A "Geometria da Natureza" vista pelos olhos do pintor Sandro Sanna

O artista, representado na coleção de arte contemporânea Farnesina, do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Itália, inaugura hoje a sua primeira exposição em Portugal
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Passam menos de 24 horas desde o pintor Sandro Sanna chegou a Lisboa, quando se encontra com o DN na Embaixada de Itália, o antigo palácio dos condes de Pombeiro, ali mesmo ao lado do Paço da Rainha. Prepara a exposição que o traz a Portugal pela primeira vez. Chama-se Geometria da Natureza e reúne 11 telas e 4 desenhos na antiga capela do Instituto Italiano de Cultura.

Maestro Sanna, privilégio de tratamento que a língua italiana dá aos pintores, mostra uma das suas obras, ainda na residência do embaixador Giuseppe Morabito. O diplomata foi o responsável por outra mostra do trabalho do artista, em Beirute. Nos seus quadros, abstratos, usa tintas metálicas que criam brilhos e reflexos. Luz é palavra incontornável quando se fala no seu traço. "Há a luz e depois há a questão da multidão de elementos que se agregam para criar uma forma", resume.

Durante a conversa, abre o catálogo de exposições anteriores e adverte que a impressão não mostra bem a peça, facto comprovado diante da obra, na antiga capela do palacete do Instituto Italiano da Cultura, na rua do Salitre. O brilho do alumínio perde-se no papel, aparece diante da tela.

A luz natural, ténue, a pedido do artista, incide sobre um dos quadros de Sandro Sanna, todos eles obras recentes. "São metais combinados com tinta acrílica", explica, chamando a atenção para esses pequenos elementos verdes que sobressaem do quadro, resultado da "oxidação" e que também fazem parte da obra. Ganha expressão uma frase do artista sobre a sua pintura. "São elementos que afloram de uma solidão cósmica".

"Trabalho desde sempre o tema da mutabilidade das coisas. Este é o elemento que caracteriza todo o meu trabalho", explica. "Nesta fase da minha obra debruço-me sobre o conceito de origem, porque a origem é, no fundo, o dilema com o qual todos nos deparamos. Cria grandes interrogações", reflete. Haverá uma conclusão? "È molto bello! A beleza é continuar a perguntar, porque quando se pensa ter percebido alguma coisa, regressamos ao ponto de partida".

Sandro, nascido em Macomer, na Sardenha, em 1950, recorda a sua própria origem. "Nunca imaginei uma maneira de ver a vida, sem ser através da arte, foi instinto". Não como missão, mas, assim mesmo, como forma de expressão, acrescentará. "Na minha família, de recursos modestos, a arte era quase um problema, eu tinha um problema em defender a minha forma de olhar o mundo", conta.

Um de quatro irmãos - "um rapaz, uma rapariga, um rapaz, uma rapariga" -, a família mudou-se para a capital em 1965. "O meu pai era artesão, não tínhamos muitos recursos, podíamos ir estudar fora, mas era necessário ter recursos e a família teria de financiar. Ali o que se decidiu foi que a família toda se mudou para Roma para que cada um seguisse as suas inclinações". O embaixador intervém, contextualizando a época: "A Sardenha dos anos 60 era uma região de emigração".

Era um bom aluno a matemática, disciplina que em tanto se toca com o seu trabalho? "Não!", responde, sem hesitação. "Não era bom aluno, porque nunca ninguém me conseguiu interessar para a matemática", explica, prosseguindo: "Só comecei a gostar quando fiz o serviço militar em Pesaro. Conheci um matemático e comecei a perceber que nos interessavam as mesmas coisas. A matemática também se movimento numa abstração, como nós pintamos em abstrato".

Recua aos anos 70 e à passagem pela tropa, 23 anos. "Esta época foi uma pausa. Parti de Roma com duas malas de livro. Batia os treinos à máquina. O trabalho que tinha para fazer era bater à máquina os programas de treino. Fazia isso em três horas e tinha o resto do dia livre. Foi um período de grande formação humanística", conta. "Nunca o serviço militar foi tão útil a um artista como foi para mim, porque tive tempo para ler. Aprofundou o meu conhecimento autodidata de literatura, poesia, ciência". Já pintava. "Dediquei-me sempre à pintura e ao desenho", afirma.

Aos 17 anos, fez o primeiro negócio com uma obra. "Um senhor, ourives, que também vendia relógios quis fazer uma troca. Um quadro em troca de um relógio, um relógio de bolso que queria muito. Até comprei um colete para o usar".

Em outra ocasião, quando trabalhava num estúdio de arquitetura, uma pessoa "trocou um desenho por um presunto, dois quilos de café e um troço de queijo parmesão". E, nesse mesmo estúdio, "um arquiteto que gostava do meu trabalho, trocou um dos quadros por um Fiat 600, o meu primeiro carro", conta. "Foi importante saber que alguém dava valor ao meu trabalho".

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