"Putin não pode romper com a UE, mas não deixará de tentar enfraquecer a sua influência"

Putin criou um sistema político que depende inteiramente dele e das decisões que ele, sozinho, toma, diz ao DN o jornalista do 'New York Times' Steven Lee Myers.
Publicado a
Atualizado a

Ex-correspondente em Moscovo, o autor apresenta hoje, na livraria Almedina, no Atrium Saldanha, em Lisboa, às 18.00, a sua biografia do presidente russo.

Dado o resultado das presidenciais americanas, porque acha que o mundo tem tanto medo de uma possível aliança entre Donald Trump e Vladimir Putin?

Acho que não tem tanto medo de uma aliança Trump-Putin como da incerteza em relação ao que ele fará como presidente dos EUA. Ele disse muita coisa, como candidato, sobre a NATO, a Síria, os chineses, que sugerem grandes mudanças, mas não deu pormenores. No que toca à Rússia, Trump apenas sugeriu que trabalharia com Putin, contra o Estado Islâmico, por exemplo. Mas não é claro, porém, que tipo de acordo poderia fazer.

Porque decidiu escrever esta biografia de Vladimir Putin? Acha que as pessoas não o conhecem realmente assim tão bem?

Decidi escrever este livro quando Putin anunciou, em 2011, que iria regressar à presidência. Por lei pode ficar mais dois mandatos de seis anos até 2024. Apesar de haver livros muitos bons sobre a era Putin, acho que são enviesados, pois ou são contra ou a favor dele. É isso que faz que ele pareça uma caricatura no imaginário público. Achei que era importante tentar, de uma forma objetiva, compreender a vida e as experiências que fizeram dele o líder que é agora.

O que move o homem que tem liderado a Rússia de forma absoluta nos últimos 16 anos?

Acho que houve uma evolução. Ele nunca pensou ser líder da Rússia, nunca se candidatou ao poder nem nunca mostrou essa ambição. Quando [Boris] Ieltsin o nomeou em 1999 ele disse que não estava preparado. Uma vez no poder, demonstrou uma grande determinação para restaurar a autoridade e o controlo do Estado sobre uma nação caótica e em luta. Ele continuaria a dizer que o que o move é tornar a Rússia grande de novo, mas neste momento penso que a sua motivação está mais próxima da autopreservação ou pelo menos da preservação do sistema que ele próprio criou. Não subestimaria os interesses económicos das pessoas que estão à sua volta, nem mesmo os seus próprios interesses.

Qual o objetivo final de Putin? Restaurar o Império Soviético? Dividir a União Europeia?

Ele não quer reconstruir a URSS. Ele compreendeu as falhas e os limites da economia comunista. Acho que o que quer é restaurar a Rússia de acordo com o que ele acredita que é o lugar apropriado para uma potência internacional: ter pelo menos o poder e o respeito que tinha a União Soviética. As relações com a União Europeia também mudaram e, a dada altura, ele falou em trabalhar de forma mais próxima com a os países da UE. Mas depois ele passou a acreditar que os valores da União Europeia - o seu sentido coletivo de liberdade política e de direitos humanos - eram uma ameaça à Rússia. Recorde-se que o conflito na Ucrânia começou com os esforços para ter um acordo de associação UE-Ucrânia, nem sequer era uma adesão. Dados os laços económicos, políticos e sociais entre a Ucrânia e a Rússia, Putin viu isso como uma ameaça aos interesses da Rússia. Agora vemos Putin a apoiar partidos na Europa que são mais eurocéticos. Acho que não pode romper com a UE, mas não deixará de tentar enfraquecer a sua influência.

Considera que, com Donald Trump e Vladimir Putin no poder nos EUA e na Rússia, a NATO e a segurança da Europa podem estar em perigo?

Eu acho que Putin vê a NATO como uma ameaça e está a agir em consonância com isso. Ao mesmo tempo, a NATO respondeu à agressão russa em solo ucraniano reforçando as suas capacidades militares na Europa de Leste. Considero que a NATO continua a ser um fator de dissuasão formidável que Putin não se atreveria a desafiar. Apesar disso, temos assistido a uma atitude de confronto. Há uma nova Cortina de Ferro na Europa, só que um pouco mais para leste.

Acha que o presidente da Rússia confia em mais alguém para além de si próprio?

Ele próprio chegou a dizer que confiava em poucas pessoas - e depois nomeou amigos de infância e dos tempos em que era do KGB. Parece claro que o círculo de pessoas à sua volta se foi estreitando. Acredito que isso reflete a sua desconfiança instintiva em relação a outras pessoas, algo que se justifica pela atmosfera de suspeição que existia não só no tempo do KGB, mas também na União Soviética em que Putin cresceu.

Quem poderia ser o sucessor de Vladimir Putin?

A curto prazo não se sabe. Acho que ele ainda não decidiu ou não sente ainda que tem de fazê-lo. Ele não permite a outros que construam uma carreira política que sirva de base a uma campanha eleitoral no futuro. Se nenhum imprevisto acontecer, Putin será candidato à reeleição em 2018 e vencerá o quarto mandato, que lhe permitirá ficar no poder até 2024. Tal como escrevo no meu livro, Putin criou um sistema político que depende inteiramente dele e das decisões que ele, sozinho, toma. Espero que à medida que se aproximar o fim desse mandato aconteça o mesmo do que em 2007, quando ele se afastou após os seus dois primeiros mandatos: um sucessor como Dmitri Medvedev aparecerá e haverá uma transferência de poder orquestrada para que Putin continuasse, na sombra, a ser o líder.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt