Não seria correcto considerar que o cinema português não tem arriscado lidar, com maior ou menor felicidade, com as memórias da Guerra Colonial.
Seja como for, sem menosprezar os esforços anteriores, importa dizer que Cartas da Guerra é um raro e fascinante objecto de cinema, para mais lidando com uma matéria tão delicada como são as cartas que António Lobo Antunes dirigiu a sua mulher, durante uma comissão de serviço em Angola (reunidas no livro D"este Viver Aqui Neste Papel Descripto, ed. Dom Quixote, 2007).
O menos que se pode dizer é que a realização de Ivo M. Ferreira, sustentada pela notável montagem assinada por Sandro Aguilar, possui a contenção e a inteligência de uma visão que resiste a qualquer mecanismo de "ilustração".
Paradoxalmente, tal distanciamento favorece um envolvente realismo: por um lado, as palavras escritas remetem para uma intimidade inviolável; por outro lado, a sua leitura intensifica a verdade muito física dos lugares e dos corpos - é um filme, enfim, para nos ajudar a sentir e pensar as nossas memórias coletivas.
Classificação: ***** Excecional
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