Na véspera do apagão, poluição na Europa cai significativamente

A pandemia do coronavírus ameaça enevoar a Hora do Planeta este ano, mas, mesmo assim, espera-se que milhões de pessoas se unam este sábado ao apelo do WWF e apaguem as luzes durante uma hora. A ação é simbólica, mas pode ganhar força depois das imagens reveladas pela ESA.
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A Hora do Planeta, movimento iniciado há 13 anos pela organização não-governamental World Wide Fund for Nature (WWF), numa tomada de posição contra as alterações climáticas, volta a ser assinalado este sábado (28 de março), às 20:30 (hora de Portugal Continental) em todo o mundo. Porém, a edição deste ano vai realizar-se em formato digital, para que a população se mantenha em segurança em casa.

Em Portugal, a Associação Natureza Portugal (ANP), em conjunto com a WWF, cancelou o evento presencial que iria organizar em Gaia, convertendo-o num momento online. Paralelamente, convida todos os portugueses a mudarem um hábito menos sustentável e a indicar como se ligam ao Planeta através de um vídeo, com o mote #ligateaoplaneta. A associação compromete-se a divulgar os conteúdos no seu site e nas suas redes sociais.


Por cá, são mais de 100 os municípios aderentes. Os principais monumentos de Lisboa, como o Santuário do Cristo Rei ou a Ponte 25 de Abril, o mosteiro da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, o Aqueduto da Amoreira, em Elvas, o Castelo de Bragança, o Mosteiro de Arouca, a Praça da República, em Ovar, já confirmaram que vão aderir ao apagão simbólico.

Com o objetivo de enviar uma mensagem aos líderes mundiais - para que deem prioridade ao Ambiente nas suas agendas, pede-se que todos os lares, espaços públicos e instituições apaguem as luzes entre as 20:30 e 21:30. Veja o vídeo oficial aqui.

Poluição diminuí nos céus da Península Ibérica

A Hora do Planeta, apesar de simbólica, pode ganhar força depois das imagens reveladas esta sexta-feira (27 de março) pela ESA, a agência espacial europeia. Do espaço, percebe-se que bastaram dez dias para que a poluição diminuísse de forma significativa nos céus da Península Ibérica e do resto da Europa.

Imagens captadas pelo satélite europeu Copernicus Sentionel-5P permitem constatar que houve uma significativa redução da poluição atmosférica no Velho Continente, incluindo em Portugal.

A partir de medições feitas entre os dias 14 e 25 de março pelo satélite europeu, os cientistas Instituto Meteorológico Real da Holanda (KNMI,) trabalharam os dados para a Península Ibérica, França, Itália e Alemanha e compararam-nos com os da média mensal da poluição em 2019 para as mesmas regiões.

Nas imagens observa-se uma diminuição progressiva das concentrações de dióxido de azoto sobre várias cidades europeias, como Paris, Milão, Madrid ou Lisboa, além de várias regiões na Alemanha. As medições, conduzidas ao longo de 10 dias, incidiram sobre o dióxido de azoto e o número de dias não foi escolhido ao acaso, já que uma ou dois apenas não bastariam para tirar conclusões, explica o coordenador da equipa.

"As concentrações de dióxido de azoto variam de dia para dia devido a mudanças no clima. Não é possível tirar conclusões com base apenas num dia de dados", afirma Henk Eskes, do KNMI, citado num comunicado da ESA. E sublinha: "Ao combinar dados por um período específico de tempo, 10 dias neste caso, a variabilidade meteorológica é parcialmente média e começamos a ver o impacto das mudanças devido à atividade humana".

Face à situação criada pelo combate à pandemia, em que os países estão praticamente parados, com os cidadãos fechados em casa e apenas as atividades essenciais a decorrer, a equipa do Henk Eskes vai continuar a fazer este estudo de monitorização da poluição atmosférica.

À medida que a disseminação do coronavírus obriga a cada vez mais isolamento e distanciamento social, muitos de nós estão a tentar conectar-se com a Natureza, seja para fazer exercício físico ou para garantir bem-estar emocional. As varandas, terraços, jardins, parques, e até janelas, oferecem uma sensação de alívio ao confinamento. Este momento desafiante levanta algumas questões fundamentais a serem consideradas: Como é que a Humanidade chegou a este ponto? Temos assumido a Natureza - e a sua resiliência - como garantida?

