Sente mais picadas de mosquitos? Sim, e a culpa é das alterações climáticas

A tendência é para começarem a surgir mais fenómenos inesperados: mais mosquitos fora de época ou não aparecerem quando são esperados. Picadas em ambientes estranhos podem gerar reações mais graves.
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Não existem espécies novas em Portugal, nem houve uma mudança no comportamento dos mosquitos. Contudo, é bem provável que nos últimos meses tenha ouvido mais pessoas à sua volta queixarem-se de picadas destes insetos. A explicação, dizem os especialistas, pode estar nas alterações climáticas, que fazem que haja mais mosquitos do que era habitual.

"As alterações climáticas, que resultam em noites mais frias ou dois ou três dias de muito calor e depois um arrefecimento muito sério, fazem que os mosquitos entrem em atividade ou eclodam mais em sintonia e que haja mais mosquitos num período de tempo mais curto", explica Maria João Alves, investigadora no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).

As espécies que existem no país "são as mesmas de sempre", mas é possível que "haja mais mosquitos" em Portugal a precisar de fazer "refeições de sangue" rápidas e em simultâneo. A juntar a isto, "no verão as pessoas estão mais expostas e saem mais à noite, pelo que pode haver mais picadas - mas não está nada descrito que haja variações ou novas espécies".

Isso quer dizer que, no futuro, vamos ter cada vez mais mosquitos? Não necessariamente, diz a coordenadora da Rede Nacional de Vigilância de Vetores (REVIVE). O que deverá acontecer, explica, é assistirmos a cada vez mais fenómenos inesperados: mais mosquitos fora de época ou não aparecerem quando são esperados. "As alterações climáticas vão contribuir mais para a surpresa: para a eclosão em meses de temperaturas mais amenas e para não ter mosquitos em épocas que estávamos habituados."

Em Portugal, a atividade dos mosquitos ocorre, sobretudo, entre maio e outubro. Contudo, estas alterações fazem que haja variações. Há alguns anos, recorda a investigadora, registou-se uma atividade forte em novembro, após um período em que se registou uma semana com chuva, seguida de muito calor e novamente chuva. "A chuva criou contentores aquáticos, os chamados criadores [onde os mosquitos se reproduzem], que fizeram que eclodissem em novembro", explica Maria João Alves.

Na cimeira sobre gestão de pragas que ocorreu no ano passado em Cascais, o entomologista brasileiro Roberto Pereira, da Universidade da Florida, alertou para este fenómeno: nas cidades, já há tendencialmente mais mosquitos e moscas, que transmitem doenças epidémicas aos humanos, e estes vão "dar-se bem" com o aumento da temperatura ambiente provocada pela concentração de dióxido de carbono. No ciclo de vida dos insetos, em que o tempo de uma geração demora poucas semanas, podem suceder-se muito mais gerações de insetos, alertou.

A globalização, bem como o aumento das viagens e do comércio internacional, podem também alterar os limites geográficos de algumas espécies e, consequentemente, de doenças transmitidas por vetores, como a dengue, leishmaniose, chikungunya ou a encefalite. Por agora, diz Maria João Alves, não há razões para alarme, já que a rede nacional de vigilância de vetores não identificou qualquer atividade viral.

Reações graves

Quando não há transmissão de agentes patogénicos, as reações às picadas de insetos variam de pessoa para pessoa, sendo que há quem desenvolva reações alérgicas, mais frequentes quando há uma mudança de ambiente. "Quando as pessoas estão numa região com uma determinada espécie de mosquitos, às vezes criam imunidade à saliva dessa espécie. Quando se deslocam para outros locais, com outras espécies, podem fazer reações mais exuberantes", explica a investigadora.

Ao DN chegaram alguns relatos de reações graves a picadas. Mariana M., de 46 anos, conta mais de 30 picadas neste verão, algumas das quais resultaram em "reações brutais". "Sempre fui muito atreita a picadelas, mas não a este nível. Podia ficar com a zona inchada, mas passava ao fim de pouco tempo." Natural de Lisboa, esteve de férias no Carvoeiro e na ilha da Armona, concelho de Olhão, onde foi picada no braço. Não tem a certeza se foi um mosquito que a picou, mas passou mais de uma semana com o braço inchado, o que a obrigou a procurar ajuda médica.

Ressalvando que trabalha na cidade, onde não existem tantos insetos, Rui Nogueira, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), diz que tem recebido as queixas habituais para a época. "O que nos preocupa mais é a febre da carraça, que, quando infetada, provoca doença. É frequente e causa preocupação, porque provoca dor ao doente", frisa.

Para impedir picadas de mosquitos, Maria João Alves aconselha a evitar expor-se nas horas do crepúsculo, a usar mangas compridas se tiver de o fazer e a usar repelente. É junto às zonas de água doce e salobra que é mais frequente encontrar estes insetos. "Zonas no campo com poços abandonados e piscinas não tratadas são bons criadores."

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