Guerra entre países ricos e pobres pelo fim das patentes das vacinas
Tecnologias, medicamentos e vacinas com patentes suspensas enquanto durar a pandemia. Este é o pedido que 99 países estão a fazer junto da Organização Mundial do Comércio (OMC).
A petição, liderada pela África do Sul e da Índia junto da OMS, pede que o desenvolvimento técnico e científico em torno da doença fique disponível aos países mais pobres., quase todos no sul do planeta (com exceção da Austrália e do Brasil). Os países mais ricos, que já asseguraram doses suficientes da vacina para as suas populações e mais.
Índia e África do Sul lideram o pedido, apesar da resistência dos países mais ricos, que já garantiram a compra de doses suficientes para imunizar a sua população e muito mais do que isso.
Nove em cada 10 pessoas de nações pobres podem falhar a oportunidade de serem vacinadas contra a covid-19 no próximo ano, porque os países ricos estão a açambarcar doses da vacina para lá das suas necessidades, alertou na quarta-feira a People"s Vaccine Alliance, que reúne organizações não governamentais como a Oxfam, Amnistia Internacional ou Global Justice Now, citadas pela Reuters.
Segundo as ONG, os países onde vive 14% da população mundial comprou 53% do total de doses das vacinas mais promissoras no último mês.
Como Índia, África do Sul e os outros 97 países consideram que as companhias farmacêuticas que estão a trabalhar vacinas - e outros dispositivos médicos de combate à covid-19, deveriam disponibilizar patentes através da Organização Mundial de Saúde.
O pedido de suspensão dos direitos de propriedade intelectual sobre tecnologia, medicamentos e vacinas surge apesar da existência de um mecanismo internacional, denominado Covax, que pretende garantir a equidade na distribuição da vacina e que até agora, segundo o El Pais, já reuniu 1700 milhões de euros.
Um valor considerado insuficiente para fazer frente a um mercado em igualdade de condições, segundo os países que pedem a suspensão das patentes até que se atinja imunidade de grupo à escala global - o que deve representar 70% da população mundial, de acordo com a OMS.
Os 99 países que pedem a suspensão de patentes ficam na zona sul do planeta. A norte, os países mais ricos, têm manifestado oposição a esta medida, mas podem ter de dar o braço a torcer.
A Organização Mundial do Comércio, com 164 membros, funciona por consensos e neste momento a balança pende para o lado destes 99 países que desejam a suspensão de direitos de propriedade.
Em linha com o grupo dos 99 e com as organizações não governamentais está também o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom. "Damos as boas-vindas aos esforços para ampliar o acesso a provas, tratamentos e vacinas, como a recente proposta da África do Sul e Índia", afirmou.
O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, lamentou hoje que esteja a decorrer uma corrida entre países para conseguir rapidamente a imunização das suas populações contra a covid-19, fenómeno que designou como "vacinismo".
"É verdade que o que estamos hoje a presenciar é um enorme esforço de vários países para garantir vacinas para suas próprias populações", declarou António Guterres, em entrevista coletiva após uma reunião por teleconferência com o presidente da Comissão da União Africana (UA), Moussa Faki Mahamat.
O secretário-geral da ONU denunciou que o "vacinismo" avança "a todo vapor", recuperando um termo que já usava em setembro passado para alertar os líderes internacionais sobre a necessidade de as vacinas serem um "bem público global".
Guterres reagiu assim a questões sobre o rápido avanço das vacinas covid-19 em vários países ricos, incluindo o Reino Unido, que iniciou esta semana uma vacinação em massa para imunizar a sua população. Aludiu também ao Canadá, que aprovou hoje a vacina Pfizer e que começará a aplicá-la nos próximos dias, e aos Estados Unidos, que poderão fazê-lo, a partir do final desta semana.
Além do mais, os países da União Europeia (UE) e outras economias poderosas foram rápidos em garantir o fornecimento de diferentes vacinas para começar sua utilização em breve, enquanto na África, por exemplo, espera-se que as vacinas não estejam disponíveis até o segundo trimestre do próximo ano.
António Guterres defendeu que a forma de garantir que a África tenha acesso às vacinas de que necessita é apoiar financeiramente a plataforma Covax criada entre outras pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e que necessita de cerca de 4,2 mil milhões de dólares (cerca de 3,48 mil milhões de euros) até ao final do ano .
"E todos nós precisamos, porque se África não tiver um apoio adequado, não conseguiremos combater eficazmente a pandemia noutros locais", enfatizou o chefe da Nações Unidas e antigo primeiro-ministro português socialista.
Guterres espera, assim, que as vacinas aprovadas pela OMS possam ser distribuídas aos países africanos antes do segundo trimestre deste ano, data fixada por vários especialistas, mas deixou claro que isso só será possível se o financiamento necessário for garantido.
Com reunião marcada para esta quinta-feira, o Conselho de Acordos de Propriedade Intelectual da OMC deverá tomar uma posição para a reunião de 17 de dezembro, dia em que deverá ser tomada uma decisão sobre esta petição, sem que, para já, os países mais ricos e a União Europeia deem sinais de recuo.
Para os países da União Europeia é mais útil financiar fundos globais de resposta ao coronavírus, pois, defendem, medidas como as que propõem Índia e África do Sul desincentivam a inovação. Fontes da comissão do Comércio na UE dizem ao El Pais que estão destinados 16 milhões de euros "para o acesso a provas, medicamentos, dispositivos e imunizações contra a doença". A UE refere ainda que "muitas farmacêuticas comprometeram-se a trabalhar em colaboração com os governos para garantir que as vacinas estão disponíveis e são acessíveis a todos os que delas precisam"
Entre as três vacinas contra a covid-19 que melhores resultados demonstram, quase todas as doses da Pfizer/BioNTech e da Moderna foram compradas pelos países mais ricos, segundo os dados da People"s Vaccine Alliance.
Já a AstraZeneca e a Universidade de Oxford garantiram que 64% das suas doses deverão chegar a nações em desenvolvimento.