Autorretrato de Paula Rego... com máscara de macaco

A pintora Paula Rego vem a Cascais inaugurar a nova exposição na Casa das Histórias. Em entrevista, relata a sua inspiração por Portugal.
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Há uma nova exposição da mais famosa pintora portuguesa anunciada para esta quinta-feira. Que mesmo sendo o título da exibição em inglês, Old Meets New, é o mais portuguesa possível. Ora não confessasse a própria Paula Rego isso mesmo na entrevista que concede ao DN a propósito desta nova apresentação em Cascais de quatro séries de trabalhos, quando afirma que enquanto artista se sente assim: "Todo o trabalho que faço é de alguma maneira português. Até a Jane Eyre."

Em Old Meets New, a principal temática inspiradora é a obra de Eça de Queirós. Novamente, diga-se, pois não é a primeira vez que tem sido visitada pela sensibilidade da artista. Desta, trata-se de dois romances emblemáticos do escritor: O Primo Basílio e A Relíquia. O visitante não terá apenas essa mundivisão literária mais recente transplantada para as suas telas, já que Paula Rego expõe em mais duas salas uma série de gravuras sobre o Aborto e a Mutilação Genital Feminina, duas situações problemáticas que por tanto a incomodarem não resiste à necessidade de questionar quem a olha através da sua obra.

Ao finalizar-se o percurso de sete salas da Casa das Histórias reservadas para esta exposição, na última estão três obras que fazem parte da coleção particular da autora, como é o caso de Anjo, pastel sobre papel montado em alumínio que data de 1998 e já esteve exposta em Madrid, no Museu Reina Sofía. Antecedendo esse espaço encontra-se um trio de obras inéditas em Portugal, aquele que representa três momentos da vida do último rei de Portugal, D. Manuel II. Deveras impressionante, tanto pela técnica utilizada - grafite, acrílico e padrões - como pela reação que provoca no visitante devido à abordagem que Paula Rego introduz nos momentos de um monarca que, como a artista, viveu em Londres. Ressalve-se que D. Manuel II estava no exílio, situação que Paula Rego sempre rejeitou.

A par destas salas onde está Old Meets New, decorre a exposição de um conjunto de telas do pintor Manuel Amado, uma das várias coleções (ler caixa ao lado) que acompanharão o tempo de vida desta mostra até ao final de outubro. Obras selecionadas pela pintora e que lhe servem de contraponto.

Novas técnicas

Qual é o significado desta exposição intitulada Old Meets New? Será Paula Rego que o explicará na próxima quinta-feira, pelas 18.30, quando inaugurar a exposição. No entanto, complementando o que a pintora refere na entrevista, desde já se pode desvendar algo do que está prometido aos visitantes, sem se retirar o espanto que irá provocar a nova abordagem de Paula Rego ao escritor Eça de Queirós.

Segundo mostra a curadora Catarina Alfaro durante a visita a Old Meets New, há desde logo uma surpresa: a presença de um dos cenários construídos pela pintora para a elaboração da série O Primo Basílio. Essa instalação, um cabide, um banco e uma boneca, tornar-se-á um referencial para o visitante que, decerto, voltará atrás várias vezes para partir desse cadeirão, dessa boneca tipicamente exemplar do universo de Paula Rego e desse cabide, para confrontar tais adereços com a sua apropriação na execução dos quadros.

Se as obras mais recentes da exposição, as em torno dos romances de Eça, datam dos anos 2013 a 2015, existe outra também muito atual. É o tríptico exposto à entrada da mostra, que se inicia com Autorretrato, situação muito pouco habitual na pintora, e duas telas também de carácter pessoal: Sonho e Família. A raridade do autorretrato fez que a curadora questionasse a pintora sobre a sua intenção, que lhe confirmou ser "um autorretrato sem o ser". Ou seja, refere, além de ser uma obra que remete o registo atual de Paula Rego para certas obras dos anos 1980, que teve uma execução curiosa: "Paula Rego coloca sobre o seu rosto uma máscara de macaco - há fotografias no ateliê em que é retratada a pintar com ela -, situação que remete para obras anteriores, numa ironia em relação ao papel do artista como imitador. Ou seja, há como que um regresso ao passado com a utilização dos animais e das suas características específicas."


Entrevista com Paula Rego

A partir das leituras que tem feito dos romances de Eça de Queirós, qual seria o pior defeito do escritor?

Eu não lhe encontro defeitos. Ele tem muito bom olho e, ainda por cima, é um grande escritor. Basta ver como tinha compaixão pelas suas personagens, até pelos malandros.

Se tivessem sido contemporâneos, ter-lhe-ia pedido para escrever determinado romance para o poder trabalhar enquanto pintora?

Não, claro que não. É raro pedir a alguém, seja quem for, para escrever uma história específica. No entanto, uso as histórias dos outros como inspiração. Por isso é que chamei ao museu em Cascais a Casa das Histórias. O mundo é feito de histórias. E agora, neste momento, estou a fazer bonecos para a história da Hélia Correia chamada Bastardia. Alguém que eu admiro muito. Peço a outras pessoas para me fazerem criaturas (ratos, sereias, burros, meninos bem penteadinhos), mas nunca digo como devem ser porque é mais interessante ver como ficam. A minha neta Cármen, por exemplo, tem muito talento para fazer o que eu lhe peço à maneira dela. E a Lila, que trabalha comigo há muitos anos, faz uns pássaros magníficos. A única pessoa a quem eu pedi para escrever uma história foi à minha filha Carolina. Para a qual eu já tinha alguns desenhos e o título. Tudo o resto é dela.

Já sonhou com um quadro e quando acordou foi capaz de o recordar e querer pintá-lo imediatamente?

Nunca. O meu marido tinha alucinações e via o quadro que ia pintar. A mim nunca me aconteceu. Tenho tido sonhos horríveis mas não os pinto. Às vezes pinto as pessoas que detestava quando era pequena, como é o caso da minha professora, a dona Violeta. Eu pinto muitas pessoas na minha vida, mas estão mascaradas de bichos, de príncipes ou como personagens do Eça de Queirós.

Gosta que os seus quadros sejam leiloados por valores muito altos ou fica com "inveja" por eles estarem nas paredes das casas de outras pessoas?

Não tenho nenhuma inveja, pelo contrário dá-me prazer. Tenho muito prazer que comprem os meus quadros. Não foi fácil chegar a este ponto. Eu só vendo quadros através das minhas galerias em Londres e em Lisboa (Marlborough e Galeria 111). Os quadros que aparecem nos leilões foram vendidos há muito tempo. Esses são velhos amigos que aparecem de vez em quando e dos quais já tive muito tempo para lhes dizer adeus.

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