Enfermeiros. Tribunal suspende sindicância à Ordem
Faz esta segunda-feira uma semana que inspetores da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) estiveram na Ordem dos Enfermeiros (OE) para dar início à sindicância ao organismo liderado por Ana Rita Cavaco, a pedido da ministra da Saúde, Marta Temido. Uma sindicância que está agora suspensa pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que admitiu esta segunda-feira uma providência cautelar apresentada pela OE contra o Ministério da Saúde.
Na resposta ao requerimento de uma providência de suspensão de eficácia do ato administrativo apresentado pela OE, a que a Lusa teve acesso, o tribunal diz que admite "liminarmente a providência cautelar requerida contra o Ministério da Saúde", tendo o Ministério dez dias para deduzir oposição, caso queira.
O advogado da Ordem dos Enfermeiros, Paulo Graça, requereu, num documento a que a Lusa teve também acesso, a providência contra o Ministério da Saúde e contra Marta Temido, para suspender o ato, de autoria da ministra, "pelo qual foi ordenada sindicância à Ordem dos Enfermeiros".
Sobre a providência contra a ministra, o Tribunal disse ter dúvidas sobre a sua legitimidade e pede mais esclarecimentos, cuja falta resultará na rejeição da parte referente a Marta Temido.
Segundo o advogado, a sindicância "padece de múltiplas ilegalidades" e é motivo de danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
Aliás, a Ordem fez chegar à IGAS requerimentos a pedir o afastamento de todos os inspetores escolhidos para a sindicância por não terem condições, nomeadamente de isenção, para a realizar.
A razão prende-se, explica a bastonária, por um dos inspetores ter feito um parecer prévio para a IGAS sobre a sindicância e pelo facto de os outros elementos não pertencerem ao quadro do IGAS e estarem em regime de mobilidade. Foi também pedida a nulidade dos atos da chefe da equipa de inspetores que esteve na sede da Ordem, em Lisboa, por não estar nomeada como sindicante.
Os requerimentos foram, no entanto, indeferidos por parte da Inspetora-Geral das Atividades em Saúde. "Não é surpreendente. Nós vamos agir judicialmente relativamente aos indeferimentos. Vamos agora para o Tribunal Administrativo dizer que temos fundamentos legais para afastar estes senhores inspetores que não deveriam estar nesta sindicância", revela ao DN o advogado Paulo Graça.
Até agora os inspetores estiveram dois dias na OE. Ao DN, a bastonária conta que foram pedidos todos os documentos da atividade do organismo "relativamente a 2016, 2017 e 2018". Ou seja, desde que Ana Rita Cavaco tomou posse.
E quando fala nos documentos que o IGAS pediu à OE, a bastonária sublinha que são mesmo todos. "É tudo o que nós fizemos entre 2016 e 2018. São documentos financeiros, do Conselho Diretivo, decisões de todos os órgãos da Ordem. É mesmo tudo. Documentos de recursos humanos, dos funcionários", enumera Ana Rita Cavaco, que diz não ter tido capacidade de, numa semana, reunir toda a documentação dos últimos três anos.
A realização da sindicância pelo IGAS foi pedida pela ministra da Saúde para averiguar possíveis ilegalidades cometidas pela Ordem e os seus dirigentes. Na altura, a bastonária disse tratar-se de uma "atitude persecutória nunca antes vista" acusando a ministra da Saúde de usar o cargo para perseguir a Ordem dos Enfermeiros.
Ana Rita Cavaco explica que os fundamentos da sindicância "são notícias de jornal e publicações" nas redes sociais. Desde a primeira hora fez saber que a OE não considera válidos estes fundamentos e que iria agir judicialmente. E foi o que fez ao apresentar na passada sexta-feira a providência cautelar que foi admitida esta segunda-feira pelo Tribunal Administrativo.
Para a bastonária, "podem fazer as sindicâncias que quiserem, mas dentro da legalidade". "Não faz sentido avaliar a legalidade dos processos e competências da Ordem cometendo eles próprios ilegalidades", considera enquanto garante que o objetivo "não é não colaborar".
No total, desde que a sindicância começou, os inspetores estiveram na Ordem dos Enfermeiros duas vezes. No primeiro dia, além de formalizarem o pedido de documentos dos últimos três anos, os inspetores estiveram com a bastonária, "a diretora dos recursos humanos, a contabilista certificada a fazer perguntas sobre o funcionamento da Ordem que desconheciam", recorda Ana Rita Cavaco.
Na segunda vez, a bastonária não sabe o que fizeram. "Estiveram trancados durante o dia inteiro no meu gabinete e não falaram com ninguém". Na semana passada, continua Ana Rita Cavaco, pediram para ouvir o tesoureiro, mas acabaram por desmarcar.
O Ministério da Saúde justificou a sindicância com a necessidade de "indagar indícios de eventuais ilegalidades", quer nas intervenções públicas e declarações dos dirigentes da Ordem, quer nas atividades realizadas pela OE e prioridades de atuação, bem como eventuais omissões de atuação delas decorrentes, em detrimento da efetiva prossecução dos fins e atribuições que lhe estão cometidos por lei. E também quer saber se há ilegalidades no que respeita às contas da Ordem.
A bastonária, que já tinha acusado a ministra da Saúde de "vingança e perseguição" à Ordem, afirma não ter dúvidas que já há um relatório feito sobre esta inspeção, apesar de não estar concluída. "Tenho a certeza que esta sindicância já tem uma conclusão. Se a senhora ministra acha que é uma ilegalidade pronunciarmo-nos a favor das greves então tinha de decretar uma sindicância às duas ordem profissionais, a dos médicos e dos enfermeiros, mas como é uma perseguição só decreta a nós", analisa.
Nesse sentido, pediu uma intervenção do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre o caso. "Enviámos-lhe um oficio a explicar qual era o nosso entendimento sobre esta sindicância", resumiu Ana Rita Cavaco que ainda não obteve resposta do chefe de Estado. "O que lhe pedi foi uma intervenção política. É evidente que sabemos que não tem competências administrativas mas politicas, desde logo na questão da democracia e da liberdade e no cumprimento da constituição".