Viagens do Presidential prestes a chegar ao fim da linha
A história já foi mais que esmiuçada, mas para quem não sabe, o comboio Presidencial foi construído 1890 e transportou presidentes, reis - como Isabel II - e o Papa Paulo VI. Viajou durante muitas décadas, até que em 1970 foi colocado no Museu Nacional Ferroviário. Depois de ter sido restaurado em 2010, o empresário Gonçalo Castel-Branco decidiu criar a experiência de luxo The Presidential, que desde 2016 tem levado turistas nesse comboio do Porto ao Douro, e respetivo retorno, com almoço cozinhados por chefs com estrelas Michelin e uma paragem na Quinta do Vesúvio, que já foi considerada o local mais silencioso de Portugal.
O projeto nasceu depois de Gonçalo Castel-Branco ter visto as carruagens no museu. Desde o seu início, que começou por ser uma experiência em parceria com restaurante algarvio Vila Joya e, mais tarde, se tornou o The Presidential. Recebeu a atenção dos media e do setor do turismo, tendo sido considerado o melhor evento público, em 2017, pelos Best Event Awards.
Contudo, e apesar do sucesso, as viagens chegam este ano ao fim. Gonçalo Castel-Branco, mentor e promotor do Presidential explica que a última viagem era para ter ocorrido em 2020, mas com a pandemia foi adiada e o contrato termina este ano.
A pergunta é óbvia, depois de tanto sucesso não há vontade de continuar? O responsável indica que o Presidential "é capaz de ter sido das melhores coisas que foram feitas em Portugal. Digo-o sem falsa modéstia. E tenho pena que vá acabar". Mas acrescenta: "Objetivamente chegou a um sítio em que não vejo como podia continuar. Cumpriu e excedeu os objetivos, sobretudo para o seu parceiro o Museu Nacional Ferroviário. Mas o projeto nunca teve como objetivo ter lucro, nunca ganhou um euro. E obviamente, ao fim de cinco anos gostava de levar o projeto para um sítio que desse dinheiro, mas esse sítio parece que não existe. Tenho pena, sim. Mas racionalmente tem de acabar", explica Castel-Branco.
Citaçãocitacao"A ideia é mostrar o melhor de Portugal naquela viagem. Os melhores chefs, os melhores vinhos e as paisagens do Douro. Tentámos convidar o melhor talento de Portugal e, em vez de ter um chef por dia, vamos ter dois".
A pergunta que se segue é que, se é um projeto que trouxe um turismo mais qualificado, de turistas que gastam mais dinheiro e ficam mais tempo no país - algo que muitos governantes concordam e apelam -, não podia ter sido apoiado pelo setor? "O Presidential trouxe ao de cima o melhor e o pior que o país tem. O melhor no rasgo, na ideia quase impossível de colocar de pé um comboio que não tem eletricidade e serve refeições, as pessoas de qualidade que se juntaram à volta deste projeto, e que nasceu de muita gente e não só comigo. Por outro lado, apelou à inveja, ao barulho. Criou-se uma ideia de que eu estaria rico com o projeto porque o bilhete custa 750 euros por pessoa...".
E acrescenta: "Não, não foi uma questão política. Portugal tem uma dificuldade com dinheiro. Todos dizem que é preciso apostar em turismo qualificado, mas depois não apoiam."
Tudo isto fez com que Gonçalo, que também é criado e promotor do festival Chef's on Fire e que se prepara para o realizar noutros países, desistisse da aposta que tinha pensado para o turismo ferroviário em Portugal. "Muito dificilmente investirei na ferrovia, com muita pena minha, porque podia ser criado um segmento do turismo de ferrovia em Portugal", frisa.
Mas até final das viagens - a última acontece no dia 23 de outubro - há um programa para apreciar. "A ideia é mostrar o melhor de Portugal naquela viagem. Os melhores chefs, os melhores vinhos e as paisagens do Douro. Tentámos convidar o melhor talento de Portugal e, em vez de ter um chef por dia, vamos ter dois." A saber: Rui Silvestre, Henrique Sá Pessoa, Diogo Rocha, José Avillez, Marlene Viveira, João Rodrigues são alguns dos nomes que irão cozinhar as refeições (almoço) a bordo (o programa completo está na página de internet do Presidential).
Na viagem, que, como já foi referido, tem o preço de 750 euros por pessoa, há outros pormenores que Gonçalo Castel-Branco indica ao DN e que fazem a diferença: como, por exemplo, a banda sonora da viagem criada pela Casa da Música e que toca nas carruagens durante as nove horas que esta dura; o cheiro a bordo foi criado pela Castelbel a partir de bagas e grainhas do Douro e que não se podem comprar em lado nenhum.
A cada viagem podem embarcar na Estação de São Bento um total de 64 pessoas. "Há obrigações históricas que não podem ser alteradas e isso não nos permite acrescentar carruagens", explica Gonçalo Castel-Branco.
E não se pense que o comboio só recebe estrangeiros. De acordo com o promotor, 60% dos passageiros são portugueses "ricos e gente que andou a poupar durante um ano para celebrar uma data especial. E claro, os estrangeiros atraídos pelas paisagens e gastronomia. "Temos gente do mundo inteiro e que faz a suas férias à volta das datas do comboio", acrescenta.
A partida dá-se pelas 11.00 na Estação de São Bento, no Porto. Depois são 3h30 minutos em direção ao Douro, com paragem na Quinta do Vesúvio, onde há um tour pela propriedade, com provas de porto, "muitos deles não comercializados", e ainda um cigar lounge com charutos vindos da Nicarágua.
Nove horas depois da experiência The Presidential, o comboio regressa ao Porto. "É uma carta de amor a Portugal e, em finais de outubro, será de vez. E custa muito terminar uma carta de amor. Vai ser muito emocional", conclui Gonçalo Castel-Branco.