Bolseiros queixam-se que Universidade de Lisboa lhes tirou subsídios

Os contratos são renováveis mas a Universidade de Lisboa extinguiu as bolsas ao abrigo do novo decreto-lei que, garantem os bolseiros, não se aplica ao seu caso. Até porque a nova legislação só entra em vigor a 31 de novembro e os contratos deveriam ser renovados um mês antes
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Sete bolseiros de investigação, com contratos renováveis, a trabalharem no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa, foram informados há duas semanas que as suas bolsas iriam ser suspensas pela Universidade de Lisboa. Argumento: o novo decreto-lei que rege o Estatuto do Bolseiro de Investigação, que determina que as bolsas de investigação passarão a ser atribuídas apenas a quem estiver a frequentar um grau académico, mestrado ou doutoramento.

O anúncio do entendimento da reitoria da universidade foi feito informalmente pela subdiretora do museu a 11 de outubro e no dia 14 um dos bolseiros que deveria renovar a bolsa nessa data já deixou de trabalhar.

Esta decisão da Universidade de Lisboa colide com o despacho do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, segundo o qual "as novas regras do Estatuto do Bolseiro de Investigação só têm eficácia quando os regulamentos as reproduzirem ou, no limite, após decorrido o prazo estipulado pela lei para a adaptação dos regulamentos sendo que, até que tal aconteça, os editais publicados devem seguir as regras estabelecidas nos regulamentos de bolsas vigentes, que o decreto-lei não revogou".

Além disso, o despacho de Manuel Heitor refere que "a adaptação dos regulamentos deve ser feita no prazo máximo de 60 dias úteis após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 123/2019, de 28 de agosto, prazo que termina em 21 de novembro de 2019".

Assim sendo, os bolseiros que deveriam renovar os contratos antes desta data - além do caso de 14 de outubro há outros que apontavam para 31 de outubro - não seriam afetados pelo nova legislação.

O DN contactou a Universidade de Lisboa, entidade que atribuiu as bolsas a este sete bolseiros de investigação, mas a instituição limitou-se a remeter para a lei e não fez mais comentários. Não respondendo assim que entendimento faz da lei nem quantos bolseiros, além destes sete, poderão ser abrangidos pela decisão.

Também a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), tem online respostas "às questões frequentes" sobre as alterações ao estatuto do bolseiro decorrentes do novo decreto, aprovado a 28 de agosto.

À pergunta "de que modo este decreto-lei afeta bolsas em fase de atribuição ou bolsas em curso?" a FCT dá a seguinte resposta: "As bolsas em fase de atribuição ou já em curso não são afetadas por este diploma. Essas bolsas e as suas renovações são regidas pelos termos que constam no respetivo edital e no regulamento ao abrigo do qual foram aprovadas e/ou concedidas".

Mais: "As novas regras do Estatuto do Bolseiro de Investigação só produzem eficácia quando os regulamentos as reproduzirem, ou, no limite, após decorrido o prazo estipulado pela lei para a adaptação dos regulamentos. A adaptação dos regulamentos deve ser feita no prazo máximo de 60 dias úteis após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 123/2019, de 28 de agosto (prazo que termina em 21 de novembro de 2019). Até que tal aconteça, os editais publicados devem seguir as regras estabelecidas nos regulamentos de bolsas vigentes, que o decreto-lei não revogou."

É a esta resposta que se agarram Leonor Venceslau, Leonor Soares e Diogo Parrinha, três dos sete bolseiros da reitoria da Universidade de Lisboa a desenvolver trabalho científico no Museu nacional de História Natural e da Ciência com que o DN falou.

"Os coordenadores das bolsas e advogados que já contactámos dizem que a legislação não se aplica às nossas bolsas. As novas regras têm um período transitório de 60 dias, ou seja, só entram em vigor a 31 de novembro", refere Leonor Venceslau que, com quatro colegas, começou a trabalhar no museu em maio e tem uma bolsa de seis meses, renovável até um ano. Ou seja, deveria ter a bolsa de 750 euros mensais até final de abril de 2020.

Coordenadores das bolsas deram parecer positivo à renovação

Leonor Venceslau, de 26 anos, refere ainda que era necessário apresentar o pedido de renovação à reitoria e que este incluía o parecer dos coordenadores das bolsas - neste caso positivo e onde se referia que estavam a atingir os objetivos. "O reitor tem uma interpretação diferente do decreto-lei, não permite a renovação e extingue as bolsas", adianta a bolseira licenciada em biologia celular molecular, a terminar o mestrado em bioinformática.

"Fomos informados oralmente. Só o nosso colega que tinha renovação a 14 de outubro recebeu uma resposta por escrito. Nós ainda não recebemos qualquer resposta formal."

Contactada pelo DN, a FCT faz questão de dizer que "é destinatária" do decreto-lei "à semelhança das restantes instituições" e que está a adaptar o seu regulamento de bolsas.

"Nessa medida, à FCT não está atribuída a função de fiscalizar o modo como cada instituição aplica a lei, cabendo tais atribuições, e havendo dúvidas por parte dos bolseiros acerca da legalidade da decisão tomada pela sua entidade de acolhimento, à Inspeção Geral de Educação e Ciência."

No entanto, a FCT refere que os bolseiros poderão recorrer ao Provedor do Bolseiro, que, de acordo com o Estatuto do Bolseiro de Investigação, "tem como função defender e promover, sem poder de decisão, os direitos e legítimos interesses dos bolseiros de investigação".

Leonor Soares, 27 anos, licenciada em biologia e mestre em biologia da conservação já viu a sua bolsa renovada em outubro de 2018 e agora deveria ver assinada a renovação para mais 9 meses e aponta o dedo à reitoria da universidade de Lisboa por ignorar, nomeadamente, a norma transitória do decreto bem como o facto de estas bolsas estarem noutro patamar.

"Estou a concorrer a todas as bolsa na área, estou a candidatar-me a tudo o que seja da área. Não posso ficar um mês sem receber e também já me candidatei a supermercados e lojas de roupa", lamenta Leonor Soares.

Acrescenta ainda que se estes sete bolseiros se forem embora no museu não haverá ninguém para fazer o trabalho que estão a desenvolver - registo fotográfico da coleção, verificação dos níveis de temperatura para ver se o ambiente é favorável ao espólio de botânica e zoologia (onde se incluem os répteis, cetáceos, mamíferos, etc).

O DN contactou o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) para perceber se há outros estabelecimentos de ensino superior que estão a interpretar o decreto-lei 123/2019 da mesma forma que a Universidade de Lisboa. Fonte oficial respondeu que, na última reunião dos reitores, a 8 de outubro, este assunto não foi colocado em cima da mesa.

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