Escolas gastam 100 mil euros em doces no dia em que limites à publicidade foram aprovados

Direção Geral da Saúde pede controlo apertado às escolas que continuam a não cumprir orientações para alimentação saudável. Já a Ordem dos Nutricionistas defende que o Parlamento crie uma lei para regular a oferta alimentar nas escolas, como acabou de fazer com a publicidade dirigida a menores
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É um cenário contraditório no qual muitos alunos vão viver em poucos meses: enquanto as escolas passam a estar proibidas de publicitar doces e refrigerantes, há bufetes escolares que continuam a vender esses produtos, ignorando regras do início da década. Como o DN noticiou no início do ano, largas dezenas de escolas do país ainda gastam milhares de euros em bolos, chocolates e até pastilhas e rebuçados. Uma situação que se manteve de janeiro para cá, como comprovam os contratos publicados no Portal Base, e para a qual a Direção Geral da Saúde (DGS) pede um controlo apertado, "o próximo passo a seguir à aprovação da lei da publicidade dirigida a jovens". Já a Ordem dos Nutricionistas defende que o Parlamento continue no mesmo sentido e crie uma lei para regular a oferta alimentar nas escolas.

Não é preciso recuar muito no calendário para encontrar vários exemplos de gastos das escolas em bolos, chocolates, gelados e bolachas: só esta sexta-feira foram publicados cinco destes contratos no Portal Base, no valor de cerca de 100 mil euros; no resto da semana foram publicados outros dez, no valor de 50 mil euros. Isto contabilizando apenas os documentos que assumidamente publicitam a compra desses produtos, porque existem ainda dezenas de outros para aquisição de produtos para bufete que não distinguem a natureza desses alimentos, assim como contratos com pastelarias/confeitarias. Foi ainda contratualizada a instalação de duas máquinas de vending em escolas.

Em 2012, a Direção-Geral da Educação, em colaboração com a DGS, publicou as orientações para uma alimentação saudável nas escolas. Um documento que impunha aos diretores, "tanto quanto possível", que não disponibilizassem uma lista de produtos de pastelaria que continuaram sempre nas prateleiras dos bares das escolas, assim como as máquinas de venda automática. De tal forma que um relatório do Conselho Nacional de Saúde, publicado no final de 2018, revelou que apenas 1,3% das escolas "respeitam a proporcionalidade de 3:1 entre géneros alimentícios a promover e géneros alimentícios a limitar".

Uma das razões para o incumprimento parece estar no facto de as normas publicadas no documento "Bufetes escolares - Orientações" serem vistas apenas como recomendações sem força de lei, ao contrário do acontece em relação às instituições do SNS, para as quais foi criada legislação específica que proíbe esses produtos. "Mas essa ideia está errada, esse documento é lei", sublinha a diretora do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, da DGS. Maria João Gregório sublinha esse ponto várias vezes - a força legal das normas aprovadas em 2012 - para rejeitar a ideia de que faz falta legislação nesta área. "É neste documento que têm de estar definidas as regras e não é por falta de atenção do Estado e de legislação que continuam a existir problemas".

Há duas publicações em Diário da República que, segundo a DGS, atribuem força de lei ao documento da Direção-Geral da Educação: o decreto-lei 55/2009, anterior à publicação das orientações para os bufetes mas que determina que "o regime de preços a praticar nos bufetes deve promover a adoção de hábitos alimentares saudáveis junto dos alunos, prosseguindo designadamente as orientações emanadas da Direcção -Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular"; e o despacho 8452-A/2015, que vai na mesma linha e diz expressamente que "o regime de preços a praticar nos bufetes e os produtos a disponibilizar devem refletir e apoiar a promoção de hábitos alimentares saudáveis junto dos alunos, prosseguindo designadamente as orientações emanadas pela Direção -Geral da Educação". "Portanto, não podemos dizer que não existe legislação para uma coisa e não para a outra", argumenta Maria João Gregório, que afirma que o próximo passo, depois da aprovação da lei que regula a publicidade de produtos alimentares dirigida a crianças e jovens, "é monitorizar a oferta alimentar nas escolas, responsabilizando-as".

A "mão forte" do Estado

"Se o manual de boas práticas nesta área fosse suficiente, estávamos de acordo que não era preciso criar uma lei específica para a oferta alimentar nas escolas. Mas como se tem visto, não é". Apesar de estar no mesmo lado da barricada da DGS na defesa da alimentação saudável para os alunos, a Ordem dos Nutricionistas considera que o mesmo Parlamento que acabou de legislar sobre a publicidade dirigida a jovens devia agora mostrar "mão forte" em relação ao que pode ser oferecido nas escolas. "Por uma questão de articulação e coerência entre medidas", explica a bastonária, Alexandra Bento. "Atendendo a que estes referenciais do Ministério da Educação não são respeitados por todas as escolas tem de haver uma mão mais forte do Estado. O mesmo Estado que legisla numa área, não pode fingir que não vê o que se passa na outra".

Uma proposta que o PAN, um dos partidos que apresentou um projeto na Assembleia da República para limitar a publicidade nesta área, admite estudar, como confirmou ao DN Cristina Rodrigues, da Comissão Política Nacional do PAN. No entanto, os calendários eleitorais e o facto de estarmos na reta final da legislatura impedem qualquer proposta nesta área a curto prazo.

A Assembleia da República aprovou esta sexta-feira, em votação final global, uma alteração ao Código da Publicidade que introduz restrições na publicidade dirigida a menores de 16 anos de certo tipo de bebidas e alimentos. O texto final apresentado pela Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, com origem em diplomas do PAN, do PS e do PEV, foi aprovado com a abstenção de PSD e CDS-PP e os votos favoráveis das restantes bancadas.

Publicidade ainda é comum em escolas

O diploma introduz restrições à publicidade dirigida às crianças e jovens com menos de 16 anos de géneros alimentícios e bebidas com elevador valor energético, teor de sal, açúcar, ácidos gordos e ácidos gordos transformados. Quando o diploma entrar em vigor - dois meses após a sua publicação -, passará a ser proibida a publicidade a estes produtos em estabelecimentos de ensino pré-escolar, básico e secundário, em parques infantis ou nos 100 metros à volta destes locais, com a exceção de elementos publicitários afixados em estabelecimentos comerciais.

Segundo Alexandra Bento, este tipo de publicidade é muito comum nas escolas, nomeadamente nas máquinas de vending e em atividades desportivas.

Passa também a ser proibida a publicidade a este tipo de bebidas e alimentos em programas televisivos e na rádio emitidos nos 30 minutos anteriores e posteriores a programas infantis ou com um mínimo de 25% de audiência de menores de 16 anos. As mesmas proibições aplicam-se à publicidade emitida em salas de cinema em filmes destinados a menores de 16 anos e, na Internet, em sites, páginas ou redes sociais, com conteúdos destinados a esta faixa etária.

As infrações à lei são punidas com coimas de 1.750 a 3.750 euros, em caso de pessoa singular, ou de 3.500 a 45 mil euros, se forem cometidas por empresas.

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