discurso, defendendo que as sanções devem ser levantadas ou suavizadas?.Ele não disse isso. Disse que é preciso olhar para o problema. Volto a dizer que a posição da Eslováquia é muito clara. As sanções são um instrumento para levar ao cumprimento dos acordos de Minsk. Hesitar nas sanções iria enfraquecer a posição da UE..Disse que a Europa precisa de lideranças fortes para lidar, por exemplo, com a Rússia. A Europa tem essas lideranças fortes neste momento?.Vejo vários líderes fortes na Europa, mas não vou dizer quais são os mais e os menos fortes. Seria incorre-to da minha parte. O meu ponto é que a Europa precisa defi-nitivamente de uma liderança forte para se salvar da fragmentação e da divisão..Deixe-me colocar-lhe o seguinte cenário: a Rússia, nas negociações de paz sobre a Síria, aceita deixar de apoiar Assad em troca do levantamento das sanções. Parece-lhe plausível?.A Rússia adoraria fazer qualquer negócio. A Rússia entende a instabilidade como um bem transacionável, gosta de fazer negócios com a instabilidade. Mas é muito perigoso negociar e fazer acordos com Vladimir Putin..A ucraniana é a terceira maior comunidade estrangeira em Portugal. O que sabe sobre a sua integração?.Diria que já não é propriamente uma comunidade estrangeira. São muitos milhares de ucranianos que estão completamente integrados, que falam português praticamente sem sotaque e que respeitam a cultura portuguesa. Para os ucranianos que vivem cá Portugal é uma segunda casa..O que o trouxe a Portugal?.Há muito que esta visita estava planeada. Hoje [sexta-feira] vamos assinar o mapa de relações bilaterais, que abarca várias áreas: política, economia, aspetos humanitários. Por outro lado, é preciso demonstrar gratidão a Portugal pelo constante apoio que temos recebido em relação à integridade territorial da Ucrânia.