Portugal propõe à ESA uma nova constelação de satélites para observação dos oceanos
A conferência ministerial da ESA, a agência espacial europeia, que arranca nesta quarta-feira em Sevilha, presidida por Portugal e pela França, tem uma agenda cheia. Um dos objetivos centrais é definir o orçamento da organização espacial europeia para os próximos cinco anos, bem como as missões em que a ESA vai apostar no mesmo período e a mais longo prazo. Mas o debate também vai passar, desta vez, por novas questões essenciais.
Uma delas é de uma melhor articulação entre os fundos da organização, que resultam das contribuições dos seus Estados membros, e os financiamentos da União Europeia para o setor do espaço. A outra é a necessidade de encontrar novos mecanismos de política industrial, que melhor se adaptem ao setor, hoje mais vasto, mais transversal e mais flexível do que era nos anos de 1970, quando a ESA foi criada.
Portugal, que neste ano preside à conferência a par da França, leva também para os trabalhos a sua estratégia, que passa pelo reforço da sua contribuição financeira em cerca de 10%, de 18 milhões para 20 milhões de euros anuais, pela instalação de um pequeno porto espacial europeu nos Açores e pela proposta de criação de uma nova constelação de satélites para a observação dos oceanos. No caso, o Atlântico, o mar do Norte, o Mediterrâneo e o Báltico
Desta vez, para além da subscrição dos programas científicos obrigatórios da ESA, para os quais todos os Estados membros têm de contribuir, Portugal vai colocar também as suas fichas nos programas da organização para a observação da Terra, telecomunicações, transporte espacial e segurança do espaço (relacionado com o lixo espacial), todos eles essenciais à aposta no porto espacial dos Açores e na nova constelação de satélites. Com isso o governo espera criar no país, na próxima década, cerca de mil novos empregos qualificados no setor do espaço.
Em relação ao orçamento da organização para os próximos anos - definido nestas conferências ministeriais, realizadas de três em três anos -, "não se espera um grande aumento", admite o ministro da Ciência, Manuel Heitor, que preside, juntamente com a sua homóloga francesa, Frédérique Vidal, à conferência em Sevilha. "O orçamento da ESA para o período de 2020 a 2024 deverá ficar em cerca de 14 biliões de euros", adianta, sublinhando que mais importante vai ser investir "numa melhor articulação das verbas" da ESA e da UE para o setor.
"A forma como a ESA usa o seu orçamento está muito pouco articulada com os financiamentos europeus, mas como vai ser lançado em 2021 o programa europeu para a o espaço, como o próprio Horizonte Europa [programa-quadro europeu para a ciência, tecnologia e inovação] tem várias linhas de investigação no espaço e como há fundos estruturais que podem ser usados para o espaço, é preciso articular esses diferentes financiamentos para melhor desenvolver o setor espacial, que hoje representa oportunidades para o desenvolvimento económico em toda a Europa", diz Manuel Heitor.
Outra "questão crítica", que vai estar em cima da mesa em Sevilha, é a da política industrial da organização, que vem do tempo em que foi criada, em 1975, e que assenta num único mecanismo: os Estados membros fazem as respetivas contribuições financeiras e a ESA faz com isso a contratação das empresas para o desenvolvimento das missões aprovadas - é de regra que o valor dos contratos com as empresas de um determinado país tem de ser pelo menos idêntico ao da respetiva contribuição.
Para Manuel Heitor, este panorama deve diversificar-se. "As aplicações do espaço mudaram radicalmente e áreas como a exploração espacial, a observação da Terra ou as telecomunicações são muito diversas, e isso exige a reformulação do ponto de vista industrial dos próprios mecanismos de funcionamento da ESA", afirma. E sublinha: "O papel do Estado também mudou. Antes, o espaço era sobretudo o dos mercados institucionais e a ESA ocupou muito bem esse lugar, mas hoje há uma diversificação e uma tendência para novos mercados comerciais, com pequenas novas empresas a surgir, e a ESA tem de se modernizar neste contexto, que é diferente, para uma política industrial mais adequada aos novos tempos. Aceitei assumir nesta conferência estas duas principais questões."
Nesse sentido, Manuel Heitor leva a Sevilha uma proposta concreta que passa por agilizar os debates e tornar anuais os encontros ministeriais para a tomada de decisões. A começar já no próximo ano. "Vou propor em Sevilha uma nova conferência ministerial a realizar em Lisboa até final de junho do próximo ano, na qual o diretor-geral da ESA [o alemão Jan Wörner] poderá apresentar a nova proposta de articulação" de financiamentos da ESA com a União Europeia.
Portugal é membro da ESA desde 2000, mas esta é a primeira conferência ministerial em que participa já com uma agência espacial, a Portugal Espaço, criada em março deste ano para promover o desenvolvimento do setor nacional do espaço, dinamizando a criação de programas, de novas empresas e de mais emprego qualificado nesta área.
A aposta na criação de um pequeno porto espacial em Santa Maria, nos Açores, e a proposta de criação de uma nova constelação de satélites para observação dos oceanos inserem-se na estratégia do governo de investimento no setor, que pretende multiplicar por dez a faturação com este setor em 2030, dos atuais 40 a 50 milhões de euros para pelo menos 500 milhões de euros.
Para isso, Portugal pretende investir na ESA, entre 2020 e 2030, um total de 250 milhões de euros, verba com a qual pretende alavancar um investimento global de 2500 milhões de euros, incluindo fundos europeus e privados.
"Hoje há uma nova oportunidade científica e económica para constelações de pequenos satélites que podem ser lançados por pequenos lançadores e isto é uma oportunidade única para Portugal", resume o ministro Manuel Heitor. "Por isso temos esta proposta, que levarei a Sevilha, para criar um pequeno porto espacial, que não compete com o grande porto espacial de Kourou [na Guiana Francesa], mas que o complementa. Kourou lança grandes cargas, de muitas toneladas, e nós estamos a falar em Santa Maria de um porto espacial europeu para pequenos lançadores, abaixo de 500 quilos de capacidade." O espaço, conclui, "já não é só o sonho de chegar à Lua, é também a nossa economia real".