Os bens fornecidos pela Natureza, dos quais dependemos, são estimados em 114 biliões de euros (125 biliões de dólares) por ano - o dobro do produto interno bruto (PIB) do mundo, afirmou o diretor-geral da WWF International, Marco Lambertini. "Sem estes recursos, os negócios e serviços dos quais dependemos entrarão em colapso. A Natureza é um dos nossos mais fortes aliados contra as alterações climáticas", acrescentou, no seu apelo à participação neste apagão.

Escolha verde, aja localmente

O movimento, que conta com o apoio do secretário-geral da ONU, António Guterres, promove a reciclagem, a reutilização, e um menor consumo, privilegiando os produtores locais. Os consumidores são incentivados a pressionar as empresas para que ajustem as suas políticas ambientais, para garantir, por exemplo, que a desflorestação seja evitada. O apelo para que cada um de nós lance iniciativas locais está entre as mensagens desta edição.

A par disso, está a circular a petição Voice for the Planet. Segundo o WWF, quantas mais pessoas aderirem, mais pressão se conseguirá junto dos líderes mundiais para priorizar a Natureza. As assinaturas serão apresentadas na Assembleia Geral das Nações Unidas.

O momento será assinalado em todo o mundo com vários encontros online, que serão transmitidos em streaming. O grupo também publicou uma série de dicas para aqueles que desejem aderirem, que incluem uma lista de alimentos "amigos do planeta" para jantar à luz de velas, acampar no jardim ou na sala de estar.

Promovido pelo WWF, ONG que trabalha no campo da preservação da Natureza e do Meio Ambiente, começou por ser um evento simbólico para apagar as luzes - Sidney foi a grande catalisadora desta iniciativa em 2007. Desde então, milhões de pessoas em todo o mundo apagam as luzes no último sábado de março para mostrar o seu apoio ao planeta.

De todos os movimentos globais, a Hora do Planeta destaca-se por ter tornado o aparentemente impossível uma realidade. Entre outros sucessos, a iniciativa conseguiu com que fosse implementada uma nova legislação para a proteção de florestas na Rússia, mobilizou apoio público para a criação de uma área marinha protegida de 3,5 milhões de hectares na Argentina, plantou 17 milhões de árvores no Cazaquistão e advogou a proibição do uso de plástico no Equador, segundo Gavin Edwards, coordenador global da WWF International.

2020: um ano crítico

As atividades humanas e, consequentemente, as alterações climáticas, estão a ter um impacto brutal e sem precedentes no meio natural. Um relatório divulgado em 2019 pela Plataforma Intergovernamental de Política de Ciência sobre Biodiversidade e Serviços do Ecossistema (IPBES, na sigla em inglês) refere que há um milhão de espécies em risco de extinção. E, avisam os cientistas, só uma rápida e abrangente transformação do sistema económico e financeiro nos poderá salvar do colapso dos ecossistemas. Uma realidade que exige uma ação global concertada para garantir um futuro sustentável para todos.

Os alertas já ecoam há muito tempo. Mas 2020 é um ano histórico. Os líderes mundiais vão estar reunidos de 9 a 20 de Novembro em Glasgow (Escócia), na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2020 (COP 26), para tomar decisões críticas para o ambiente, em nome de todos. Do encontro deverão sair deliberações que definirão a agenda em termos de políticas ambientais para a próxima década.

Coronavírus e alterações climáticas: quando duas crises colidem

O consumo de petróleo e carvão está a cair a pique e as emissões poluentes parecem estar a recuar temporariamente. Por cima dos países mais afetados, como a China e a Itália, os satélites confirmam mesmo níveis substancialmente mais baixos de poluição atmosférica. Ainda assim, não são boas notícias. Bruxelas garante que mantém o empenho em cumprir as metas do Green Deal, mas as preocupações ambientais foram destronadas do topo da lista de prioridades da UE, que à data é o epicentro da pandemia mundial de Covid-19.

A economia global caminha a passos largos para a recessão e os futuros planos para a sua recuperação certamente acarretarão uma nova subida nas emissões de gases poluentes. 2020 ameaça agora ficar para a História como o ano em que o surto generalizado de coronavírus tirou o tapete à luta contra as alterações climáticas.

