"Há algum tempo, ainda que de forma relutante, cheguei à conclusão de que as mais recentes mudanças nas prestações sociais para os deficientes e o quadro em que foram feitas constituem um compromisso excessivo. Ainda que sejam defensáveis em termos estritos, devido à permanência do défice, não são defensáveis na forma como surgem num Orçamento que beneficia os contribuintes com mais elevados rendimentos." A longa citação é da carta em que o Ian Duncan Smith, ministro do Trabalho no governo de David Cameron, apresentou a demissão em desacordo, como resulta claro do texto, com os cortes nas reformas por invalidez previstas no Orçamento..Na carta, o ministro demissionário escreve ainda que "aquelas mudanças deviam ter sido feitas no âmbito de um processo mais vasto de forma a canalizar recursos para os mais necessitados"..No governo desde 2010, ainda no quadro da coligação conservadores-liberais-democratas, Ian Duncan Smith, de 61 anos, recorda ainda na carta que "o progresso e a consolidação social foram a razão fundamental para integrar a equipa ministerial" liderada por Cameron, mas não sendo possível prosseguir as "mudanças que irão contribuir para melhorar a qualidade de vida dos mais desfavorecidos neste país e aumentar as suas oportunidades, não encontra outro caminho que não seja a saída do governo..O que está plenamente de acordo com aquele que é conhecido pelas iniciais IDS e se tem empenhado há mais de uma década em questões sociais e no combate à pobreza. O ministro demissionário fundou em 2004 o Centro para a Justiça Social com o intuito de estudar e desenvolver novas formas de reduzir as desigualdades sociais..Após a demissão de IDS no final da passada semana, o governo recuou nas medidas, que implicavam uma poupança de quatro mil milhões de libras (cinco mil milhões de euros), tendo anunciado a suspensão e substituição por outras a serem conhecidas no outono..Mas há um outro fator - importante - a considerar na demissão daquele que foi, ele próprio, líder do partido conservador entre setembro de 2001 e outubro de 2003. É que IDS é um convicto eurocético. Por este aspeto, nos media britânicos surgiu alguma especulação de que o anúncio da demissão se destinava a prejudicar o primeiro-ministro que faz campanha pela permanência do Reino Unido na União Europeia (UE), enfrentando oposição significativa no interior do partido..Campanha contra a UE.IDS desmente aquela interpretação, explicando tratar-se "de uma tentativa deliberada" para o desacreditar, mas admitiu que votaria contra a permanência na UE e que fará campanha nesse sentido. O que é certo é que nas sondagens mais recentes, o campo do sim à permanência está em recuo..IDS, recuperando o estilo que o caracterizou nos tempos em que protagonizou a guerrilha interna contra John Major, sucessor de Margaret Thatcher e europeísta convicto, criticou Cameron e o ministro das Finanças George Osborne, acusando-os de terem traído o programa dos conservadores..O antigo líder dos tories reservou as palavras mais duras para Osborne (dado como candidato à liderança do partido quando terminar o mandato de Cameron em 2020), afirmando que este detém demasiado poder no governo, definiu limites "arbitrários" para a Segurança Social e, martelando a nota social, considerou injusto as pessoas de mais baixos rendimentos serem alvo de cortes orçamentais ao mesmo tempo que não se mexia no rendimento mais elevado dos reformados..Declarações que produziram o efeito desejado por IDS - o partido envolveu-se numa controvérsia, com membros do governo, deputados e dirigentes, uns a tomarem partido pelo ex-ministro, outros a atacarem-no..O que evidencia até que ponto os tories estão divididos, e não somente na questão europeia..A propósito da controvérsia, a BBC classificou-a como uma "guerra civil" no partido. Fontes dos conservadores, obviamente sob anonimato, disseram que pode estar para breve o "genocídio dos cameronistas e dos osbornistas", referência a um possível desafio ao líder e seu alegado candidato a sucessor, que criaria novos equilíbrios no partido.."Isolado".No rescaldo da controvérsia, IDS teimou em que o objetivo não fora lançar "um ataque ao primeiro-ministro nem tem nada que ver com a Europa". A finalidade das suas palavras era chamar a atenção a um governo "demasiado concentrado apenas em reduzir o défice" e que se demitira por se sentir "isolado"..IDS, que pertenceu ao número de líderes a quem coube a ingrata tarefa de chefiar o partido nos longos anos de travessia do deserto quando Tony Blair reinventou os trabalhistas como "New Labour" e permaneceu no n.º 10 de Downing Street entre 1997 e 2007, é autor de vários livros, entre os quais um romance, The Devil"s Tune, escrito logo depois de deixar a liderança dos tories..Primeiro católico praticante a liderar os conservadores, é casado com Elizabeth Fremantle desde 1982. O casal tem quatro filhos.