Biodiversidade. Portugal faz primeira Lista Vermelha dos Invertebrados

Projeto que abarca todo o território do continente inicia hoje os trabalho de campo. Investigadores vão avaliar mais de 700 espécies, das quais 600 são de insetos, para fazerem o primeiro retrato do seu estado de conservação
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O trabalho está a ser preparado há meses. Foi preciso estabelecer as equipas, distribuí-las pelas diferentes missões, montar toda a logística e reunir os materiais necessários, definir as áreas de amostragem, listar as espécies a avaliar - são cerca de 900 à partida, e a ideia é avaliar pelo menos 700, das quais cerca de 600 são insetos. Está tudo a postos e hoje mesmo arranca a primeira campanha do projeto da Lista Vermelha dos Invertebrados para Portugal, na Costa Vicentina, num trabalho pioneiro que vai avaliar pela primeira vez o estado de conservação dos invertebrados em Portugal.

No final de agosto, depois de percorrer as áreas já estão definidas por todo o território do continente, o grupo de investigadores que se lançou neste trabalho terá nas mãos o primeiro retrato do estado de conservação dos invertebrados, um grupo imenso de espécies que inclui insetos, aranhas, crustáceos de água doce, gastrópodes (a família dos caracóis e lesmas), e os bivalves.

No final, a lista vermelha será o rol de todas as que forem classificadas com algum tipo de ameaça, de acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla internacional).

Hoje a primeira equipa parte para o campo e, ao longo da próxima semana, os investigadores vão percorrer toda a região da Costa Vicentina, no litoral alentejano, em direção ao sul, a caminho do Algarve. Consigo, os cientistas levam vários tipos de armadilhas, coloridas umas, outras nem tanto, para capturar insetos (e outros invertebrados) no solo, mas também os voadores, e vão fazer contagens e observações em pequenos percursos definidos, de cerca de meia centena de metros. A esta primeira campanha seguir-se-ão outras 11, durante os próximos meses, até ao dia 17 de agosto.

"Vamos fazer amostragens por todo o país, num trabalho intenso que abrange os 61 sítios de importância comunitária da Rede Natura 2000", explica a bióloga e entómologa (especialista em insetos) Carla Rego, investigadora do cE3C, o Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e uma das coordenadoras do Livro Vermelho dos Invertebrados para Portugal.

Durante março e abril a equipa, que envolve ao todo mais de uma centena de pessoas, pretende concluir as amostragem nas regiões do Sul do país, para estar em maio na Estremadura e nas serras calcárias do Centro e na Lousã; no litoral centro e no maciço central e serra da Malcata em Junho; no Douro Internacional, rio Sabor e Bragança, em Julho; serra da Freita, rio Paiva, serra de Montemuro e Marão ainda em julho e agosto e, finalmente, no litoral norte e Peneda-Gerês, em Agosto. O calendário pode ser consultado na página do Facebook do projeto e os voluntários que quiserem participar, ou os voluntários e os interessados em ver de perto como se processa o trabalho de campo são bem-vindos, garante Carla Rego.

"Durante o projeto vamos produzir informação para o público em geral e convidamos as pessoas a acompanhar o nosso trabalho no campo uma vez por mês", adianta a bióloga.

Os insetos estão a diminuir?

Se em Portugal o padrão for o mesmo que já foi observado por diferentes estudos noutros países europeus, a resposta terá de ser afirmativa. Na Alemanha, onde existe uma longa série de dados, com mais de duas décadas de observações sistemáticas das populações de insetos, os dados são muito claros: os números de efetivos nas populações de insetos têm caído a uma "taxa alarmante", com declínios da ordem dos 76% do volume dos insetos, de 1989 para 2016.

Um outro estudo publicado em fevereiro na revista científica Biological Conservation, que avalia a situação a nível global, vai no mesmo sentido: cerca de 40% de todas as espécies de insetos enfrentam neste momento algum nível de ameaça, o que diz muito da degradação dos ecossistemas um pouco por todo o mundo.

Quanto às causas, elas estão hoje bem documentadas: poluição atmosférica e industrial, contaminação dos solos por pesticidas e herbicidas devido à agricultura e agropecuária intensivas e perda progressiva dos habitats estão no centro do problema.

Em Portugal, onde se estima que existam cerca de 30 mil espécies de insetos, embora a maioria seja desconhecida ou mal conhecida, não há nenhuma série longa de observações, pelo que não possível afirmar com dados numéricos que as populações de insetos estejam a diminuir. Mas há estudos sobre algumas espécies que apontam nesse sentido, como explica José Alberto Quartau, entomólogo e também investigador no cE3C da Universidade de Lisboa.

"A nossa entomofauna [os insetos] está a regredir um pouco por toda a parte em diversidade específica e abundância, principalmente nas áreas agrícolas, mas também nas áreas florestais", explica o investigador que já fez e publicou alguns trabalhos que apontam nesse sentido.

Um dos exemplos que aponta é o de um inseto voador, de nome científico Nemoptera bipennis, que "sobrevive em algumas dunas" no país, mas que por "ação do pisoteio humano vai perdendo efetivos", adianta José Quartau.

Estudioso do grupo particular da cigarras, o investigador tem acompanhado a evolução das espécies conhecidas no país (há 13 descritas pela ciência) e não tem dúvidas de que algumas estão em franco recuo, com populações fragmentadas e habitats cada vez mais residuais em pelo menos seis casos, ou seja, cerca de metade delas.

Com um financiamento de meio milhão de euros do POSEUR, o programa operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos , e do Fundo Ambiental o projeto Lista Vermelha dos Invertebrados permitirá levar o conhecimento sobre estas espécies em Portugal para um novo patamar: o de uma visão geral do seu estado de conservação e dos problemas concretos que enfrentam região a região. E até, quem sabe, identificar novas espécies. "É uma possibilidade", admite Carla Rego, lembrando a descoberta recente de uma nova espécie de abelha no país. E há muitas mais que ainda não se conhecem.

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