Ex-correspondente em Moscovo, o autor apresenta hoje, na livraria Almedina, no Atrium Saldanha, em Lisboa, às 18.00, a sua biografia do presidente russo..Dado o resultado das presidenciais americanas, porque acha que o mundo tem tanto medo de uma possível aliança entre Donald Trump e Vladimir Putin?.Acho que não tem tanto medo de uma aliança Trump-Putin como da incerteza em relação ao que ele fará como presidente dos EUA. Ele disse muita coisa, como candidato, sobre a NATO, a Síria, os chineses, que sugerem grandes mudanças, mas não deu pormenores. No que toca à Rússia, Trump apenas sugeriu que trabalharia com Putin, contra o Estado Islâmico, por exemplo. Mas não é claro, porém, que tipo de acordo poderia fazer..Porque decidiu escrever esta biografia de Vladimir Putin? Acha que as pessoas não o conhecem realmente assim tão bem?.Decidi escrever este livro quando Putin anunciou, em 2011, que iria regressar à presidência. Por lei pode ficar mais dois mandatos de seis anos até 2024. Apesar de haver livros muitos bons sobre a era Putin, acho que são enviesados, pois ou são contra ou a favor dele. É isso que faz que ele pareça uma caricatura no imaginário público. Achei que era importante tentar, de uma forma objetiva, compreender a vida e as experiências que fizeram dele o líder que é agora..O que move o homem que tem liderado a Rússia de forma absoluta nos últimos 16 anos?.Acho que houve uma evolução. Ele nunca pensou ser líder da Rússia, nunca se candidatou ao poder nem nunca mostrou essa ambição. Quando [Boris] Ieltsin o nomeou em 1999 ele disse que não estava preparado. Uma vez no poder, demonstrou uma grande determinação para restaurar a autoridade e o controlo do Estado sobre uma nação caótica e em luta. Ele continuaria a dizer que o que o move é tornar a Rússia grande de novo, mas neste momento penso que a sua motivação está mais próxima da autopreservação ou pelo menos da preservação do sistema que ele próprio criou. Não subestimaria os interesses económicos das pessoas que estão à sua volta, nem mesmo os seus próprios interesses..Qual o objetivo final de Putin? Restaurar o Império Soviético? Dividir a União Europeia?.Ele não quer reconstruir a URSS. Ele compreendeu as falhas e os limites da economia comunista. Acho que o que quer é restaurar a Rússia de acordo com o que ele acredita que é o lugar apropriado para uma potência internacional: ter pelo menos o poder e o respeito que tinha a União Soviética. As relações com a União Europeia também mudaram e, a dada altura, ele falou em trabalhar de forma mais próxima com a os países da UE. Mas depois ele passou a acreditar que os valores da União Europeia - o seu sentido coletivo de liberdade política e de direitos humanos - eram uma ameaça à Rússia. Recorde-se que o conflito na Ucrânia começou com os esforços para ter um acordo de associação UE-Ucrânia, nem sequer era uma adesão. Dados os laços económicos, políticos e sociais entre a Ucrânia e a Rússia, Putin viu isso como uma ameaça aos interesses da Rússia. Agora vemos Putin a apoiar partidos na Europa que são mais eurocéticos. Acho que não pode romper com a UE, mas não deixará de tentar enfraquecer a sua influência..Considera que, com Donald Trump e Vladimir Putin no poder nos EUA e na Rússia, a NATO e a segurança da Europa podem estar em perigo?.Eu acho que Putin vê a NATO como uma ameaça e está a agir em consonância com isso. Ao mesmo tempo, a NATO respondeu à agressão russa em solo ucraniano reforçando as suas capacidades militares na Europa de Leste. Considero que a NATO continua a ser um fator de dissuasão formidável que Putin não se atreveria a desafiar. Apesar disso, temos assistido a uma atitude de confronto. Há uma nova Cortina de Ferro na Europa, só que um pouco mais para leste..Acha que o presidente da Rússia confia em mais alguém para além de si próprio?.Ele próprio chegou a dizer que confiava em poucas pessoas - e depois nomeou amigos de infância e dos tempos em que era do KGB. Parece claro que o círculo de pessoas à sua volta se foi estreitando. Acredito que isso reflete a sua desconfiança instintiva em relação a outras pessoas, algo que se justifica pela atmosfera de suspeição que existia não só no tempo do KGB, mas também na União Soviética em que Putin cresceu..Quem poderia ser o sucessor de Vladimir Putin?.A curto prazo não se sabe. Acho que ele ainda não decidiu ou não sente ainda que tem de fazê-lo. Ele não permite a outros que construam uma carreira política que sirva de base a uma campanha eleitoral no futuro. Se nenhum imprevisto acontecer, Putin será candidato à reeleição em 2018 e vencerá o quarto mandato, que lhe permitirá ficar no poder até 2024. Tal como escrevo no meu livro, Putin criou um sistema político que depende inteiramente dele e das decisões que ele, sozinho, toma. Espero que à medida que se aproximar o fim desse mandato aconteça o mesmo do que em 2007, quando ele se afastou após os seus dois primeiros mandatos: um sucessor como Dmitri Medvedev aparecerá e haverá uma transferência de poder orquestrada para que Putin continuasse, na sombra, a ser o líder.