Escritores portugueses foram à América e contaram tudo

O título desta antologia de opiniões é América, The Beautiful. Uma caixinha de surpresas que reconta o país no século XX.
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A apresentação da organizadora deste volume que faz a recolha de textos de portugueses sobre os States é clara sobre aquilo que se vai ler em América, The Beautiful. Diz Carla Baptista: "Não se pretende esgotar o "assunto América"." É verdade, mas que faz um belo esboço desse país é a opinião que se retira das 365 páginas que agora chegam às livrarias. Tira-se uma conclusão da leitura da maior parte dos textos: os EUA são demasiado grandes para se conhecer numa viagem, por enorme que ela seja; que a América encandeia ou desilude, mesmo que não haja uma opinião preconcebida contra ou a favor do que se vai confrontar.

O primeiro texto é o que cronologicamente fica mais no passado, o de Eça de Queiroz (1866). Primoroso, cáustico e descritivamente exuberante, é uma carta para o colega Ramalho Ortigão, em que diz: "Saí, pois, de Nova Iorque, e fui aos centros operários da Pensilvânia. Não imagine preocupações sociais - não: os nervos misteriosos que vibravam constantemente em mim com um rebate tão revolucionário, adormeceram." Em tom de brincadeira, continua: "Fui ao centro fabril da Pensilvânia, não para examinar o operário mas justamente para visitar um capitalista." Eça não se fica pelas questões da luta de classes e aprecia as várias américas: "Filadélfia é Nova Iorque sem o deboche" e "Chicago é sem dúvida a mais extraordinária cidade do mundo". Interessante é perceber como o tempo molda a posteridade de certas personalidades, como é o caso de Mark Twain: "O grande humorista da Califórnia", qualifica Eça.

Segue-se Antero de Figueiredo (1905), que descreve uma viagem a Washington. Fica surpreendido com o modo como os americanos educam os seus filhos - "liberrimamente" - e espanta-se com a arquitetura: "O Correio-Geral é coríntio, o Ministério dos Estados é a reprodução do Parténon, a colunata do Tesouro tem o aspeto de uma Academia."

António Ferro (1927) muda a agulha e trata liberalmente de um assunto emocional que o deixa de boca aberta: as americanas. Estranha que as mulheres submetam os amigos mais próximos ao estatuto de empregados domésticos que servem para fazer companhia e entreter enquanto os maridos trabalham na downtown: "Passeia, corre, dança, beija, mas não ames... O amor, nos Estados Unidos, custa uma fortuna. Ama em Portugal. Casa em Portugal. É mais barato. Não se gastam dólares: gastam-se escudos. E com escudos sempre um homem se defende..."

Dá-se um salto no género e no tempo, para 1949, e temos Natália Correia. Com opiniões sobre a moda: "A americana tem a mania do chapéu"; onde se come: "Na cafetaria só estão velhos"; sobre sexo: "Não me venham falar na pureza dos meninos. Tudo neles é sexo, sexo e mais sexo"... Resume tudo nesta frase: "É preciso ir a Coney Island num domingo para se ver, como numa fotografia ampliada e colorida, a vida autêntica da classe média."

O escritor Joaquim Paço d"Arcos (1953) vê coisas nunca vistas: "conduza o seu automóvel para dentro do cinema"; as "virtudes e defeitos da grande imprensa"; o "significado da palavra lobista", e a existência de vinte milhões de aparelhos de televisão no país.

Também existem no livro textos de portugueses que lá viveram parte da vida intelectual, como Jorge de Sena (1968). Profundo conhecedor da alma americana e crítico dos que deixara para trás. Ora leia-se: "Todavia, se a América me faz sentir tremendamente europeu, será que alguma vez serei capaz de viver na Europa?"

Outro visitante americano é o historiador A. H. de Oliveira Marques (1969), que por lá ensina numa universidade americana. Fica espantado com a frontalidade dos universitários perante a sua ignorância: "Dificilmente um universitário português mostraria perante os seus colegas e o seu professor o espanto que nomes como Rutherford, Woodroow ou Dwight lhe poderiam suscitar." Esperemos que este América, The Beautiful tenha seguimento. Há um punhado de outros depoimentos de viajantes mais recentes que podem interessar aos leitores contemporâneos destas paragens. E a América tem mudado muito!

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