Alerta aos consumidores idosos acaba em oferta de fruta e de cantigas

SOS Consumidor é uma campanha da Deco para alertar os consumidores mais vulneráveis, idosos que vivem isolados. As conversas são como as cerejas e, muitas vezes, acabam com ofertas e troca de receitas e de cantigas.
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Um burro e outros animais domésticos fazem companhia a L, um idoso que é o único habitante de uma aldeia de Torre de Moncorvo. Vive tão isolado que não consegue escoar a fruta que as árvores lhe dão. A mulher, doente, está com a filha no Litoral do país, mas ele não quer deixar a terra, diz que é muito feliz assim. Não deixa sair as "visitas" sem lhes oferecer um saco de fruta.

A conversa vai muito além da hora que as técnicas de Deco tinham pensado dedicar à aldeia, uma iniciativa que visa alertar as populações mais vulneráveis para as burlas, vendas agressivas e publicidade enganosa, denominada SOS Consumidor.

O projeto começou no Alentejo, em Março de 2018, por ser uma região dispersa, mais precisamente em Évora. A Deco registou no distrito 130 situações de burla em 2018 e prestou apoio a 250 consumidores na região do Alentejo.

Face aos resultados positivos da iniciativa, decidiram alargar o modelo ao território nacional. Trabalham em parceria com a GNR que já desenvolve um trabalho de proximidade nas aldeias e que, neste mês de outubro, faz o recenseamento anual: Censos Sénior.

Em 2018, a "GNR, sinalizou 45 563 idosos que vivem sozinhos e/ou isolados, ou em situação de vulnerabilidade, em razão da sua condição física, psicológica, ou outra que possa colocar a sua segurança em causa. As situações de maior vulnerabilidade foram reportadas às entidades competentes, sobretudo de apoio social, no sentido de fazer o seu acompanhamento futuro", referem os responsáveis desta policia.

As técnicas da Deco perceberam que o seu papel ia além do aconselhamento de consumo. "Sentimos que este é também um projeto de muitos afetos. Chegamos a uma aldeia onde vive só um senhor e percebemos que além do alerta que vamos dar, há também uma parte afetiva, estar e falar com a pessoa, acabam por ser situações muito ricas", explica Joana Simões, do gabinete de projetos e inovação da delegação Norte da associação de consumidores.

Estão focados no distrito de Bragança, tendo já visitado 11 aldeias, dos concelhos de Alfândega da Fé, Torre de Moncorvo, Mogadouro e Carrazeda de Ansiães. Além da Joana, a equipa é constituída pela jurista Mariana Almeida, que muitas vezes, acaba a dar consultas de direito, grátis, obviamente.

Como à dona de um café, o único na freguesia, que sem saber como acabou por fazer dois contratos de telecomunicações: um pacote com TV, telemóvel e Internet, e outro para um telemóvel, que nunca usou mas de cujo número não para de receber faturas mensais de 25 euros.

"Conta que lhe ligou um senhor ligou e ela não ficou coma sensação de ter celebrado um contrato e continua a receber as cartas da empresa. Não consegue identificar em que situação fez um contrato. Estas pessoas não sabem que se pode fazer um contrato por telefone, sem assinar, basta responder "sim" a algumas perguntas. Pode ser um "sim" só para despachar quem está do outro lado da linha", diz Joana.

Na despedida, a senhora estava emocionada: "Encontrou alguém que a podia ajudar. Só dizia: «Foi deus que vos trouxe".

Contratos e vendas agressivas

Aquele tipo de situações são frequentes, com os contratos de telecomunicações e de eletricidade a estarem no topo das queixas da população que encontram, na maioria idosos, a viver sós e mulheres. Em segundo lugar, estão as vendas agressivas, por telefone ou em excursões, sejam cobertores, colchões ou aparelhos auditivos.

A Iniciativa da Deco visa informar e alertar os consumidores sobre as abordagens porta a porta ou por telefone, dar-lhes informação para se defenderem das fraudes, já que, na maioria das vezes, desconhecem os seus direitos e o que fazer quando são burlados, explica Joana Simões. "Quase todas as pessoas com quem falámos já foram abordadas ou vítimas de fraude. Dizem-nos: «Sim, já vieram cá, telefonam».

Desde Março de 2018, desenvolveram-se 81 ações no projeto SOS Consumidor, seja na informação porta a porta ou em instituições, como centros de dia. Envolveram mais de dois mil consumidores seniores. E, no final, entregam um kit com informação e um íman com os contactos da associação para colocar no frigorífico.

"Posso dizer que tínhamos um planeamento muito mais intensivo, visitar cinco aldeias num dia e percebemos que era impossível, há também este contacto humano que é muito enriquecedor, partilharam receitas, cantigas, querem oferecer chá, e só faz sentido desta forma", conta a Joana. Não é de admirar que o que destaca seja a afetividade das pessoas e a forma como as acolheram.

Fazem-se acompanhar por elementos da GNR, não só porque estes conhecem melhor a realidade das aldeias mas, também, para garantir segurança às pessoas que visitam, por essa razão não identificam as pessoas nas fotos nem as aldeias.

"A GNR tem um trabalho muito importante, em muitos casos são as únicas pessoas com quem as populações contactam. Passam regularmente nas localidades para saber se está tudo bem e sinalizam as situações críticas. Com este projeto, estamos a ir a contra ciclo, enquanto os serviços saem do interior, nós estamos a ir ao encontro dessas populações".

Um interior onde às 16:30 acabava de chegar uma idosa de uma ida ao médico à cidade. "Ainda não tinha almoçado e a consulta foi logo de manhã, mas ela vive numa aldeia do concelho do Mogadouro e teve de ir a Macedo de Cavaleiros. Esta é a realidade do interior, que é muito diferente do resto do país. Por exemplo, há aldeias onde a camioneta passa duas vezes por mês, o que normalmente coincide com a feira ou dia do mercado na vila".

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