"Sistema científico é uma das maiores conquistas da sociedade portuguesa no pós-25 de Abril"

Primeiro estudo sobre 30 anos de ciência e tecnologia em Portugal mostra "um crescimento notável" do setor, que hoje, apesar de ter de ainda crescer em qualidade, está a par da média dos restantes países europeus
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Foram três décadas evolução, em que se cresceu em todos os indicadores: no número de investigadores e de centros de investigação, entre universidades, institutos politécnicos e laboratórios a eles associados, em infraestruturas e equipamentos e, sobretudo, na própria produção científica. Esta é a principal conclusão do estudo "A Evolução da Ciência em Portugal (1987-2016)", que foi coordenado pelo biólogo Nuno Ferrand, do CIBIO, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, da Universidade do Porto, e promovido pela Fundação Fundação Francisco Manuel dos Santos.

O estudo, "o primeiro que colige e analisa dados de três décadas de evolução do sistema científico nacional", como explica Nuno Ferrand ao DN, é apresentado hoje na Universidade de Aveiro, na conferência "A atitude científica: o que é ciência e o que não é?", e de acordo com o seu coordenado, "levanta muitas questões, e é um ponto de partida para o debate sobre a realidade da ciência no país, e também para outras análises mais aprofundadas".

Os dados do estudo mostram que as últimas três décadas foram de crescimento do setor científico nacional em todos os parâmetros, desde recursos humanos a infraestruturas e equipamentos, o que coloca hoje Portugal a par dos seus parceiros europeus, mas revelam também que apesar desta convergência com a UE a 28, ainda há pontos a limar. O principal é o da qualidade e o do impacto da ciência que é produzida no país, o que é medido através do número de citações dos artigos científicos publicados. Esse número ainda está aquém dos níveis atingidos pelos países líderes em termos internacionais.

Outro dado que aponta no mesmo sentido é o das colaborações científicas internacionais. Em 30 anos, a comunidade científica portuguesa disparou e cresceu exponencialmente e, com isso, estabeleceram-se também redes de colaboração nacionais e internacionais, e foi nesta última que as coisas andaram mais lentas, como mostra o número de artigos publicados em colaboração com parceiros internacionais.

Hoje cerca de metade das publicações científicas são feitas com um ou mais parceiros internacionais, o que fica aquém da média nos países europeus mais fortes, que é de 60%.

"Aí estamos a convergir mais devagar e nossa interpretação é que isso é natural, uma vez que estes 30 anos foram para construir este edifício que é o setor científico nacional. Não sei se era possível melhor em 30 anos. Há questões como a do emprego científico ou o facto de tecido empresarial e industrial não absorver os doutorados, mas olho de forma pessimista para isso ", sublinha Nuno Ferrand.

O percurso andado em apenas três décadas é, afinal, a melhor ilustração do que acabou por ser conseguido em Portugal nesta área.

Um dado que reflete isso mesmo é, por exemplo, o número de artigos publicados anualmente pela comunidade científica portuguesa. De umas escassas centenas em 1987, passou-se para uns atuais 20 mil, o que "é crescimento extraordinário", sublinha o coordenador do estudo, para quem não restam dúvidas de que "o sistema científico é uma das maiores conquistas da sociedade portuguesa no pós-25 de Abril".

Ciência deixou de significar só Lisboa

A escolha de 1987 como ano de partida para a análise desta evolução não foi feita ao acaso. Pelo contrário, essa é uma data-chave, por estar associada a um momento marcante para a própria ciência no país.

Foi nesse ano que o antigo ministro da Ciência dos governos de António Guterres e José Sócrates, Mariano Gago (falecido em 2015), que em 1987 era o presidente da antiga Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), que deu origem à atual Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), lançou as Jornadas Nacionais de Investigação Científica e Tecnológica, para debater o futuro da ciência. Foi o resultado desse debate alargado que deu depois origem ao Programa Mobilizador de Ciência e Tecnologia, que serviu para apoiar projetos de investigação. "!987 marca esse novo rumo para a ciência em Portugal", sublinha Nuno Ferrand.

Há três décadas, além de não se produzirem mais do que umas escassas centenas de artigos científicos no país, isso acontecia sobretudo em Lisboa e "a rede de colaborações nacionais era muito débil". Três décadas depois o panorama está completamente mudado, "com uma rede de colaborações muito sólidas a nível nacional e com a evolução de um sistema científico que era unipolar, centrado apenas em Lisboa, para um que é agora tripolar, passando a integra também o Norte e o Centro do país".

Na prática, Porto e Coimbra, que não estão exatamente ainda em pé de igualdade com Lisboa, que se mantém na frente em termos de concentração de recursos humanos, por exemplo, mas que se tornaram dois polos efetivos do sistema científico nacional. Nuno Ferrand não tem dúvidas, isso "é um sinal de que se desenvolveram políticas públicas que permitiram quebrar essa unipolaridade".

Em contrapartida, existe uma assimetria entre as regiões de Lisboa, Porto e Coimbra, por um lado, e as regiões do Alentejo, Algarve, Madeira e Açores, por outros. Estas últimas são mais frágeis a este nível, o que significa que o sistema científico se consolidou, sim, mas não à mesma velocidade em todo o país.

A par da avaliação do setor científico como um todo, uma parte da equipa, coordenada por Ester Serrão, professora e investigadora da Universidade do Algarve, analisou em mais detalhe o domínio das ciências marinhas no país, e conclui que Portugal fez uma especialização significativa nesta área, sendo um dos países europeus que mais publica nesta área, com a Universidade dos Açores e a do Algarve a liderar em número de publicações.

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