Querida COP25, os jovens querem mudar o mundo

"Chamo-me Eva e tenho 7 anos. Estou a escrever, porque me importo com os animais em extinção". O mural da Cimeira do Clima está cheio de mensagens como esta. Os mais novos estão preocupados, querem mudar o mundo e não se ficam pelos protestos.
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Em 18 países da América Latina, um grupo de adolescentes uniu-se para se fazer ouvir: querem um futuro sustentável. Catarina Silva é do Chile. Guillermo Passeggi nasceu e vive no Uruguai. María Esperanza mora no Equador. Têm todos 18 anos e conheceram-se na Europa, em Madrid, durante a Conferência das Partes sobre as Alterações Climáticas das Nações Unidas (COP25). Pelo menos, presencialmente, porque na verdade já sabiam tudo uns sobre os outros. Estão unidos por uma rede de adolescentes da América latina (concausa), que pretende dar voz aos mais novos com ideias sobre desenvolvimento sustentável, para aplicar nas suas comunidades.

São mais de 2500 e estão espalhados por 18 países. As fronteiras esbatem-se com um aparelho digital, é assim que pensam e trabalham em conjunto. São uma geração de causas, dizem. Vêm de realidades diferentes, mas querem de igual modo ser ouvidos, participar, ser atores sociais. Não são um grupo com orientações políticas, são um movimento social. "A América latina é um continente muito pobre, com muitas desigualdades e tem democracias pouco participativas. As pessoas são mais dadas ao consentimento e nós queremos mudar isso", diz Guillermo Passsegui. As suas palavras atingem Catarina. Veio do Chile, onde deveria ter sido a COP25, o que não aconteceu por falta de segurança. As autoridades não conseguiram garantir a organização do evento mundial no país, por causa da onda de protestos civis, que começou com um grupo de estudantes a defender a gratuitidade dos transportes públicos e entretanto alastrou-se.

"Eu amo o meu país. Amo. Amo", repete Catarina. A estudante de Biologia - que tem origens portuguesas - quer ser cientista, mas não consegue pensar em deixar o país onde nasceu, quer ter oportunidades ali. Juntou-se aos outros jovens para dar o seu contributo na luta contra as alterações climáticas e contra a pobreza. "Somos uma geração de causas", reclama. Limpam florestas, praias, ruas, falam com os ainda mais novos do que eles para explicar o que está acontecer ao ambiente. María Esperanza de la Cruz criou uma assembleia jovem na cidade de Santa Helena (Equador) para desenvolver mais iniciativas e ouvir as ideias de todos. Guillermo fundou uma organização não-governamental, aos 17 anos, com o mesmo objetivo. "Trabalhamos para aumentar a participação dos jovens, porque queremos estar envolvidos. Este assunto diz-nos respeito", afirma.

"Ouvimos as minorias, porque os pequenos problemas são a base de tudo. Contam-nos muitas histórias, desde a criança que diz não poder ir à escola, porque não tem água, à família que teve de se mudar, pois perdeu tudo o que cultivava por causa das alterações climáticas. Nenhum de nós fazia ideia do que se estava a passar nos outros países, agora sabemos", continua María. Recentemente, lançaram uma campanha ambientalista ("1000 ações pelas alterações climáticas"), que tem como objetivo por em prática pequenos gestos que ajudem a cumprir a agenda 20/30 da Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável. "Houve um dia em que conseguimos, entre todos os países, fazer 160 ações. Foi um dia mágico", recorda Catarina.

Greves climáticas em 223 países

No último ano, e um pouco por todo o mundo, os jovens têm-se juntado para exigir justiça climática aos seus representantes. Tudo começou com a adolescente sueca Greta Thunberg, de 16 anos, uma ativista na luta contra as alterações climáticas, que desafia políticos de todo o mundo. Mas tornou-se um movimento global: desde agosto realizaram-se 63 mil greves climáticas, em 223 países, de acordo com informação disponível no site do FridayForFuture. A iniciativa sugere aos estudantes fazerem greve no último dia útil da semana como forma de denunciar a inércia dos políticos perante as alterações climáticas. Em Portugal, já aconteceram quatro paralisações em nome do clima, a última a 29 de novembro. E prometem continuar, até vencerem, até serem ouvidos.

"Porque é que os jovens não estão representados na mesa das negociações sobre as alterações climáticas? Nós somos os principais interessados no nosso futuro e temos ideias, mas as portas estão fechadas", observa Guillermo a partir da "zona verde" da COP25, dedicada às atividades da sociedade civil. A "zona azul", onde decorrem os encontros e as reuniões oficiais entre os representantes de mais de 190 nações, está-lhe vedada. Tal como à maioria dos jovens que vão passando pela cimeira, uns com os pais, outros com os amigos e outros ainda acompanhados pelos colegas de escola e pelos professores.

"Nesta zona [verde] estão pessoas muito diferentes. Encontrei-me com crianças da primária, do básico, do secundário e jovens universitários", conta, aos jornalistas, a ministra da Transição Ecológica espanhola, Teresa Ribera Rodriguez. "Isso significa a capacidade, tão diversa, que temos para atuar", conclui.

Catarina, Guillermo e María não se cruzaram com a ministra, não lhe puderam apresentar as suas ideias, mas a responsável pela pasta da Transição Ecológica não deixa o lado extravagante da cimeira sem saber o que os mais novos pensam. Estes têm deixado as suas ambições, ideias, comentários num mural com o nome "Querida COP25".

É lá que está expressa a preocupação de Eva: "Querida COP25, chamo-me Eva e tenho sete anos. Estou a escrever porque me importo com os animais em vias de extinção. Um beijo". "Se acham que as crianças não sabem o que se está a passar, estão enganados", remata um anónimo, com caligrafia de quem ainda está a aprender a desenhar as letras.

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