Futuro dos professores vai ser discutido pela última vez nesta legislatura. Saiba o que se passa

Bloco de Esquerda, PCP e PSD apresentam esta terça-feira no parlamento propostas de apreciação do decreto do Executivo que pretende devolver aos professores dois anos, nove meses e 18 dias, ao contrário dos nove anos, quatro meses e dois dias exigidos pelos sindicatos.
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Os professores depositam na Assembleia da República a esperança de ver resolvida nesta legislatura a recuperação integral do tempo de serviço, mas o parlamento poderá apenas obrigar a um terceiro processo negocial entre sindicatos e Governo. Depois de falhadas todas as negociações, que começaram no final de 2017 e se prolongaram por mais de um ano, os sindicatos de professores olham agora para o parlamento como a última via para uma solução que vá ao encontro do que exigem: a recuperação de nove anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço congelado.

Com a promulgação pelo Presidente da República do diploma do Governo - que unilateralmente define a recuperação de apenas dois anos, nove meses e 18 dias -, PCP e Bloco de Esquerda foram os primeiros a anunciar a apreciação parlamentar para tentar que todo o tempo seja contabilizado.

Para que isso seja possível, estes partidos terão que contar com o apoio do PSD para garantir uma maioria parlamentar, uma vez que o PS não se tem mostrado disponível para contrariar o entendimento do Governo.

Na sexta-feira, PSD e Bloco de Esquerda apresentaram as suas propostas de apreciação parlamentar ao decreto do Governo, que se juntam à do PCP, tornada pública no final de março.

O PSD foi o partido que apresentou a proposta menos detalhada, sem se comprometer com calendários ou modelos de recuperação, mas que defende a contagem integral dos nove anos, quatro meses e dois dias de tempo congelado, e a contabilização imediata, em 2019, dos dois anos, nove meses e 18 dias que o Governo está disponível para contar.

Os "termos e modo" da recuperação do tempo remanescente ficam pendentes da situação económica do país, da disponibilidade orçamental e de futuras negociações com o Governo, dando expressão ao que o líder social-democrata, Rui Rio, já tinha defendido publicamente, ao afirmar que o parlamento não se pode substituir ao Governo e que qualquer solução tem que ser negociada entre sindicatos e executivo.

Também o CDS-PP, que optou por não apresentar nenhuma iniciativa em nome próprio para apreciação parlamentar do decreto em vigor, defende novas negociações em 2020, tendo sempre em conta as limitações orçamentais.

Ainda na sexta-feira, o Bloco de Esquerda tornou pública a sua proposta de apreciação parlamentar, com a qual diz querer "resolver a trapalhada" do Governo em relação aos professores, propondo a contagem integral do tempo de serviço, faseada até 2025, deixando ainda a hipótese da conversão dos anos em antecipação da idade da reforma.

Já o PCP anunciou em março que vai propor a reposição de 2.384 dias do tempo de serviço congelado aos professores ao longo de seis anos, entre 2020 e 2025, ou seja, o tempo remanescente aos dois anos, nove meses e 18 dias, que totalizam 1.027 dias, que o Governo decidiu devolver.

Tal como o PSD e o BE, o PCP também pretende que a devolução de quase três anos aconteça para todos os professores já em 2019.

Os sindicatos têm lembrado que o diploma aprovado pelo Governo cria desigualdades entre os docentes do continente e das ilhas, que conseguiram ver recuperado todo o tempo de serviço congelado por decisão dos governos regionais com apoio dos partidos.

Perante as decisões tomadas nas regiões autónomas, os sindicatos têm pedido coerência aos deputados da AR no que for decidido para os docentes do continente.

Na sequência da divulgação das propostas do PSD e do BE, a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) reagiu com satisfação ao facto de os três grupos parlamentares que apresentaram propostas de alteração ao decreto do Governo estarem de acordo que o tempo a ser contado são os mais de nove anos reivindicados pelos docentes e permitirem eliminar as ultrapassagens entre professores.

Sobre a proposta do PSD que remete para nova negociação entre sindicatos e Governo, a Fenprof entende que "neste momento a Assembleia da República está legitimada para tomar essa decisão", não só porque há uma desigualdade entre professores do continente e professores das regiões autónomas da Madeira e dos Açores, mas também porque foram entregues propostas aos partidos pelos sindicatos, que os docentes "legitimaram" com uma petição com mais de 60 mil assinaturas e que se forem aprovadas pelos deputados não precisam de ser negociadas.

A Fenprof espera que "seja possível encontrar uma solução que vá tão longe quanto possível na reposição da justiça e na eliminação das ultrapassagens e demais discriminações" e que "toda a situação fique clarificada antes da suspensão dos trabalhos parlamentares, que terá lugar durante o período de campanha para as europeias", apelando para uma forte presença de professores na Assembleia da República na terça-feira.

Sem soluções aprovadas que garantam a contagem de todo o tempo de serviço, os professores já ameaçaram com mais greves que podem incidir no período de avaliações e exames e uma manifestação nacional na véspera das eleições legislativas.

