As fardas são pretas, tal como os Humvee que conduzem, mas a unidade contraterrorista de elite iraquiana é conhecida como a Divisão Dourada. Se hoje são os heróis do combate contra o Estado Islâmico, colocando-se na linha da frente na reconquista de Mossul que está desde 2014 nas mãos do grupo terrorista, antes eram olhados com desconfiança pelas populações. Afinal, devem aos militares dos Estados Unidos a sua criação, treino e armamento.."Cada um dos nossos homens vale mil soldados", contou Daher Mahmoud, que esteve envolvido nos combates na zona industrial de Gogjali, às portas de Mossul, ao jornalista do The Daily Beast que os acompanha no terreno. "Com a barba por fazer, carregado de munições para a sua espingarda M4 e com uma faca enfiada no seu colete de combate, encarna a fanfarronice da Divisão Dourada", descreve Florian Neuhof..A ligação desta força de elite aos EUA é relatada pelo L.A. Times, que também tem uma repórter no terreno. Os militares usam T-shirts onde se lê "U.S. Navy" ou "Glock Perfection", jogam Call of Duty e veem filmes como Os Mercenários ou Sniper Americano. Do atirador furtivo cuja história é contada nesse último filme, Chris Kyle, retiram o emblema que pintam em alguns Humvees e capacetes - a caveira do Justiceiro, herói da banda desenhada da Marvel. Além disso, bebem bebidas energéticas Tiger e comem sementes de girassol, entre as rações de combate iguais às dos militares norte-americanos. "O nosso abastecimento, treino e equipamento é americano. Mas eu sou um soldado iraquiano", contou o tenente-coronel Ali Hussein Fadil..Origem.As forças especiais iraquianas foram criadas pelos militares norte-americanos, depois da invasão de 2003 para derrubar Saddam Hussein, como uma unidade de elite responsável por operações complexas. Foram treinadas, armadas e equipadas pelas Forças Especiais dos EUA e incluem membros xiitas, sunitas e curdos, sem ligações a fações políticas ou milícias. Uma das críticas das forças de segurança iraquianas é a ligação de várias unidades a diferentes fações, que pode exacerbar a violência sectária, além das denúncias de corrupção..Por terem sido formadas pelos EUA, a potência invasora, eram apelidadas de "Dirty Division" (Divisão Suja). Como dependem apenas do primeiro-ministro iraquiano, eram vistas durante o mandato de Nouri al-Maliki (2006-2014) como uma espécie de guarda pretoriana, que o chefe do governo usava para eliminar os seus rivais..Mas a entrada em cena do Estado Islâmico, que em junho de 2014 declarou em Mossul a criação de um califado em território iraquiano e sírio, transformou-os em heróis e em fonte de orgulho nacional. Quando as forças de segurança entraram em retirada e acabaram desnorteadas, a "Golden Division" (Divisão Dourada, como é conhecida agora) não recuou e os seus líderes tornaram-se nas figuras centrais da luta contra o Estado Islâmico - o comandante é o major general curdo Fadhil al-Barwari..No terreno, a força de quase 12 mil homens (cerca de 2600 estão a participar nas operações de Mossul) é recebida em festa pelas populações libertadas. Quando uma das suas colunas cruzou uma área sunita nos arredores de Ramadi (libertada no final do ano passado, após quase dois anos nas mãos do Estado Islâmico), as crianças atiraram doces aos veículos e uma multidão reuniu-se para tirar fotografias, lembra uma reportagem do Washington Post dessa altura..[artigo:5474692].As forças especiais foram as primeiras a entrar, terça-feira, em Mossul. "Vamos liderar o ataque a Mossul porque somos especializados em batalhar em áreas urbanas e guerra de guerrilha", disse o brigadeiro general Haider Fadhil, citado pela AP. "Fomos treinados para entrar em vilas e cidades com o menor número de vítimas", indicou. Contudo, as forças especiais não podem ficar responsáveis pela segurança do dia-a-dia, tendo que entregar o controlo às forças de segurança..E é aí que as coisas se podem complicar em Mossul - que o general David Petraeus (na reserva), que liderou as forças dos EUA entre 2007 e 2008, considera "o mais complexo terreno em termos humanos em todo o Iraque". A cidade é de maioria sunita, mas os interesses na região vão desde Bagdad à Turquia, com uma passagem pelo Curdistão e uma mão até do Irão..No terreno, além da Divisão Dourada (que conta com o apoio da aviação dos EUA), está o exército iraquiano - 20 mil homens que avançam desde o norte, as planícies de Leste e o sul. Há ainda 20 mil peshmerga curdos (combatem no norte e desde o leste e são treinados pela Turquia), outros 20 mil membros de milícias xiitas (apoiados pelo Irão) e 15 mil elementos das tribos sunitas que estão responsáveis por manter o terreno conquistado..Em Fallujah, por exemplo, as milícias xiitas entraram para ajudar a limpar os bairros dos jihadistas. Mas isso pode ter consequências negativas nas cidades sunitas, com os xiitas a serem acusados de ações de represália contra as populações. Há dois anos, muitos sunitas acreditaram nas promessas do Estado Islâmico, face a um governo de Bagdad que consideravam discriminatório (é de maioria xiita), tendo a resistência sido quase nenhuma no avanço inicial do grupo terrorista..[artigo:5474870]