Paulo Sucena: "Admito que possa haver um secretário-geral da Fenprof que não seja do PCP"
A propósito do congresso da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), que decorre neste fim de semana e deverá reeleger Mário Nogueira para um quinto mandato sucessivo, o DN falou, na Feira do Livro de Lisboa, com o professor e poeta Paulo Sucena, um dos líderes históricos da organização sindical. Uma entrevista em que este recorda a história de uma das maiores estruturas profissionais do país, desde a criação dos primeiros grupos de estudo, ainda no Estado Novo, às grandes batalhas deste início de século. Fala ainda de conquistas e recuos, da ligação de todos os secretários-gerais ao PCP e da independência que garante nunca ter deixado de existir.
António Teodoro, o primeiro líder da Fenprof, foi um opositor do regime do Estado Novo, e vários outros fundadores dos sindicatos de professores tiveram esse percurso. Pode dizer-se que a Fenprof nasce logo com uma matriz de combate?
Diria que talvez seja mais correto dizer que os sindicatos é que nasceram do que ficou conhecido como os "grupos de estudo", que tiveram um papel muito importante na década de 1970 de resistência à ditadura. Foram a génese das primeiras associações de professores. E conseguiram as primeiras vitórias, como o pagamento dos doze meses do ano. Até 1969/70, os professores eventuais não ganhavam nas férias. Estavam dois meses e meio sem vencimento. Não foram todos: nesse primeiro ano só tiveram direito os professores colocados até dia 15 de outubro. Mas foi um marco importante.
Grupos de estudo esses que não foram propriamente bem recebidos pelo governo de então...
A associação de professores não foi legalizada, nunca o permitiram. E houve uma reação muito forte do governo aos grupos de estudo, com ameaças de detenção e até de expulsão da Função Pública de vários dos seus membros. Mas estão na origem do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa [SPGL] e também do Norte. A Norte, a determinada altura houve uma cisão, a Manuela Teixeira ficou no SPZN [hoje, afeto à FNE, da UGT], e foi criado o SPN. Mas são esses sindicatos que levam à criação da Fenprof.
O nascimento da Federação, em 1983, é decisivo para o peso negocial que os professores ganham?
A Fenprof é uma federação de sindicatos que sempre mantiveram a sua independência. E, como disse, foi o espaço onde se concentraram as experiências dos sindicatos criados logo a seguir ao 25 de Abril. O SPGL nasce a 2 de maio de 1974, o sindicato do Norte surge logo a seguir. A Fenprof no fundo reproduz a matriz desses sindicatos fundadores: reivindicativos, com forte presença nas escolas, de massas. Mas é verdade que a criação da Federação deu-lhes outra dimensão. Até porque, e isso foi muito importante, por delegação passou a Fenprof a negociar diretamente com o governo.
Fazendo um balanço destas mais de três décadas e meia de história da Fenprof, quais considera terem sido as grandes vitórias?
A gestão democrática das escolas, com alguns altos e baixos. Também a formação - ou melhor: a profissionalização dos professores. Em 1974 eram menos de 20% os professores dos quadros. Os outros eram todos eventuais ou precários. Durante a década de 1970, até ao princípios da década de 1980, a precariedade é muito atenuada. Quer no que então se chamava o ciclo preparatório, quer no secundário, mais de 50% passam a pertencer aos quadros. E a estabilidade profissional que essa condição traduz dá outra força aos professores que, por exemplo, passam a sindicalizar-se mais. Outra grande vitória foi a aprovação do Estatuto da Carreira Docente [ECD, em 1990], que era uma das reivindicações que vinham desde os grupos de estudo. Os professores licenciados podem subir ao topo da carreira, com um sublinhado muito importante: o topo da carreira dos professores passa a ser equiparado ao todo de outras carreiras da Administração Pública. Antes disso, um professor não podia aspirar a atingir os patamares dos licenciados de outras áreas.
Valorizou-se a profissão?
Valorizou-se a profissão. E não apenas através do ECD. Na altura houve outra grande preocupação no sentido de valorizar a imagem social do professor. Uma coisa que, nos últimos tempos, também se tem tornado necessário voltar a fazer, porque os professores têm sido muito maltratados.
Se tivesse de identificar os momentos mais difíceis, nos seus mandatos ou não, quais seriam?