Em fevereiro, no pico do surto na China, a procura de petróleo caiu 20% - cerca de três milhões de barris por dia. Juntos, EUA, Alemanha, França, Itália, Espanha, Reino Unido e Canadá consomem 31 milhões de barris de petróleo diariamente, o que poderá significar uma quebra na procura de seis milhões de barris a cada dia que passa.

Mas há previsões mais prudentes. No início de março, a Agência Internacional de Energia previu que em 2020 serão consumidos menos 90 000 barris de petróleo por dia em relação ao ano passado, não ultrapassando os 99,9 milhões de barris por dia.

Já de acordo com uma análise do portal Carbon Brief, o vírus levou a que nos primeiros meses do ano a produção de carvão na China tenha caído 29% e o consumo deste combustível fóssil nas fábricas chinesas tenha também caído 36%. Já a capacidade de refinar petróleo foi reduzida em 34%.

Coronavírus trava emissões, mas até quando?

Lauri Myllyvirta, investigador do Centro de Pesquisa para a Energia e Ar Limpo (CREA, na sigla em inglês), uma organização independente com sede nos EUA, concluiu que o encerramento forçado de fábricas e a redução de voos na China - a segunda maior economia do mundo - para conter a propagação do coronavírus resultou numa queda temporária de pelo menos 25% nas emissões de dióxido de carbono (equivalente a uma redução de 6% a nível global). Isto tendo em conta que as medidas para conter o Covid-19 resultaram em reduções de 15 a 40% na atividade industrial em todos os setores-chave.

A sua pesquisa indica que, em poucas semanas, a China emitiu menos 100 milhões de toneladas de dióxido de carbono, face ao mesmo período do ano passado, um volume que equivale ao CO2 que a cidade de Nova Iorque emite num ano, por exemplo.

Planos para recuperar economia vão fazer disparar emissões?

Porém, alguns analistas temem o "reverso da medalha", ou seja, uma explosão das emissões poluentes na China quando o governo de Pequim puser em prática medidas destinadas a estimular a economia, que vão acabar por reverter a baixa no consumo de combustíveis fósseis e, consequentemente, aumentar a poluição, como aconteceu após a crise financeira global de 2015.

"Esta redução nas emissões de CO2 da China não é permanente. E não será visível nas emissões totais anuais", afirmou Joeri Rogelj, especialista em alterações climáticas da Imperial College London, citado pela BBC. Este mês, os satélites estão já a detetar mais gases poluentes sobre a China e o consumo de carvão está a aumentar gradualmente.

Lauri Myllyvirta tem a mesma opinião: "As futuras medidas de estímulo à economia do governo chinês poderão lançar por terra as reduções temporárias nas emissões poluentes." Em marcha está já um megaplano de investimento de milhares de milhões de dólares para projetos de desenvolvimento na China, incluindo gasodutos e centrais nucleares.

O mesmo aconteceu após a crise económica de 2008-09, quando o país investiu 580 mil milhões de dólares para recuperar a economia, aumentando exponencialmente as emissões.

Com o coronavírus a afetar todo o mundo, é esperado que outras grandes economias mundiais deem prioridade ao desenvolvimento, em vez de travarem as alterações climáticas.

O medo, a força motriz da mudança

O Covid-19 foi eficaz em mobilizar a atenção mundial pelo medo. A pandemia obrigou-nos a repensar os nossos hábitos e a adaptarmo-nos. Um desafio sem precedentes. Forçou-nos a refletir sobre como interagimos com os outros e como essas interações são importantes para a economia global. Algo que o "movimento climático" nunca foi capaz de alcançar. "Individualmente, todos sentimos urgência em mudar os nossos comportamentos", segundo o canadiano Brad Zarnett, estratega para a sustentabilidade.

"O declínio nas emissões pode ser apenas temporário. Com a economia a cair a pique, empresas e trabalhadores estão desejosos de retomar a sua rotina. Relevante é que o covid-19 já provou que são possíveis grandes mudanças comportamentais, e, num período relativamente curto, causou um impacto percetível nas emissões e no ambiente. Mas será que estes hábitos se manterão quando tudo passar? Teremos redescoberto uma outra forma de viver", interroga-se.

A pandemia pode ser uma ameaça à ação climática?

As reduções nas emissões de gases com efeito de estufa e nos consumos energéticos são uma consequência direta da atual crise pandémica, sendo apenas um efeito colateral temporário. Um artigo de análise publicado no jornal online EUobserver levanta a hipótese de a pandemia global poder vir a colocar em causa a ação climática da União Europeia.

