Médico ganhou 77 mil euros do INEM em 2017: basta estar escalado para se receber

Um médico escalado para prestar serviço ao INEM está a ser pago a 20,89 euros à hora, atingindo os 40 se for ao fim de semana e depois das 20:00. António Peças ganhou 77 mil euros em 2017, incluindo pelos transportes que recusou
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Um "médico que esteja na escala para o serviço de helicópteros do Instituto Nacional de Emergência Medica (INEM), recebe 20,89/hora, valor base para trabalho diurno em dia útil. A este valor acresce o previsto no número 3 do Artigo 41º da LEI 2018 se o trabalho for prestado à noite ou fins de semana", esclarece o INEM. Acrescenta que o médico aufere essa quantia mesmo quando não presta serviços no dia em que está escalado.

Significa isto que, ao fim de semana, a partir das 13:00 de sábado, um clínico ganha cerca de 30 euros/hora aumentando para 40 euros após as 20:00.

Em 2017, António Peças recebeu 77 mil euros do INEM, apurou o DN. Referem-se exatamente a 2017 os três casos conhecidos em que o clínico não acompanhou os doentes, dois de Évora e um de Faro, que deveriam viajar de helicóptero para Lisboa, o que acabou por não acontecer. Os de Évora foram transportados de ambulância e o serviço de Faro foi anulado, dado o agravamento do estado de saúde do doente, uma mulher que sofreu um aneurisma e que viria a falecer.

Os "helicópteros de emergência médica são o elo mais diferenciado de resposta do sistema de emergência médica pré-hospitalar e uma referência no sistema nacional. São utilizados no transporte de doentes críticos entre unidades de saúde e transporte de órgãos (transporte secundário) ou entre o local da ocorrência e a unidade de saúde (transporte primário). Estão equipados com material de Suporte Avançado de Vida, sendo a sua tripulação composta por um médico, um enfermeiro e dois pilotos. Funcionam 24 horas por dia, 365 dias por ano, estando dedicados em exclusivo a missões de emergência médica", explicam os responsáveis do INEM.

Só no ano de 2018 acionaram 954 missões de emergência médica.

Os serviços não prestados por António Peças foram relatados à Administração do INEM, que acabaria por afastar o médico cessando a sua prestação de serviço com data a partir de 1 de fevereiro deste ano.

Também o Hospital Espírito Santo de Évora e a Ordem dos Médicos foram notificados da situação. É que a principal atividade do médico é cirurgia no Hospital Espírito Santo de Évora (HESE), onde faz as 40 horas semanais em três dias, um de 24 horas nas urgências e dois de oito horas cada, "em função do interesse do hospital, com a concordância do médico", esclarece ao DN a administração hospitalar.

Outra atividade de António Peças é o acompanhamento de espetáculos tauromáquicos, como médico de prevenção, sendo que num dos serviços que não fez para o INEM foi justificado com uma indisposição (29 de outubro de 2017). Mas há fotos, notícias e documentos de como esteve nesse dia a assistir a uma corrida na Praça de Touros de Évora.

Dadas aquelas situações, há suspeitas de que o médico terá estado ao serviço de mais do que uma entidade ao mesmo tempo e recebido remunerações de ambos os organismos. Suspeitas que a Inspeção-Geral das Atividades de Saúde (IGAS) investiga.

"A pedido do Conselho de Administração do HESE, a IGAS avocou em março de 2018, o processo de inquérito instaurado pelo hospital", que "está na fase de instrução e é de natureza secreta até à sua acusação", diz a entidade. A Ordem dos Médicos já terminou a fase de instrução, mas espera as conclusões das outras entidades envolvidas para tomar medidas. Também o Departamento de Investigação e Ação Penal de Évora instaurou um inquérito ao médico.

Porque é que um médico do INEM não deve recusar serviço?

António Peças "esteve escalado no helicóptero do INEM nos dias 13 de abril, 16 de maio e 29 de outubro de 2017. Significa que integra a escala de profissionais ao serviço daquele meio de emergência médica, devendo responder aos pedidos recebidos através do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM e de acordo com os procedimentos do Serviço de Helicópteros de Emergência Médica", explica a entidade.

Quem está de serviço (médico e enfermeiro) deve "estar em condições na base de operação para que se possam dirigir para o helicóptero imediatamente após ativação", sendo que a equipa é chefiada pelo médico. Sublinha o INEM: "Em nenhum momento, motivos de conveniência pessoal poderão fazer diferir o início da missão. Os helicópteros devem iniciar voo 'a caminho do local' no menor tempo possível após ativação".

Nas situações de 13 de abril e 16 de maio António Peças contestou a decisão dos doentes serem transportados por um helicóptero. O que está em causa é o facto de não se ter realizado o serviço, explica o INEM, independentemente das justificações serem ou não válidas.

Organização da emergência médica

Uma equipa ao serviço de um helicóptero é composta por um médico e um enfermeiro e dois pilotos pertencentes à empresa contratada para operação dos meios aéreos.

O INEM tem várias categorias de profissionais ao serviço, mas nem todos são operacionais do CODU e dos vários meios de emergência. Os operacionais estão nas ambulâncias (56) e motociclos de emergência médica (8), ambulâncias de Suporte Imediato de Vida (40), Unidades Móveis de Intervenção Psicológica de Emergência (4), Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação (44) e Helicópteros de Emergência Médica (4).

Tem 358 médicos ao serviço, a quase totalidade em regime de prestação de serviços (apenas sete pertencem à entidade). Já os enfermeiros, a maioria está no mapa de pessoal, 172 em 266. E são 1010 os técnicos de emergência pré-hospitalar do mapa de pessoal.

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