Executivos investem milhares para evitar burnout
D.R.

Executivos investem milhares para evitar burnout

Desde 2022 que a OMS incluiu na lista de doenças aquilo que também designamos por esgotamento provocado pelo contexto laboral. EUA e Brasil lideram a lista de quem reporta sofrer desta condição.
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Esgotamento físico e mental, sensação de cansaço constante, redução da eficácia em termos laborais, mudanças de humor, alterações de apetitee de batimentos cardíacos, insónias, isolamento social, tensão alta, lapsos de memória... tudo isto faz parte da lista de sintomas que podem ser experienciados por quem está em burnout ou num estado de esgotamento profissional, em tradução livre.

Dados divulgados recentemente pela revista Forbes revelam que 66% dos trabalhadores americanos já sofreram ou estão a sofrer um burnout. No Brasil, os números estavam acima dos 30%, no ano passado.

Em Portugal, os dados são ainda incipientes, mas o STADA Health Report de 2022 dava conta de que mais de metade dos portugueses afirmava já ter sofrido ou estar perto de sofrer um esgotamento laboral.

Apesar de a conversa sobre o assunto ser relativamente recente, a verdade é que o assunto é antigo. No entanto, tem ganhado dimensão sobretudo nos últimos anos graças às significativas alterações vividas na nossa forma de trabalhar. Recentemente, em entrevista ao DN, Conceição Espada, especialista em gestão de stress para executivos, alertava para o facto de que “a nova forma de ter reuniões”, ou seja, digitais, estava a “elevar significativamente os níveis de stress, porque as pessoas não têm tempo sequer para digerir o que foi tratado antes de entrarem noutra reunião”. As pequenas pausas para beber uma água, mudar de sala ou, simplesmente, ir à casa de banho, desapareceram, o que tem efeitos nocivos no nosso nível de ansiedade. Na mesma ocasião, a especialista alertava para o facto de, muitas pessoas não ouvirem o seu próprio ritmo – e cada um tem o seu – o que faz com que muitas vezes estejam em níveis muito elevados de esforço físico e intelectual para responder às solicitações laborais. Que também se alteraram profundamente graças à tecnologia e aos telemóveis, que permitem que todas as horas sejam de trabalho.

Simples regras como definir horários para estar sem acesso a comunicações, fazer refeições regradas, dormir as horas necessárias e fazer exercícios que ajudem a enfrentar situações de tensão, podem fazer muita diferença no dia-a-dia.

No entanto, para quem ocupa cargos de muita responsabilidade – como os diretores-gerais de empresas, empresários e afins – têm aparecido outras alternativas que funcionam como uma espécie de momentos de imersão e desintoxicação total durante uns dias, para que depois consigam continuar a enfrentar a pressão do dia-a-dia. Momentos que se têm transformado em autênticas minas de ouro para quem as dinamiza.

Um dos espaços mais antigos - e conceituados - a trabalhar nesta área é a SHA Wellness Clinic, um negócio familiar que abriu portas em 2008, perto de Alicante, em Espanha. A ideia surgiu da cabeça – e do bolso – de Alfredo Bataller Parietti, um promotor imobiliário que, depois de anos a lutar contra um cancro, conseguiu melhorias significativas graças a uma abordagem holística do médico que o acompanhava, com especial foco na alimentação e em algumas práticas de bem estar. Não é, como não era então, novidade, que os bons hábitos podem prevenir muitas doenças, como a obesidade – que, por sua vez, é causadora de outras maleitas como diabetes, hipertensão ou doenças cardiovasculares, entre outras. E foi precisamente aí que a família Parietti decidiu investir. Medicina de última geração, a funcionar lado-a-lado com medicinas alternativas, várias terapias de bem-estar e uma alimentação totalmente desenhada para limpar o corpo de ingredientes nocivos à saúde.

Para executivos, foi desenhado um programa específico que pode ir dos 5 aos 15 dias, que inclui, para além do planeamento normal, sessões de coaching, neurotecnologia, consultas com endocrinologistas...A ideia é que os executivos saiam desta experiência não apenas mais saudáveis, mas com ferramentas para levarem para a “vida real”.

No ano passado, durante 5 dias, estive na SHA Wellness Clinic, a experimentar parte dos tratamentos que disponibilizam aos clientes – maioritariamente vindos dos EUA, dos Emirados Árabes e de Espanha – e, especificamente, alguns dos que constam dos programas de executivos. Objetivo? Tentar perceber como, numa semana, alguém pode mudar de vida. Se é que pode.

Programa hiper-disciplinado

A primeira parte do programa tem, desde logo, um problema – para mim. Desde a Covid que a SHA tenta reduzir a utilização de papel, pelo que toda a programação é agora digital, e tem de ser acedida através de uma aplicação, o que obriga a que tenhamos sempre um telefone com internet à mão – para um programa que se quer de redução de stress, não me parece boa ideia, mas seguimos. O primeiro passo, depois do check-in no quarto (não é possível fazer os programas a menos que fique alojado no hotel), é fazer uma bateria de exames, desde eletrocardiogramas a medição de gordura corporal, passando por testes neurológicos, níveis de stress e força muscular. Também são feitos exames mais alternativos, como a medição de meridianos – a verificação de eventuais bloqueios nos pontos energéticos que os orientais acreditam estar ligados aos nossos orgãos vitais.

