Quatro obras-primas do Louvre transformadas em relógios suíços

O Leão de Dario, a Grande Esfinge de Tanis, a Vitória de Samotrácia e o Busto de Augusto adornam a nova série de relógios Métiers d'Art da Vacheron Constantin. São cinco exemplares de cada, únicos e exclusivos, que foram apresentados à imprensa em Paris num Museu do Louvre esvaziado de turistas.

Imponente no cimo da sua escadaria, a Vitória de Samotrácia ergue-se solitária num Louvre vazio das hordas de turistas que todos os dias fazem deste um dos museus mais visitados do mundo. De lado, iluminado por uns focos de luz potentes, está o relógio que a Vacheron Constantin criou inspirado na estátua descoberta em 1863 na ilha grega que lhe dá nome. Um olhar mais atento descobre por trás do drapeado das asas da Vitória um mostrador esmaltado a castanho, um contorno representando os frisos decorativos baseados em dois jarrões gregos e uma antiga inscrição grega gravada mediante metalização no cristal de safira - uma lista de atenienses iniciados nos mistérios dos deuses do Olimpo, sob a direção de um tal Sócrates. Este é um dos relógios Métiers d'Art. Homenagem a quatro grandes civilizações da Antiguidades e inspirados em outras tantas obras primas que podemos ver no museu parisiense.

Numa manhã de terça-feira em que o Louvre abriu as portas especialmente para os jornalistas convidados pela Vacheron Constantin, a marca de relógios Suíça fundada em 1755 por Jean-Marc Vacheron, a cujo neto se juntou o senhor Constantin (de nome François) em 1819, começamos por nos dirigir para a sala do Império Aqueménida, da Pérsia. Ali, escondido da vista de quem entra atrás de um monumental pilar que adornava o palácio de Dário, em Susa, e rodeado pelos frisos dos arqueiros do rei, podemos ver o leão de Dário, o Grande. E à sua frente, de novo sob os holofotes, o relógio Métiers d'Art que este inspirou. O que primeiro impressiona? O azul turquesa dos tijolos que compõem o fundo em que se destaca o leão. O friso à volta do mostrador inspirou-se no Friso dos Arqueiros, já as inscrições caligráficas gravadas mediante a técnica da metalização no cristal de safira provêm de uma cartela inscrita em persa antigo. Este texto em escrita cuneiforme é um dos primeiros escritos por Dário após chegar ao poder.

Da Pérsia para o Egito, atravessando o Louvre Medieval - o nível inferior da ala Sully - chegamos à Grande Esfinge de Tanis. O corpo de leão e a cabeça do faraó erguem-se no seu mármore rosa e à sua frente, o relógio que inspirou e no qual os artesãos da Vacheron Constantin tiveram de pôr toda a sua arte. Sobretudo na reprodução da barba postiça num espaço tão reduzido. Para tal, o ourives teve de trabalhar em relevo utilizando a técnica da ornamentação mediante perfurações, apesar da finura da placa, antes de realçar o efeito de profundidade aplicando uma patine ao material, primeiro com um maçarico e depois à mão. Para obter o azul e negro do mostrador, foram necessárias seis horas de cozedura no forno. E, claro, não podiam faltar os hieróglifos.

Por fim, depois de uma inusitada caminha por uma Galerie du Bord-de-l"Eau, em que se sucedem as obras dos grandes mestres da pintura italiana, totalmente vazia, chegamos ao Busto de Augusto. O primeiro imperador romano surge com o drapeado da sua toga e a coroa de folhas de carvalho. Bem à sua frente, o relógio que inspirou. De novo, além da obra que reproduz, tudo neste relógio Métiers d'Art é também... uma obra de arte. O centro do mostrador é esmaltado em azul e o contorno é decorado com um micromosaico em pedra. Este é o famoso mosaico do século IV descoberto em Lod, Israel. Para o reproduzir utilizaram-se 660 pedras. E não falta a inscrição em latim: uma dedicatória ao Génio (protetor divino) da cidade de Russicada, a atual Skikda, na Argélia.

Parceria com História

Estabelecida em 2019, a parceria entre o Louvre e a Vacheron Constantin tem aqui a sua última concretização, mas já passou por vários momentos. "Era quase inerente que as duas casas se encontrassem e selassem esta parceria. Em 2019 promovemos os dois mundos, os dois universos cruzados, através de uma série de pequenos vídeos que deram a conhecer o paralelo dos artesanato. Foi a primeira milestone. Depois tivemos oportunidade de organizar um leilão para o meio educativo. Usámos a nossa notoriedade e tivemos a sorte de poder dar a um cliente a oportunidade de licitar e escolher um relógio com a obra de arte que quisesse, que irá receber no final deste ano", explica Sandrine Donguy. E quando queremos saber qual foi a obra escolhida, a diretora para o Marketing de Produtos e Inovação da Vacheron Constantin esclarece: "Escolheu a Lutte pour l"Étendard de Rubens".

