A 28 de janeiro, Miguel Rocha acordou com visão dupla e deslocou-se ao hospital. O primeiro diagnóstico não foi preocupante, mas como as queixas se mantiveram durante mais uma semana, consultou outro médico. A resposta foi um soco no estômago: sofria de esclerose múltipla, doença que afecta o sistema central nervoso e que a médio/longo prazo pode levar a uma total incapacidade motora. Apesar do choque, agarrou-se à vida e começou a lutar contra a doença. Para já, Miguel Rocha, de 33 anos, está a ganhar por goleada e em setembro sagrou-se campeão nacional de bodysurf, uma variante do surf sem prancha.."Não sabia muito sobre esta doença. Foi um choque terrível quando o médico me disse secamente que tinha esclerose múltipla. A ideia que eu tinha era que ao fim de dois ou três anos estaria confinado a uma cadeira de rodas, mas ele acalmou-me e garantiu-me que nem sempre é assim. Teria era de seguir à risca a medicação, ter muito cuidado com a alimentação, principalmente não consumindo açúcar e ainda não apanhar muito calor", contou ao DN..Miguel aplicou todas as suas forças no Campeonato Nacional de bodysurf. "Depois do segundo lugar obtido no ano passado treinei ao máximo, porque o meu objetivo era ganhar a edição deste ano. Voltei em grande forma e fui quarto classificado em Carcavelos, primeiro na Costa de Caparica, segundo em Santa Cruz e ganhei nas duas últimas etapas, em Vagueiro e Peniche", recorda..A vitória na praia do Vagueiro foi a mais especial, pois foi obtida em casa, no local onde treina quase todos os dias e em frente a um enorme grupo de amigos. "Se eu tivesse sonhado não teria sido tão perfeito. Tive o grande apoio da minha claque, "Os Vagueirudos", que me acompanha para todo o lado. Nesse dia, eles eram à vontade 50 elementos e transmitiram-me muita força. Por vezes, usam potes de fumo e megafones, e quando estou na água fazem tanto barulho que parece que até estou a fazer uma nota máxima. Ou seja, para além de me apoiarem, também desconcentram os meus adversários", sublinha, bem-disposto. Mas não foram só "Os Vagueirudos" que o apoiaram, mas também a esmagadora maioria das 200 pessoas que assistiam à prova. "Entrar para a final e avistar essa gente toda no pontão... nem sei o que dizer, foi uma sensação única e irrepetível", confessou..Curiosamente, desde o diagnóstico da sua doença, ganhou outra motivação, que lhe tem servido de estímulo não só no dia-a-dia mas também na própria competição. "Foi um abanão que levei e comecei a aproveitar mais a vida, dando mais valor à família e aos amigos que tanto me têm apoiado. Seguramente não vou desistir de viver!", atirou, esclarecendo que tem a intenção de divulgar publicamente a sua história "para motivar e dar força a todas as pessoas que passam por situações semelhantes". A ambição de Miguel Rocha não se esgotou com a conquista do título de campeão nacional de bodysurf, pois tem como objetivo qualificar-se para o Campeonato do Mundo da modalidade, que falhou no último ano.."Não consegui ir porque me faltaram apoios em termos financeiros, situação que felizmente está a mudar. Já tenho alguns patrocínios e estou em negociações com mais algumas marcas", revelou. No seu pensamento está para já uma prova do Europeu, que se irá realizar em Marrocos, a 29 e 30 de outubro. É um pouco estranho, mas os bodysurfers marroquinos participam nas provas europeias, devido à proximidade geográfica e porque a modalidade não está muito desenvolvida no continente africano. Miguel Rocha, que se inspira em Tiago "Saca" Pires e na longevidade do maior surfista português de sempre (o único até hoje a conseguir marcar presença no circuito da modalidade), deseja continuar a praticar a modalidade durante mais dez anos, ou seja, até aos 43. "Acredito perfeitamente que seja possível e vou lutar por isso. Para já, só desejo que tudo continue da mesma forma, e se possível com muita saúde", sublinha.