“Possíveis cenários sísmicos para Portugal: o bom, o mau, e o mais provável” intitula a conferência online, de acesso livre, esta quarta-feira (18h00). Um encontro no âmbito do ciclo “Sismos – onde a ciência encontra a sociedade”, promovido pela Academia das Ciências de Lisboa. Vitor Silva, Engenheiro Civil, docente na Universidade de Aveiro e coordenador de risco da Global Earthquake Model é o palestrante..Em momento anterior afirmou em entrevista que “o que sabemos deve-nos preocupar, mas o que não sabemos dever-nos-ia assustar”. Referia-se aos sismos. No presente, o que nos deve preocupar e o que nos deveria assustar?.Sabemos que metade do edificado em Portugal foi construído antes da introdução de um código de dimensionamento com provisões sísmicas adequadas. Metade da população vive em edifícios que não estão preparados para resistir a intensidades sísmicas altas. Também sabemos que temos estruturas geológicas capazes de gerar sismos com magnitudes acima de 7 na escala de Richter. A combinação de edifícios vulneráveis e intensidades sísmicas altas é preocupante. Podemos olhar para o nosso passado com sismos destrutivos em 1755, 1909, 1969, 1980 e 1998. E, se estes avisos não chegam, podemos olhar para os nossos vizinhos em Espanha, Itália e Marrocos, com sismos mais recentes que demonstraram problemas semelhantes. Assusta-me verificar que, nos últimos dez anos, eu e o meu grupo de investigação analisámos dezenas de sismos em várias partes do mundo onde alguém referiu não saber que determinada falha estava ativa, ou desconhecer a vulnerabilidade dos edifícios. No caso de Portugal a fiscalização é insuficiente. Não sabemos quantos edifícios foram, entretanto, alterados e de que forma. Também não sabemos onde se localizam as falhas mais profundas debaixo do oceano, nem qual a sua atividade. Tudo isto parece assustar os já preocupados, mas parece ser irrelevante para quem se deveria preocupar..Diz-se amiúde quanto aos edifícios anteriores a 1980 que “é o mesmo que dar caixões às pessoas”....Perdi a conta às vezes em que entrei num edifício e disse “não é preciso um sismo muito forte para isto cair”. Isto é algo que me custa imenso encarar, principalmente quanto os edifícios são residenciais. Portugal foi um dos primeiros países no mundo a ter ferramentas para simular o impacto de sismos, talvez apenas atrás dos Estados Unidos, Turquia e Nova Zelândia. Apesar da possibilidade de termos sismos de grande magnitude, algumas das falhas geológicas encontram-se a mais de 100 km a sudoeste do Algarve, e a profundidades que, especula-se, podem ir até aos 50 km. Uma distância que nos dá algum alento. É importante entender que não serão só os sismos de magnitude 8 a causar problemas em Portugal. Preocupa-me muito mais um evento de magnitude 6.5 no Vale do Tejo..O tema do painel que leva à conferência da próxima quarta-feira prende-se precisamente com o “Impacto de um grande sismo no PIB - Possíveis Cenários Sísmicos para Portugal: o Bom, o Mau, e o Mais Provável”. Quer aprofundar esta questão?.Façamos umas contas por alto. No sismo de fevereiro de 2023 na Turquia houve dois abalos de magnitude 7.5 que geraram intensidades altas em zonas habitadas por mais de 18 milhões de pessoas, ou seja, quase o dobro da população de Portugal. O governo turco apontou para perdas económicas de cerca de 100 mil milhões de euros, um valor que a comunidade científica considera exagerado. Se assumirmos que temos metade do valor económico exposto a intensidades altas em Portugal e que o edificado é menos vulnerável, é expectável que este valor seja quatro vezes mais baixo para Portugal. Uma perda de 25 mil milhões de euros não deixa de ser trágica e alarmante..Na conferência onde estará presente leva a reflexão as seguintes palavras: “é importante usar os conhecimentos que temos atualmente para desenvolver modelos de previsão de perdas e danos considerando as falhas que conhecemos atualmente, e investir em medidas de mitigação de risco sísmico que reduzam o risco económico e humano”. Acrescenta que em Portugal “estas medidas continuam a estar ausentes”. Quais as razões que encontra para que tal aconteça?.Como se costuma dizer, “o que os olhos não veem o coração não sente”. Quando foi o último sismo trágico em Portugal continental? Provavelmente em 1909 na vila de Benavente, e certamente que quem presenciou esse sismo já não está cá. Esta ausência de eventos marcantes, durante décadas, causa um sentimento na população de que tudo está bem, e nada deve ser feito. Quero sublinhar que considero ter de haver mais iniciativas por parte do governo para a consciencialização da população em relação aos riscos dos desastres naturais. Da minha experiência com o Governo posso acrescentar que, há uns anos, reuni informalmente com uma representante do Governo para abordar algumas medidas que poderiam ser exploradas. No final da conversa, a resposta que tive foi “não discordo com nada do que me disse, mas não sei o que lhe diga. Medidas para evitar um desastre que pode nem acontecer durante o mandato deste governo nunca vão trazer votos”. Provavelmente, foi a primeira vez no âmbito do meu trabalho que fiquei sem palavras..Um fenómeno natural de larga escala, como o é um sismo, pode afetar em simultâneo mais do que um país. Neste contexto, é importante a cooperação entre países para estudar e mitigar o risco sísmico. É o que se está a fazer no âmbito da Global Earthquake Model?.Há que haver um esforço concertado que desenvolva ferramentas, bases de dados e modelos que podem ser úteis para todos os países. É exatamente esta a premissa da Fundação Global Earthquake Model (GEM), com sede em Itália, e da qual faço parte desde 2010. O GEM tem gerado dezenas de recursos para a avaliação do risco sísmico, o que permite compreender as possíveis consequências de sismos, tanto em países mais desenvolvidos como Itália, Canadá, Colômbia e Grécia, como também em nações como o Nepal, Butão, El Salvador ou Tanzânia. Alguns destes países não tem necessariamente recursos suficientes para o desenvolvimento de modelos, pelo que os recursos gerados pelo GEM são bem-vindos..O seu trabalho também decorre atento às novas tecnologias e abordagens inovadoras no que concerne à redução do impacto dos sismos em zonas urbanas. Quer descrever parte deste seu trabalho?.Novas tecnologias como machine learning, imagens de satélites e big data estão a revolucionar imensas áreas científicas, desde as previsões meteorológicas, às ciências sociais. Na engenharia civil e de risco sísmico, o uso destas tecnologias é ainda primitivo, com apenas alguns trabalhos de âmbito académico, e pouco materializado em ambiente operacional. O meu grupo de investigação está a explorar estas tecnologias para resolver três problemas globais. O primeiro é a criação de modelos de exposição que caracterizem todo o ambiente construído. Para tal, estamos a usar inteligência artificial e imagens do Google StreetView para entender onde temos edifícios e quão vulneráveis estes são. Aplicamos esta tecnologia ao bairro de Alvalade em Lisboa com excelentes resultados. No segundo problema, estamos a calibrar algoritmos de machine learning para processar dados de sensores low-cost que medem as propriedades de edifícios antes e depois de sismos para detetar exatamente onde poderá existir danos. Por último, estamos a trabalhar com empresas de telecomunicações e com a Facebook para compreender onde é que a população está em diferentes momentos do dia, semana e ano, para compreender como é que as perdas humanas podem variar de acordo com a hora/dia do evento..Link: https://videoconf-colibri.zoom.us/j/98147099517.ID Reunião: 981 4709 9517