Confuso com a guerra dos professores? Nós explicamos
Os professores e o governo voltam esta terça-feira, 18 de dezembro, à mesa das negociações para uma reunião suplementar pedida pelos sindicatos. Em discussão está a terceira proposta sindical para a recuperação integral do tempo de serviço congelado.
O encontro está marcado para as 10:30, no Ministério da Educação, e volta a juntar as dez estruturas sindicais que têm negociado a recuperação integral do tempo de serviço congelado -- nove anos, quatro meses e dois dias -- à mesma mesa com o Governo, que se mantém irredutível na sua proposta de apenas devolver dois anos, nove meses e 18 dias.
A proposta dos sindicatos tem por base -- mas não é exatamente igual, adiantaram os sindicatos - aquela que foi acordada entre professores e governo regional da Madeira, onde a devolução de todo o tempo congelado é já uma garantia a partir de 2019, a um ritmo de 1,5 anos de tempo de serviço em cada ano civil, até 2025.
Os sindicatos dos professores do território continental, que inicialmente queriam ver o todo o tempo recuperado até ao final da próxima legislatura, ou seja, até final de 2023, admitem agora que o processo se prolongue e querem que o Governo permita, nos casos em que seja mais favorável aos docentes, converter algum desse tempo congelado em tempo para a aposentação.
No dia 4 de Outubro, véspera do Dia Internacional do Professor, o conselho de ministros aprovou a devolução de dois anos, nove meses e 18 dias de tempo de serviço aos professores, cerca de um terço do que estes exigiam. Mas o decreto-lei em causa ainda não foi enviado a Marcelo Rebelo de Sousa e provavelmente já não será. A convergência entre os partidos à esquerda e a direita, que obrigaram António Costa a renegociar, e a hipótese não negligenciável de um veto presidencial ao que estava em cima da mesa, deixam novamente na estaca zero um braço-de-ferro que já se prolonga há mais de um ano.
Depois de ter anunciado o descongelamento das progressões nas carreiras da Administração Pública (AP), concretizada em janeiro deste ano, o governo deu também início, ainda em 2017, a negociações com os sindicatos tendo em vista a devolução do tempo de serviço cuja contagem esteve suspensa. No entanto, enquanto para a generalidade dos setores da AP a tutela aceitou devolver a totalidade desse tempo, para as chamadas carreiras especiais - onde se inclui a Educação mas também a Defesa, a Segurança e a Justiça, ainda que a negociação só tenha para já abrangido os professores - foi proposto um regime distinto, em que apenas parte do tempo congelado era considerada para efeitos de evolução nas categorias e escalões salariais.
Aos professores foram propostos os referidos dois anos, nove meses e 18 dias. Estes exigem a devolução da totalidade do tempo que consideram ter sido congelado - nove anos, quatro meses e dois dias -, admitindo apenas negociar a forma e o modo como essa devolução será feita.
O governo considera que as carreiras especiais, nomeadamente a carreira docente, não são equivalentes às da restante Administração Pública por dois motivos concretos: defende que a progressão baseia-se essencialmente no tempo, com fatores como a avaliação e a existência de vaga a terem menor peso; e o período de permanência em cada escalão é menor, sendo no caso dos professores em média de quatro anos, contra os dez anos da maioria dos restantes funcionários públicos. Assim, entende que fez aos professores uma proposta que é "equitativa" face aos restantes trabalhadores do Estado, já que o tempo oferecido em ambos os casos, afirma, equivale a cerca de 70% de um escalão.
Defende ainda que nunca se comprometeu a devolver a totalidade do tempo de serviço reclamado pelos professores e que, face à "intransigência" destes em sede negocial, poderia ter optado por não devolver qualquer tempo de serviço, sendo da iniciativa a atribuição dos tais dois anos, nove meses e 18 dias. Finalmente, avisa que não existe margem orçamental para comportar o que é exigido pelos sindicatos e que fazê-lo teria pesadas consequências nas contas públicas.
Os sindicatos de professores contestam a ideia de linearidade na progressão da carreira docente, lembrando que existe um modelo de avaliação de desempenho da classe, em que a progressão está condicionada a uma menção no mínimo de "bom" , e que atualmente até já existem dois "travões" na progressão, no acesso ao 5.º e 7.º escalões, em que o acesso para quem não tem uma avaliação de desempenho de pelo menos "Muito Bom" está dependente da existência de vagas. Por isso, classificam de "discriminatória" e "inaceitável" a solução defendida pelo governo, a qual implicaria que grande parte dos professores atualmente no ativo jamais chegariam ao topo das suas carreiras.