Guerra dos professores: perguntas e respostas

Por que se abriram negociações específicas entre professores e Governo?
Com o Orçamento do Estado para 2018, a maioria dos trabalhadores da função pública viu contabilizado o tempo de serviço congelado desde 2011 com base na atribuição de um ponto por cada ano congelado. Um modelo simplificado que não se pode aplicar aos professores, que progridem na carreira com base em três aspetos cumulativos: o tempo de serviço, a avaliação qualitativa e o cumprimento legal da formação contínua exigida na carreira.
Os professores têm também, à semelhança de outras carreiras na função pública, um estatuto especial, sendo regulados por um diploma legal próprio.

A que entendimento chegaram professores e Governo em novembro de 2017?
Depois de uma maratona negocial com o Governo, cuja última reunião durou mais de 10 horas, os sindicatos saíram do encontro assumindo que não tinham conseguido chegar a acordo, mas tinham assinado uma "declaração de compromisso" para a recuperação do tempo de serviço.
Para os professores não havia dúvidas de que seriam recuperados nove anos, quatro meses e dois dias, ficando para 2018 as negociações para definir de que forma seria feita a recuperação.

Porque terminaram sem acordo as negociações?
Depois de um arranque em dezembro de 2017 na expectativa de ter apenas que negociar "o prazo e o modo" no que diz respeito à recuperação do tempo de serviço congelado, os sindicatos chegaram a junho de 2018 com o ministro da Educação a pôr fim às negociações, retirando, inclusivamente, de cima da mesa a proposta do Governo para contar dois anos, nove meses e 18 dias, que os sindicatos sempre se recusaram aceitar.
Entendem os professores que a contagem do tempo de serviço integral ficou estabelecida na própria declaração de compromisso de novembro, na lei do Orçamento do Estado para 2018 e numa resolução da Assembleia da República de janeiro de 2018, que mereceu a aprovação de todos os grupos parlamentares.
O ministro da Educação afirmou que sem acordo "ficava tudo na mesma", mas um dia depois, no debate quinzenal no parlamento, o primeiro-ministro, António Costa, desdisse o seu ministro e voltou a abrir a porta às negociações, referindo que, se os sindicatos estivessem disponíveis para voltar à mesa negocial, a proposta do executivo continuava em cima da mesa.
As negociações foram retomadas em setembro, mas voltariam a terminar sem acordo, já que nenhuma das partes cedeu e o Governo insistiu, na sua proposta de Orçamento do Estado para 2019, em manter o tempo de recuperação de serviço em dois anos, nove meses e 18 dias.

Com o PS isolado, o parlamento decidiu contrariar o Governo e inscreveu novamente no Orçamento do Estado uma norma semelhante à que constava no exercício anterior, determinando a negociação do prazo e do modo para a recuperação do tempo de serviço, tendo em conta a sustentabilidade dos recursos do Estado.
​​​​​​​Governo e docentes voltaram a sentar-se à mesa na semana passada para novas negociações, mas o executivo mais uma vez não cedeu e o Conselho de Ministros aprovou o diploma com a recuperação parcial do tempo de serviço, enviando-o de seguida para promulgação.

O que fez o Presidente da República?
Começou por vetar o primeiro diploma e devolveu-o ao executivo por entender que era preciso cumprir o Orçamento do Estado para 2019 que obrigava a que o diploma fosse "objeto de processo negocial".
Já este ano, o Governo agendou novas negociações com as estruturas sindicais dos professores e que terminaram em março sem acordo. O diploma de recuperação de dois anos, nove meses e 18 dias do tempo congelado entre 2011 e 2017 foi aprovado em Conselho de Ministros a sete de março e promulgado pelo Presidente a 11 de março. Marcelo Rebelo de Sousa justificou a decisão dizendo que assim garantia que os professores recuperavam pelo menos uma parte do tempo de serviço congelado em 2019.

O que fez a Assembleia da República?
​​​​​​​Depois de promulgado pelo Presidente da República, PSD, Bloco de Esquerda e PCP anunciaram a apreciação parlamentar do diploma para introduzir alterações que garantam as reivindicações dos professores. O CDS já disse que votaria favoravelmente na generalidade, defendendo uma nova negociação do tempo de serviço em 2020.

Quanto custa a contagem do tempo de serviço dos professores?
​​​​​​​O custo é um dos maiores pontos de discórdia entre Governo e sindicatos. Segundo o Governo, a recuperação de menos de três anos de tempo congelado tem um custo anual aproximado de 200 milhões a partir de 2021.

Que formas de luta têm agendadas os professores?​​​​​​​
Os professores ameaçam avançar com greves às aulas durante o 3.º período assim como às avaliações. Além disso, poderão realizar uma manifestação nacional a 5 de outubro, véspera das eleições legislativas, que coincide com o Dia Mundial do Professor, caso até lá não vejam as suas reivindicações cumpridas.

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