Mas voltando a esta série Métiers d'Art em que só foram feitos cinco exemplares de cada relógio inspirado em cada uma das quatro obras de arte do Louvre, a escolha destas foi mais fácil do que possa parecer.

"Porquê estas civilizações? Porque na história da humanidade, estas civilizações da Antiguidade, cada uma delas, trouxeram algo mais para o Homem. Seja na filosofia, na arquitetura, na criação da demografia, na técnica e conhecimentos de arte. Cada uma, na sua época, permitiu à Humanidade avançar nas áreas da ciência, da arte e da cultura. Por isso foi bastante óbvio que nos associássemos ao Louvre e prestássemos homenagem através de quatro obras de arte principais a estas quatro civilizações. Mas não são só estas quatro. Por trás delas, no trabalho de detalhe há outros elementos decorativos da civilização. São quatro civilizações muito conhecidas da humanidade e que falam para o público", explica Sandrine Donguy, sentada a uma das mesas baixas junto ao bar do Hotel Crillon cujas janelas oferecem uma vista privilegiada sobre a movimentada Place de la Concorde.

E acrescenta enquanto sorve um gole de chá: "Mesmo se estamos a falar de produtos de exceção, é preciso que o nosso savoir-faire possa falar para um grande número de clientes. Para fazer sonhar."

E o que é que podemos esperar da colaboração entre duas casas cuja história remonta ao século XVIII? Sandrine Donguy garante que, de momento, nada está fixado, mas não exclui que a Vacheron Constantin e o Louvre continuem a trabalhar juntos. Fazer uma nova série Métiers d'Art inspirada noutras civilizações e obras de arte é que lhe parece menos provável. "Continuarmos com novas séries pode ser difícil porque quando já percorremos um caminho, queremos sempre fazer melhor. Agora procuramos explorar outros universos. Através de produtos, mas não necessariamente na expressão de civilizações antigas", vai explicando. Claro que "o Louvre é um território cultural imenso no qual podemos encontrar outras ideias. É nisso que estamos a trabalhar. Não digo que não, nem que sim."

Inovação vs tradição

Numa marca como a Vacheron Constantin, a mais antiga relojoeira do mundo em laboração contínua, encontrar o equilíbrio certo entre inovação e tradição é um desafio. Sandrine Donguy que o diga.

"O nosso trabalho enquanto contribuintes para perpetuar a herança da casa é encontrar o tom certo para fazer viver a tradição através de um património histórico, produtos icónicos, com um design reconhecível. Mas encontrar o toque inovador. E não tem de ser em torno do produto. Pode ser na experiência na boutique", afirma.

E aproveita para contar como na Vacheron Constantin foram "os primeiros a introduzir a blockchain, com o certificado de autenticidade digital, que desde o início do ano vem com todos os nossos relógios". "Claro que a base do nosso trabalho é a alta relojoaria e vamos inovar. Mas podemos inovar à volta também", diz.

A diretora de Inovação não perde a oportunidade para explicar o que a palavra significa para a marca para a qual trabalha desde 2018. "A inovação para nós divide-se em quatro blocos: inovação do produto - a procura de novos calibres e o combinar de novas complicações; os novos materiais, materiais preciosos e toda a dimensão da sustentabilidade, que hoje preocupa os nosso clientes, sobretudo os mais jovens; a inovação no packaging dos produtos; e os métiers d'art", avança.

Filial do grupo Richemont, também ele suíço, desde 1996, a Vacheron Constantin emprega cerca de 1200 pessoas, a maior parte nas fábricas situadas no cantão de Genebra e no vale do Joux. Os seus relógios já adornaram os pulsos de muitos famosos dos mais variados quadrantes - da Rainha Isabel II ao Papa Pio XI, de Napoleão Bonaparte a Marlon Brando e de John D. Rockefeller a Harry Truman.

"A maior parte dos nossos clientes dá muita importância à exigência, à excelência do que trazemos. Controlamos ao mesmo tempo o alto artesanato e a alta manufatura. Mas sempre com o twist certo, mantendo-nos modernos e dando resposta ao que o cliente procura", garante Sandrine Donguy.

Quanto ao futuro, a diretora de Marketing de Produto e Inovação levanta uma pontinha do véu. Depois de, em 2015, a Vacheron Constantin ter feito história com o 57260, o relógio de bolso mais complicado do mundo - são 57 complicações -, a marca está agora a trabalhar numa versão de pulso. "O 57260 foi um belo achievement para a casa. Mas era uma peça grande em termos de dimensão. O desafio agora é criar um relógio muito complexo, com uma combinação de funções, mas de pulso.". Os clientes aguardam.

helena.r.tecedeiro@dn.pt

O DN viajou a convite da Vacheron Constantin

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