Afirmam também que o governo está a desrespeitar um conjunto de compromissos assumidos, nomeadamente um acordo de princípio assinado em novembro do ano passado em que se comprometia a devolver aos docentes "o tempo de serviço" congelado - e não apenas parte dele, a lei do orçamento do Estado deste ano que, no entender dos docentes - O executivo tem uma visão distinta - consagrava também o princípio de que todo o tempo seria devolvido e, por fim, um projeto de resolução da Assembleia da República, aprovado por unanimidade (PS incluído, portanto), que o defendia ainda de forma mais clara.
Neste momento, os professores parecem ter conseguido fortalecer a sua posição, o que não equivale (ainda) a dizer que ganharão a guerra. E prova disso é o facto de já ter sido confirmado que o Conselho de Ministros voltará a analisar esta questão, aparentemente fechada em outubro, com a aprovação de um decreto-lei formalizando aquela que tinha sido a proposta do governo. O referido decreto, entretanto alvo de pareceres negativos das assembleias regionais de Madeira e Açores, não chegou a ser enviado ao presidente da República para promulgação. E Marcelo Rebelo de Sousa também já avisou que não o analisará antes de receber a proposta do Orçamento do Estado (OE) para 2019.
Precisamente em sede de discussão do OE do próximo ano, os partidos da esquerda, o PSD e o CDS convergiram na recomendação de que o governo retome as negociações com os sindicatos tendo em vista a devolução de todo o tempo de serviço congelado, o que poderá deixar António Costa em dificuldades para ver aprovadas as contas do governo para o próximo ano se não ceder aos professores. O peso da classe docente nas eleições - e as legislativas são já para o ano - também terá a sua influência nesta questão.
As duas partes têm apresentado argumentos válidos e a verdade é que até entre os juristas que se têm pronunciado sobre este diferendo as opiniões não têm sido unânimes.
Há um aspeto que parece dar razão aos professores: o risco de serem cometidas inconstitucionalidades caso avance a solução proposta pelo governo. Por um lado, no esquema de reposição do tempo por este proposto há professores - que começariam a progredir no próximo ano - que irão ultrapassar colegas com mais tempo de serviço. Por outro, a Madeira aprovou já a devolução integral do tempo de serviço; e os Açores já devolveram parte do tempo (mais de dois anos e meio) e tencionam devolver pelo menos mais os dois anos, oito meses e 18 dias agora propostos para os professores do Continente. E isto pode conduzir a diferenças de tratamento gritantes dentro de uma única classe profissional. Com a agravante de professores de continente e ilhas participarem nos mesmos concursos de colocação. Aliás, os sindicatos já fizeram saber que aceitam a solução da Madeira, em que a reposição é feita ao longo de um prazo mais longo do que aquele que inicialmente defendiam.
Da parte do governo, o derradeiro argumento poderá ser, no entanto, o superior interesse nacional, caso consiga demonstrar de forma inequívoca - até agora as projeções do Ministério das Finanças não têm sido muito fiáveis - que o que os professores reclamam é incomportável.
O custo é um dos maiores pontos de discórdia entre Governo e sindicatos. Um descongelamento total e imediato teria um custo de 635 milhões de euros, segundo a versão mais recente das contas apresentada pelo Governo, em julho, no final de uma reunião técnica para apurar os custos da contagem do tempo de serviço, em que os sindicatos também participaram.
Se a proposta de contar apenas dois anos, nove meses e 18 dias fosse aceite o custo seria de 180 milhões de euros, que acresceriam aos quase 520 milhões de euros decorrentes do descongelamento em vigor desde janeiro deste ano.
Os números de julho quase não diferem dos que já vinham sendo a ser apresentados desde o início das negociações, com a maior divergência nas contas assente nos custos com as progressões na carreira.
A progressão dos professores custa este ano 37 milhões de euros e, segundo as contas do Ministério da Educação, no próximo ano irá custar 107 milhões. No entanto, pelas contas dos sindicatos, a progressão dos docentes custará no próximo ano 27 milhões de euros.
Os representantes sindicais criticaram a falta de dados apresentados pelo Governo que impediu o avançar das conversações que se ficaram pelo impacto do descongelamento, sem chegar a ser discutido o custo da recuperação do tempo congelado.
Os custos têm repetidamente sido avaliados pelo primeiro-ministro, António Costa, como incomportáveis para o equilíbrio das contas públicas.
Com Lusa.