Ao quarto disco Rita Redshoes perde o medo de cantar em português
"Sou mulher e contra mim o que vier é bem-vindo se trouxer igualdade e desalinho." À quinta música do novo álbum, Rita Redshoes surpreende-nos a cantar em português e ainda por cima uma canção que quase parece ser um autorretrato, Mulher. "Sei dizer o que quero e o prazer ganha força, eu não minto mas desarmo. Sei mostrar o que sinto e lutar corpo a corpo, eu não minto e não escondo que o desejo é maior que o medo."
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Um manifesto? Rita ri-se. O disco chama-se Her e é, todo ele, contado e cantado de um ponto de vista assumidamente feminino. "Isto não foi premeditado, aconteceu assim", explica a cantora, compositora, instrumentista. Começou a escrever as canções que tinha na cabeça e quando, a certa altura, olhou para o material que estava a reunir, deu-se conta de que havia ali um tema, uma linha, uma direção. "Lamento, mas só me sai disto", desabafou na altura com o seu manager. Não há que lamentar. Her é um disco que fala de mulheres, de várias mulheres, apaixonadas ou desiludidas, traídas ou sonhadoras. Todas elas são um pouco Rita. "Isto é o que eu tenho que dizer neste momento. Este é um disco feminino e no feminino. Este Her é um bocadinho a ideia de não ter medo de se ser feminino, e quando eu digo isto estou obviamente a incluir os homens."
Apesar de só agora assumir a forma de um disco, esta preocupação não é nova em Rita Redshoes. "Há um lado autobiográfico no disco, que tem que ver com a altura em que me encontro da vida: com 35 anos, mulher, não sou mãe ainda, acho que quero ser mas não sei ainda, esses dilemas todos. E depois algo que fui experienciando nestes anos e com o qual me zanguei muitas vezes que foi sentir em contexto profissional alguma discriminação por ser mulher."
Uma discriminação que se revela às vezes em coisas muito pequenas, palavras, expressões, uma condescendência, um certo tratamento diferenciado. "Estou a falar de não ter o mesmo espaço de opinião ou de decisão e sei que isso comparado com outras atrocidades que são cometidas noutras sociedades não é nada. Mas esta é uma questão um bocadinho mais simples de resolver e é importante que isto se fale."
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Se foi isto que lhe apeteceu dizer agora, mais surpreendente é que, por vezes, lhe tenha apetecido dizê-lo em português. Rita Redshoes não tem uma explicação para o facto.
Desde miúda, quando começou a tocar com o irmão nos Atomic Bees, Rita habituou-se a cantar em inglês e depois a escrever também em inglês. Até que, quando chegou a altura de lançar o seu primeiro disco a solo, Golden Era (2008), o inglês já fazia naturalmente parte da sua expressão musical. Nunca questionou isso. Até que, há cerca de dez meses, quando ainda andava a fazer concertos de Life Is A Second of Love (o disco editado em 2014), começou a sentir novas canções a crescerem dentro de si, a primeira das quais foi Vestido. Em português. A primeira canção de Rita em português ao fim de nove anos de carreira.
"Não há uma maneira certa para as canções nascerem. Há um momento em que as músicas antigas já contaram a sua história, já fizeram o seu percurso, e começas a ter disponibilidade. E sentes qualquer coisa nova a fervilhar." Rita Redshoes explica que o seu processo de criação é um pouco caótico. Tudo, literalmente tudo, pode servir-lhe de inspiração. As pessoas que conhece, as notícias que lê, as conversas que tem. "Eu vou guardando essa informação toda e depois há um dia em que passa ali uma inspiração qualquer e apanho-a e transformo-a em canção." Nesse momento, geralmente vai para o piano, embora também possa apetecer-lhe a guitarra.
Foi assim que surgiu aquele Vestido, primeiro ainda mal alinhavado, a precisar de uns ajustes, mas logo em português. "Senti-me muito insegura. E acabei por pedir ajuda ao Pedro Silva Martins, dos Deolinda, e foi muito giro porque ele trouxe a sua visão masculina e a canção acabou por ficar uma parceria", lembra. Só depois de Vestido é que surgiram Mulher e Fé na Vida, completando o trio português de Her.
"Ao início estranhei ouvir-me a cantar em português e tinha muito pudor de fazê-lo. Achei que a minha voz em português não era nada musical. Tive de cantar a mesma canção muitas vezes." Mas, agora, já não estranha. E aberta esta porta é muito provável que, daqui para a frente, o português se torne mais presente nas suas canções. Sem compromissos.
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Mas houve mais desafios neste disco. Para fazer Her, Rita Redshoes mudou-se durante cerca de um mês e meio para Berlim, por ser lá que mora o produtor Victor van Vught. Que ele, que foi o produtor de Murder Ballads, de Nick Cave, tenha aceite produzir o seu disco é algo que, ainda hoje, a deixa espantada. "Eu queria passar por esse processo de ir para fora de pé", explica. Mudou-se para Berlim, uma cidade que não conhecia, e entregou as suas canções a Victor e aos músicos por ele escolhidos, entre os quais o guitarrista Knox Chandler, responsável pelos arranjos de cordas que atravessam o álbum. "Tinha algum receio, por estar a trabalhar com estas pessoas com tanta experiência, que acabasse por ser um processo um bocadinho frio e profissional. E surpreendeu-me imensos porque não senti isso. Com eles aprendi uma das coisas mais básicas na música: aquilo que mais conta é quando tu te entregas e dás o que mais tens naquele momento à canção. Eles fizeram isso, e essa entrega ouve-se. Foi um processo muito natural, bonito e emotivo."
Agora, Rita Redshoes prepara-se para a próxima fase que é passar as canções para palco: o primeiro concerto acontece já no dia 19, em Aveiro. E, pela primeira, terá consigo um quarteto de cordas. Está satisfeita. Her é o disco que Rita Redshoes queria fazer agora e que não podia ter sido feito antes. "Tenho fé que a vida vá e mude o nosso fim", canta em Fé na Vida. Uma canção que fala do que a vida nos traz e de como às vezes é preciso esperar pelo momento certo. Este.