Covid-19: porque é que os testes de diagnóstico têm de ir até ao fundo do nariz?
É uma imagem que suscita imediatamente apreensão sempre que se considera a hipótese de fazer um teste de diagnóstico à covid-19: como todos nos habituámos a ver nos últimos meses, para diagnosticar uma infeção pelo novo coronavírus, o procedimento requer a coleta de células das membranas mucosas do trato respiratório com "zaragatoas".
Ora, se basta uma única gota de saliva para infetar várias pessoas, porque é que é preciso enfiar uma cotonete no nariz até à parte de trás da cabeça para coletar uma amostra que nos indique a presença ou não do vírus, podemos indagar-nos (e indagam-se vários internautas nas redes sociais, por exemplo).
A dúvida levou o jornal francês Le Monde a publicar esta sexta-feira um artigo sobre a necessidade de os testes PCR [nome dos testes de diagnóstico] irem até ao fundo do nariz à procura da presença do vírus. E, lembra o jornal, a dúvida parte de um mal-entendido sobre o funcionamento do vírus e sua transmissão: ele aloja-se em primeiro lugar no trato respiratório e não é transmitido principalmente pela saliva.
O método do teste PCR não é novidade. Estes testes são "feitos por profissionais de saúde que recolhem uma amostra de produto (exsudado) através do nariz (até à nasofaringe), com recurso a uma zaragatoa, (um cotonete grande); esta amostra é posteriormente analisada num laboratório certificado para o efeito", como escreve o médico internista Paulo Bettencourt no site da CUF
A técnica é defendida desde o surgimento da gripe H1N1, em 2009, para o diagnóstico de doenças por vírus respiratórios, como é agora o caso da Covid-19.
E porque se fazem estes testes através do nariz? Há dois benefícios, lembra o jornal Le Monde.
1 - Diagnósticos mais confiáveis
O primeiro é a maior fiabilidade destes testes. "É o melhor", disse ao jornal francês Laurent Andreoletti, professor de virologia da faculdade de medicina de Reims e chefe de uma unidade de diagnóstico Covid-19. "Embora o vírus possa ser encontrado na saliva e na garganta, é mais comum nas células ciliadas (receptores sensoriais dos sistemas auditivo) do sistema respiratório. Isso limita a percentagem de falsos negativos", ou seja, pessoas com o vírus que não conseguem ser diagnosticadas. Concretamente, acrescenta o clínico, a fiabilidade um teste PCR através das fossas nasais bem executado é de cerca de 80 a 90%, em comparação com 60 a 70% no teste de saliva.
2 - Detecção precoce
A outra vantagem é que, sendo o SARS-CoV-2 principalmente um vírus respiratório, é no trato respiratório que ele se aloja. E é aqui que podemos detetá-lo primeiro, antes que ele se desenvolva noutras partes do corpo.
"Nós não sabemos exatamente quando ele se aloja na saliva; mas sabemos que ele, se estiver no organismo, será encontrado nas membranas mucosas, que são o principal local de infeção", explica Bernard Binetruy, diretor de pesquisa da Inserm, Instituto Nacional da Saúde e Investigação Médica de Paris.
"Se apenas fizéssemos testes de saliva, estaríamos a perder a hipótese de detetar pessoas que têm o vírus mas estão nos estágios iniciais da infeção, pelo que ainda não seriam detetáveis."
Desse ponto de vista, "a ideia de que uma única gota de saliva pode infetar uma vila inteira, é completamente falsa", disse Laurent Andreoletti. ao Le Monde.
"A saliva não é um bom meio de transporte para o vírus, que prefere as células do trato respiratório. A transmissão ocorre principalmente através do vapor de água presente na respiração", explica o professor de virologia.
É por isso que é recomendável usar a máscara não apenas na frente da boca, mas também na frente do nariz. Algumas pessoas desenvolvem o vírus mais no trato respiratório e, portanto, expiram mais, explicando os casos de supercontaminação, acrescenta Laurent Andreoletti.
No início deste mês, mais de 250 cientistas enviaram uma carta à Organização Mundial da Saúde (OMS) informando que o vírus é transmitido pelo ar. A agência da ONU admitiu em 7 de julho que "a transmissão aérea do vírus não pode ser descartada".