Ao fim de dois meses de atividade praticamente continua em duas Unidades de Cuidados Intensivos e tendo ativamente participado na resposta dada pela Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos à COVID-19 , penso ter legitimidade para afirmar que Portugal se pode orgulhar da resposta dada à pandemia até à data. No entanto, é essencial neste ponto uma reflexão para perceber como aqui chegámos e que desafios se afiguram. .Em fins de fevereiro entre os profissionais de saúde destacados para a dita linha da frente vivia-se um sentimento de catástrofe eminente, pois às imagens transmitidas pela comunicação social somavam-se os relatos na primeira de pessoa de profissionais amigos dos países então mais afetados pela pandemia. A 2 de março foram notificados os primeiros casos de COVID-19 em Portugal e pouco tempo depois começaram a dar entrada doentes em situação crítica nos Serviços de Medicina Intensiva..Os doentes começaram a ser tratados com uma vaga noção de tudo, que inclusive divulgámos sobre a forma de normas de orientação clínica, mas sem um real conhecimento de nada. Por forma a aumentar o conhecimento sobre a doença assistiu-se mundialmente a uma aceleração dos processos de publicação e divulgação que se traduziu por um crescimento exponencial do volume de publicações, disponibilizadas online de forma gratuita pela maioria dos periódicos. No entanto, esta louvável tentativa levantou sérias preocupações relacionadas à qualidade do processo de revisão por pares e consequente qualidade das publicações..As corajosas e atempadas medidas políticas colocadas em curso em meados de março resultaram numa evolução mais lenta do número de casos, o que deu aos profissionais de saúde o tempo para pautar a informação veiculada pelas publicações científicas com o saber adquirido com a casuística e discussão interpares. Se algum sucesso se verificar no outcome dos doentes internados em Serviços de Medicina Intensiva, traduzido por uma mortalidade mais baixa que o expectável, dever-se-á a estes fatores associados a uma invulgar disponibilidade e dedicação de todos os profissionais de saúde..A incontornável necessidade de dar início ao levantamento faseado das medidas de confinamento traz grandes desafios na prestação de cuidados de saúde, nomeadamente na resposta ao doente crítico. O sucesso das medidas instituídas resultou numa baixa taxa de imunização da população pelo que a doença se tornará endémica, sendo expectável uma ou váriasondas secundárias. Este facto impede que os circuitos e áreas hospitalares COVID-19 sejam para já desativados, com o consequente consumo de recursos humanos e logísticos..Simultaneamente dois outros fatores vão forçar a capacidade de resposta ao doente crítico: a retoma da atividade cirúrgica complexa programada e o internamento de doentes em fases particularmente avançadas de doença, virtude de se terem mantido confinados com receio de recorrem aos serviços de saúde..Por fim, é preciso reconhecer que os profissionais de saúde inicialmente preparados para um sprint e que se encontram agora no meio de uma longa ultra-maratona estão psicologicamente mais vulneráveis. O ambiente de elevada pressão que se mantém associado ao sentimento de incerteza e afastamento dos relacionamentos de suporte a que muitos devotaram resultará invariavelmente no aumento dos casos de burnout..Os profissionais de saúde estão e vão-se manter presentes mas o sucesso no combate à COVID-19 estará sempre dependente da responsabilização de todos e de cada um de nós..Médico Intensivista