14 outubro 2016 às 00h18

O campeão que não se deixa vencer pela doença

Miguel Rocha soube em janeiro que sofria de esclerose múltipla e em setembro sagrou-se campeão nacional da modalidade. "Seguramente não vou desistir de viver", garante

André Cruz Martins

A 28 de janeiro, Miguel Rocha acordou com visão dupla e deslocou-se ao hospital. O primeiro diagnóstico não foi preocupante, mas como as queixas se mantiveram durante mais uma semana, consultou outro médico. A resposta foi um soco no estômago: sofria de esclerose múltipla, doença que afecta o sistema central nervoso e que a médio/longo prazo pode levar a uma total incapacidade motora.
Apesar do choque, agarrou-se à vida e começou a lutar contra a doença. Para já, Miguel Rocha, de 33 anos, está a ganhar por goleada e em setembro sagrou-se campeão nacional de bodysurf, uma variante do surf sem prancha.

"Não sabia muito sobre esta doença. Foi um choque terrível quando o médico me disse secamente que tinha esclerose múltipla. A ideia que eu tinha era que ao fim de dois ou três anos estaria confinado a uma cadeira de rodas, mas ele acalmou-me e garantiu-me que nem sempre é assim. Teria era de seguir à risca a medicação, ter muito cuidado com a alimentação, principalmente não consumindo açúcar e ainda não apanhar muito calor", contou ao DN.

Miguel aplicou todas as suas forças no Campeonato Nacional de bodysurf. "Depois do segundo lugar obtido no ano passado treinei ao máximo, porque o meu objetivo era ganhar a edição deste ano. Voltei em grande forma e fui quarto classificado em Carcavelos, primeiro na Costa de Caparica, segundo em Santa Cruz e ganhei nas duas últimas etapas, em Vagueiro e Peniche", recorda.

A vitória na praia do Vagueiro foi a mais especial, pois foi obtida em casa, no local onde treina quase todos os dias e em frente a um enorme grupo de amigos. "Se eu tivesse sonhado não teria sido tão perfeito. Tive o grande apoio da minha claque, "Os Vagueirudos", que me acompanha para todo o lado. Nesse dia, eles eram à vontade 50 elementos e transmitiram-me muita força. Por vezes, usam potes de fumo e megafones, e quando estou na água fazem tanto barulho que parece que até estou a fazer uma nota máxima. Ou seja, para além de me apoiarem, também desconcentram os meus adversários", sublinha, bem-disposto. Mas não foram só "Os Vagueirudos" que o apoiaram, mas também a esmagadora maioria das 200 pessoas que assistiam à prova. "Entrar para a final e avistar essa gente toda no pontão... nem sei o que dizer, foi uma sensação única e irrepetível", confessou.

Curiosamente, desde o diagnóstico da sua doença, ganhou outra motivação, que lhe tem servido de estímulo não só no dia-a-dia mas também na própria competição. "Foi um abanão que levei e comecei a aproveitar mais a vida, dando mais valor à família e aos amigos que tanto me têm apoiado. Seguramente não vou desistir de viver!", atirou, esclarecendo que tem a intenção de divulgar publicamente a sua história "para motivar e dar força a todas as pessoas que passam por situações semelhantes".
A ambição de Miguel Rocha não se esgotou com a conquista do título de campeão nacional de bodysurf, pois tem como objetivo qualificar-se para o Campeonato do Mundo da modalidade, que falhou no último ano.

"Não consegui ir porque me faltaram apoios em termos financeiros, situação que felizmente está a mudar. Já tenho alguns patrocínios e estou em negociações com mais algumas marcas", revelou.
No seu pensamento está para já uma prova do Europeu, que se irá realizar em Marrocos, a 29 e 30 de outubro. É um pouco estranho, mas os bodysurfers marroquinos participam nas provas europeias, devido à proximidade geográfica e porque a modalidade não está muito desenvolvida no continente africano.
Miguel Rocha, que se inspira em Tiago "Saca" Pires e na longevidade do maior surfista português de sempre (o único até hoje a conseguir marcar presença no circuito da modalidade), deseja continuar a praticar a modalidade durante mais dez anos, ou seja, até aos 43. "Acredito perfeitamente que seja possível e vou lutar por isso. Para já, só desejo que tudo continue da mesma forma, e se possível com muita saúde", sublinha.