Ainda no meu tempo um dos maiores choques foi com a ministra Maria de Lurdes Rodrigues. Saí [da liderança] no congresso de 2007 e ainda tive dois anos desse governo de José Sócrates. Foi um período difícil. O primeiro discurso que me chamou a atenção deveu-se ao próprio primeiro-ministro. Era um discurso que, onde havia juízos de valor, eram depreciativos. E quando não eram cheirava a retórica de todos os lados. Depois o que se viu: o congelamento das carreiras, que obviamente tem um efeito negativo, e a destruição das carreiras de toda a Administração Pública.
Há um fio condutor na história da Fenprof: todos os secretários-gerais até ao momento eram militantes do PCP. O professor pertenceu mesmo ao comité central do partido. Imagina um secretário-geral de outra força política?
Agora não sei. Julgo que o atual secretário-geral será reeleito. Mas admito perfeitamente que possa haver um secretário-geral que não seja do PCP. Temos que ter em mente que nos grupos de estudo, que deram origem aos sindicatos, havia uma presença forte de membros do PCP. E muitos deles deixaram marca nos sindicatos. O Teodoro, do PCP e líder do SPGL, foi um candidato natural ao cargo de secretário-geral quando a Fenprof foi criada. No meu caso, fui eleito em 1994 pelo secretariado nacional - devido à saída do António Teodoro - e depois, com uma grande maioria, pelos professores que participaram no congresso de 2002. Toda a gente sabia quer era membro do secretariado nacional do PCP. Não o escondia.
Mas há quem associe essas ligações partidárias a uma forte influência do PCP na Fenprof...
A Fenprof sempre teve gente de todos os partidos: do PCP, do PS, cheguei a formar listas com candidatos da UDP [partido de ideologia comunista, um dos que estiveram na origem do Bloco de Esquerda]. A maioria dos membros das direções da Fenprof eram independentes. Quanto aos que tinham ligação partidária, chegou a haver um membro do PSD na direção. Sempre houve a preocupação de não haver uma condução político-sindical marcadamente ideológica. A Fenprof nunca foi produtora de um sindicalismo corporativo. É certo que a sua estratégia era guiada para obter melhores condições socioeconómicas, de trabalho, nomeadamente dos professores, mas também numa perspetiva de justiça social, de melhoria da nossa sociedade como um todo. Não era centrada nas questões corporativas.
Os críticos costumam apontar à classe docente e aos seus sindicatos precisamente essa natureza corporativa...
Agora? Foram reivindicações extremamente importantes. Entendo que possam permitir leituras desse tipo mas estão em causa questões extremamente importantes, como o reconhecimento do tempo de serviço congelado. Se é desse tipo de reivindicações que estão a falar, pode dizer-se que há [corporativismo]. Mas há também noutros sindicatos - não importa agora referir quais -, mas esses sim patrocinados, com apoios, que só têm como objetivo a reivindicação que a própria classe lhes impõe. Ficam circunscritos a eles. Perdem a perspetiva, que a Fenprof não perdeu, de contribuir para o progresso e para a construção de uma sociedade mais justa em Portugal.
Ficou surpreendido com a decisão do PCP de não viabilizar as propostas da direita, que teriam levado ao reconhecimento do direito dos professores a todo o tempo de serviço congelado?
Não. Limito-me a ter de respeitar o que foi a intenção ab initio do PCP. Foi coerente com o que disse de início. Não vejo razão para que, depois, fosse atrás das posições do PSD e do CDS.
Caso seja reeleito, como tudo indica, Mário Nogueira cumprirá o quinto mandato consecutivo como secretário-geral da Fenprof. Deve haver um limite para que determinada pessoa ocupe estas funções? E acredita que ele próprio teria decidido afastar-se se não fossem as atuais circunstâncias?
Às vezes, as circunstâncias, não digo que obrigam mas levam a que o dirigente se mantenha. Aconteceu comigo. Estava disponível em 2014 para sair. Por pedido dos órgãos dirigentes acabei por ficar, com a combinação de sair em 2007. É natural que num momento difícil para o movimento sindical tenham decidido apoiar a recandidatura do Mário Nogueira, que ele próprio acabou por assumir. Diga-se que, apesar das contrariedades, esta luta que se está a travar não foi infrutífera: houve descongelamento e contagem do tempo de serviço.
Comparado consigo e com António Teodoro, Mário Nogueira é um dirigente mais belicista, talhado para estes combates?
Ele é um lutador cuja atividade se deve realçar. Ele não desiste, não cruza os braços. Isso não significa que o António Teodoro não fosse um negociador hábil e muito firme. Em relação a mim, não falo em causa própria. Mas o António Teodoro também nunca foi homem de aceitar consensos que poderiam desiludir os professores. Agora, é uma questão estilo, de temperamento.