Vale de Alcântara. CML limpa locais de consumo. Moradores temem conflitos com traficantes
"Vejo tudo o que se passa e não é agradável. Há conflitos, há confusão. Há de tudo um bocadinho”, conta Vítor Santos, residente na Quinta do Loureiro, no Vale de Alcântara, em Lisboa, e presidente do Lisboa Futebol Clube.
O lamento é fruto da limpeza que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) levou a cabo naquela zona. Para evitar o consumo de droga à vista de quem passa, há três dias a autarquia mandou emparedar o vão da passagem pedonal, que liga a Quinta do Loureiro ao passeio da Avenida de Ceuta, do outro lado da estrada. Mandou, ainda, tapar uma zona de escadas, ali perto, onde os toxicodependentes também se juntavam para consumir, sobretudo crack.
A coletividade tem sede no bairro e, por ali, o quotidiano é marcado pelo tráfico e consumo de droga a céu aberto. “Noto tudo e vejo tudo. Claro que há conflitos [entre traficantes e toxicodependentes]. Eles [toxicodependentes] andam por aí e gera-se confusão. Isto é como tudo na vida. Até os nossos políticos arranjam problemas, quanto mais os toxicodependentes”, acrescenta o presidente desta coletividade.
Agora, as pessoas dependentes de droga deslocaram-se e estão mais no interior do bairro onde adquirem a droga. “A câmara ter tapado aqueles sítios não é um problema, até foi uma boa ação mas tardia, já devia ter sido há mais tempo. O problema não é eles dormirem aí na rua e consumirem. O problema mais grave é o tráfico”, analisa Vítor Santos.
Este morador acredita, até, que não há vontade política de resolver as questões relacionadas com o tráfico e consumo de droga naquela zona de Lisboa, próxima de onde outrora se localizava o Casal Ventoso. “Os governos não querem acabar com isto. Se o Governo quisesse isto acabava; mas não quer para o problema não se espalhar muito pelo resto da cidade”. O clima de tensão entre quem se dedica ao tráfico e quem consome é, segundo este morador “muito frequente. Temos medo de tudo”.
“Eles atiram-nos pedras”, revelou um consumidor de crack aquando da reportagem, no local, do DN, no dia 9 deste mês. ‘Eles’ são os traficantes que não querem ver, por perto, os consumidores. Solange Conceição, da equipa de rua da associação Crescer confirma o clima de medo e conflitualidade que se vive na Quinta do Loureiro. “Essa perceção vai ao encontro da realidade, é verdade”.
Com a limpeza e emparedamento dos locais, até agora habituais de consumo de droga, as equipas de rua veem-se a braços com novas dificuldades. “Quando os locais de consumo são murados as pessoas deslocam-se para outros sítios, não muito longe de onde adquirem a droga”, explica Solange Conceição. E realça: “Isto dificulta o trabalho das equipas de rua no sentido de termos de descobrir os novos locais de consumo.”
Na Quinta do Loureiro existe uma sala de consumo assistido [sala de ‘chuto’]. A responsável pelas equipas de rua da Crescer avisa: “A ideia é termos as pessoas perto dos serviços. O que acontece, quando as pessoas estão mais afastadas é que cometem mais comportamentos de risco, há mais risco de vida por sobredosagem, e essas são questões que nos preocupam bastante”. Sucede que, de facto, nem sempre os consumidores se deslocam à sala de consumo assistido. “A sala foi pensada, sobretudo, para o consumo endovenoso. Há menos espaço para o consumo fumado, que hoje em dia é o prevalente”, explica, por sua vez, Américo Nave, diretor executivo da Crescer.
Pedro Costa, presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique está satisfeito. “Além desses emparedamentos, feitos na freguesia de Alcântara, foram retirados carros abandonados que estavam na Quinta do Loureiro e que também serviam de local de consumo. Mas se nada mais for feito, em vez de se resolver o problema só se espalha, vai mudando de sítio”.
Já a autarquia, contactada pelo DN, responde: “Não acordámos para este problema no último mês e há mais de ano e meio que, no terreno, realizamos intervenções frequentes na Quinta do Loureiro. Trabalho esse que envolve a comunidade e que não deixaremos de prosseguir nas respostas necessárias e que cabem na limitada esfera da CML sobre este problema.”