Andava na primária e a escolha que tinha para os tempos livres era entre jogar à bola ou ir para a banda. Ele e os amigos foram para a filarmónica e ele achava graça ao saxofone - uma imagem que vinha dos desenhos animados -, mas já havia muitos a usar esse instrumento. Ficou com o clarinete, um clarinete de pessoa crescida que lhe foi ensinado "pelos senhores Francisco Castanheira e Ilídio Gomes". Passaram 20 anos e muito trabalho, e Horácio Ferreira é um dos mais promissores clarinetistas a nível mundial. Prémio Jovem Músico em 2014 ficou em primeiro no Concurso Debussy de Clarinete, com a melhor interpretação da Première Rhapsodie deste compositor. Faz parte do grupo de Rising Stars escolhido pela ECHO - European Concert Hall Organisation - e é nesse quadro que toca amanhã no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian e no dia 12 de maio na Casa da Música. A digressão destas jovens estrelas ainda vai a meio e já o fez passar por grandes salas europeias, da Philharmonie de Colónia ao Palau de la Música em Barcelona e ao Barbican Center em Londres..A história começa em Pinheiro de Ázere, uma freguesia de Santa Comba Dão com menos de mil habitantes. Horácio nasceu a 16 de dezembro de 1988 e tem uma irmã mais velha que é médica, formada em Coimbra. Na Sociedade Filarmónica Lealdade Pinheirense, o jeito do rapaz cedo foi notado. "Devias ir aprender mais." Isso mesmo disse um professor em 2011, num encontro de jovens em Viseu..Horácio conseguiu entrar para o Conservatório de Música de Coimbra, mas a viagem de comboio demorava duas horas. Um amigo tinha aulas de piano - veio a formar--se em composição na Universidade de Aveiro - e combinou com ele: dava-lhe boleia se os horários coincidissem. A mãe, entretanto separada, não tinha carro nem condições para tratar do transporte. Foi conseguindo o equilíbrio entre os estudos do 9.º ano e as três aulas semanais de clarinete em Coimbra. Quando precisou de escolher a área do secundário, Horácio hesitava entre as Artes - queria ser arquiteto - ou a Música. Candidatou-se a ambas e entrou na Escola Profissional de Espinho..Lá estava de novo o problema logístico: de Pinheiro de Ázere a Espinho o caminho era ainda mais longo. No primeiro mês, viveu na casa de uma senhora, com outros alunos, mas em novembro já tinha mudado. Ele e Tiago Noites, ambos com 14 anos, tiveram o apoio das famílias e alugaram uma casa "espetacular" junto ao mar, perto da escola. Tiago é hoje um músico conhecido, toca trombone baixo, mas na altura eram apenas dois miúdos que partilhavam uma casa, cozinhavam - "todos os dias arroz, se fosse preciso". E estudavam muito..Horácio tinha chegado tarde aos exigentes estudos musicais, mas manteve-se focado. Conheceu o professor António Saiote, com quem fez masterclasses, e foi por estudar com ele no Porto, na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo, a ESMAE..Terminado o curso, deu aulas durante dois anos na Escola de Música Óscar da Silva, em Matosinhos, e foi finalista no primeiro concurso internacional em que participou, em Itália. Não ganhou mas percebeu que para chegar ao nível dos outros tinha de estudar numa grande escola europeia..A escolha foi rápida, porque tinha bem claro o nome que mais o atraía: Michel Arrignon. Conseguiu ser aluno dele em Madrid e foi tendo cada vez mais convites para concertos. E prémios..Trocou Madrid por Paris, para estudar com Nicolas Baldeyrou, o seu mentor. Vive em Santa Maria da Feira, com a namorada, Ana Filipa Assunção, também ela música premiada - toca oboé. Horácio desloca-se com frequência a Paris quando prepara um concurso ou quando sente necessidade..Trabalha com o seu clarinete pelo menos duas horas por dia, mas pode chegar a exercitar-se nove horas num dia, se algum concurso o exigir. Entre o trabalho, as viagens e a família, Horácio gosta de ouvir música - rock (menos o mais agressivo, o metal), jazz, clássica - os preferidos são Beethoven, "pelas sinfonias", e Mozart "pelo que escreveu para clarinete, por tudo o que ajudou o clarinete a evoluir, e pela simplicidade da música dele". E sempre que pode vai ao Estádio do Dragão vibrar e gritar com o clube de que é adepto dedicado: "Quando o Porto ganha é espetacular!"