Depois, uma consulta com um médico de clínica geral, que tem acesso a todos os resultados, e outra com um nutricionista – durante todos os dias, a ementa está pre-definida, por indicação deste último. Há três menus disponíveis, que respondem às principais necessidades de cada cliente, e o nutricionista envia diretamente para o restaurante qual deve ser servido a que cliente. É certo que pode haver alterações, mas é altamente recomendado que não sejam feitas. Aqui não há qualquer produto processado, carne, pão, café, laticínios ou ovos. E, surpreendentemente, a comida é não só ótima como em quantidade. E até há sobremesa para todos os menus.

Depois destas duas consultas, é feita uma agenda para os dias seguintes: exercício físico de manhã, pequeno-almoço, terapêuticas que podem ir de massagens a ozonoterapia, consultas com psicólogos, sessões de coaching ou banhos gelados – sim, entrei numa banheira de cubos de gelo, com água a 4 graus e consegui lá estar os 5 minutos permitidos. Foi preciso muita força de vontade – garanti que estava enjoadíssima e tentei escapar-me de todas as formas – e um trabalho irrepreensível do terapeuta que me acompanhou, mas foi possivelmente das experiências mais transformadoras daqueles dias. E garantem-me que baixou significativamente os níveis de stress mental que, quando cheguei, estavam nuns assustadores 98%. Que é como quem diz, à beira de um esgotamento.

Depois de 12h de enxaquecas e de enjoos – pedi à médica que me permitsse pelo menos um café por dia - os dias seguintes foram mais tranquilos mas, claramente, demasiado cheios para um programa que se quer de reset mental. Sobretudo após as sessões de psicoterapia e de coaching, seria importante ter tempo para descansar e assimilar as aprendizagens, ao invés de ir a correr para outra sessão de algo.

Ali, o uniforme é o roupão turco, que toda a gente enverga seja para ir de uma sala de terapia para outra, seja para estar na sala de refeições – onde falar ao telefone é absolutamente proibido. Cruzam-se, nos corredores e salas de espera da SHA, jovens casais vindos de países árabes; empresários norte-americanos, muitos dos quais são repetentes e jovens executivos vindos um pouco de todo o mundo (recordo uma que se passeava com a sua assistente atrás, o que talvez fosse um pouco contraditório tendo em conta que era suposto estar ali para descansar).

Fiz testes neurológicos, estimulações neurológicas, terapias mais ou menos invasivas, yoga, treinos funcionais e de força, pintei mandalas, encontrei-me com psicólogos, passeei pela imediações, preenchi o caderno que me deram à chegada e comi tudo o que me puseram no prato – exceto numa das refeições, em que convenci uma colega de mesa a trocar o meu tofu pelo seu peixe. E também rejeitei as taças de vegetais ao pequeno-almoço, que começaca invariavelmente com uma sopa miso - nunca gostei tanto de regressar às torradas com manteiga e ao leite com café, como quando regressei dessa viagem.

Um programa semelhante ao que fiz custa, segundo a tabela atualizada da SHA Wellness Clinic, qualquer coisa como 10 mil euros, já com o alojamento incluído.

Valores que podem facilmente disparar para mais do dobro, se for optando por alguns dos tratamentos que os clínicos vão sugerindo e que se adequam aquilo que são os seus sintomas ou os resultados dos exames médicos. E, apesar dos preços, certo é que há histórias de empresários e gestores que há vários anos passam mais de uma semana neste espaço, que entretanto se foi desenvolvendo e oferece também programas especialmente desenhados para quem quer “apenas” reequilibrar-se, envelhecer de uma forma saudável ou perder peso.

Para os terapeutas que trabalham na SHA Wellness Clinic, a diversidade de público – desde executivos de empresas multinacionais a desportistas de alta competição, como Cristiano Ronaldo – é uma das mais valias destea espécie de paraíso para quem tem no elevado nível de desempenho a sua tarefa maior.

Os altos executivos – o programa chama-se 'Leader Performance' – são também o público-alvo nas duas novas unidades que, entretanto, a família Parietti anunciou: a do México, perto de Cancun, abriu portas no final do ano passado e para 2026 está previsto um centro nos Emirados Árabes Unidos. O centro de bem-estar, que tem sido considerado o “Melhor resort de bem-estar do mundo”, está agora nas mãos de Alejandro Bataller, filho do fundador da marca, entretanto falecido.

Pode não ser a forma mais económica de evitar um esgotamento laboral, mas é certamente um caminho para ter uma vida mais equilibrada, assim consigam replicar no seu dia-a-dia aquilo que é trabalhado no SHA Wellness Clinic. No entanto, mais do que parar apenas uma vez por ano, recorda Conceição Espada, o que previne efetivamente o burnout é a consciência e a disciplina diárias para evitar que corpo e mente entrem em desequilíbrio. Isso não quer dizer que não possa haver excessos e erros, mas que é preciso estar atentos aos sinais de alarme.

Até porque este tipo de programas não está acessível à larga maioria dos trabalhadores, naturalmente.

Fazer uma lista das atividades ou tarefas a que gostaríamos de dedicar tempo, diariamente, e ir avaliando o nosso desempenho ao longo das semanas pode ser uma boa forma de começar a corrigir desequilíbrios, recorda ainda a especialista.

Não sei o que fazem os executivos quando saem da SHA Wellness Clinic, mas eu sei o que fiz, na ocasião, e das ferramentas de que me lembro ainda hoje e que têm sido úteis à sobrevivência diária. E o que é certo é que, numa altura em que cada vez mais a saúde mental é um tema a preservar - e bem - projetos como este têm tudo para continuar a crescer, sobretudo junto das gerações mais novas, que ocupam funções de responsabilidade e que são pagos em conformidade.

*A jornalista viajou a convite da SHA Wellness Clinic

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