Perante a crise de saúde pública que o continente europeu enfrenta, Andrej Babiš, primeiro-ministro da República Checa, advogou que a UE "devia esquecer o Pacto Ecológico Europeu e focar-se, antes, no coronavírus".

O receio de que o choque económico provocado pela resposta à pandemia seja um entrave às metas europeias para o clima é confirmado por Thorfinn Stainforth, analista de políticas no centro de reflexão Institute for European Environmental Policy (IEEP), que avisa que "o aumento do défice público, mas também das dívidas privadas, pode reduzir o financiamento e os investimentos na mitigação e na adaptação às alterações climáticas".

O analista acrescenta, contudo, que esta pode também ser uma oportunidade para lançar um "Plano Marshall Verde", capaz de promover simultaneamente o regresso à prosperidade e acelerar o caminho para a neutralidade carbónica, que deverá ser alcançado na UE até 2050.

No total, o Pacto Ecológico Europeu prevê a mobilização de um bilião de euros para iniciativas climáticas, a partir de fontes de financiamento públicas e privadas.

A resposta europeia a estes receios surgiu pelo presidente do comité para o ambiente e saúde pública do parlamento europeu, Pascal Canfin, que afirmou a necessidade de "garantir que não adiamos o Pacto Ecológico Europeu por causa da resposta ao coronavírus". O eurodeputado afirmou ainda que o pacote de estímulos apresentado pelo BCE "deve ser visto como uma oportunidade para acelerar o pacto e a resposta à crise climática, ao invés de os atrasar".

Segundo o portal Carbon Brief, a redução da poluição decorrente da atual situação de pandemia global pode levar a uma redução temporária das emissões mundiais de "cerca de 7%", aproximando-se dos objetivos traçados pelo Acordo de Paris para 2020.

Epidemias históricas

Esta não é a primeira vez que uma epidemia deixa a sua marca nos níveis atmosféricos de dióxido de carbono. Ao longo da história, a propagação de doenças tem sido associada a menores emissões - mesmo antes da era industrial.

Julia Pongratz, professora de geografia física da Universidade de Munique, Alemanha, constatou que epidemias como a Peste Negra e a varíola no velho Continente, nos séculos XIV e XVIII, respetivamente, tiveram repercussões nos níveis atmosféricos de CO2, ao analisar pequenas bolhas retidas em antigos núcleos de gelo.

Estas mudanças resultaram das elevadas taxas de mortalidade por doença. Outros estudos descobriram que com estas mortes grandes extensões de terra anteriormente cultivadas foram abandonadas, permitindo que os ecossistemas voltassem ao seu estado selvagem, e, por conseguinte, absorvendo mais CO2.

Não se prevê que o atual surto seja tão mortífero e é improvável que leve a uma mudança generalizada no uso da terra. "O impacto ambiental será semelhante ao colapso financeiro de 2008-09", diz Pongratz.

Aquando da crise financeira, a redução de emissões ocorreu em grande parte devido à quebra da atividade industrial, que contribui para uma queda das emissões de carbono numa escala comparável à dos transportes. As emissões combinadas de processos industriais, manufatura e construção compõem 18,4% dos efeitos antropogénicos (derivados de atividades humanas) globais. O colapso financeiro de 2008-09 levou a uma queda generalizada nas emissões de 1,3%. Mas os valores voltaram a subir em 2010, quando a economia recuperou, alcançando máximos históricos.

"Há indícios de que o coronavírus terá um impacto semelhante", acrescenta Pongratz. "Por exemplo, a procura por derivados de petróleo, aço e outros metais caiu mais do que outros produtos. Mas existem reservas recorde, portanto a produção aumentará rapidamente. "

Um fator que poderá influenciar a curva de emissões é a duração da pandemia, mas, de momento, é muito difícil de prever. Pode ser que tenhamos efeitos a longo prazo e mais substanciais. Se o surto se mantiver até ao final do ano, a procura poderá permanecer baixa por causa da perda de salários. A produção e o uso de combustíveis fósseis podem não recuperar tão rapidamente, mesmo que haja capacidade para que isso aconteça", concluiu.

No geral, em 2020, ainda pode haver uma queda nas emissões globais de 0,3% - menos pronunciada do que a queda de 2008-09.

* com Filomena Naves

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