Vacina portuguesa tem bons resultados mas ainda lhe falta o apoio do Estado

Vacina da Immunethep revelou resultados promissores contra o SARS-CoV-2. Ensaios clínicos em humanos devem começar em julho, mas é essencial rapidez nos apoios para avançar com o processo.
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Portugal vai ter uma vacina contra a covid-19. Os resultados obtidos nos primeiros ensaios com animais demonstraram resultados promissores na capacidade de produção de anticorpos contra o SARS-CoV-2. Para o cientista responsável pela investigação que está a ser levada a cabo pela equipa da empresa de biotecnologia Immunethep, Pedro Madureira, "os resultados são excelentes. Agora, é fundamental que se possa continuar com o processo".

Segundo explicou ao DN, a fase de ensaios pré-clínicos em animais vai continuar até maio, "são ensaios que já estão a decorrer e que são necessários para reforçar os resultados obtidos. É preciso ficar demonstrada a eficácia e a não toxicidade da vacina, que esta cumpre todos os requisitos. A partir daqui, estamos aptos para avançar para os passos seguintes e obter autorização das entidades regulamentares para avançar com os ensaios clínicos em humanos, já em julho", especificou ao DN, sublinhando, no entanto, que, para tal acontecer, é essencial que seja concretizado o financiamento por parte do Estado.

Pedro Madureira assume que o Estado - ou melhor, que o governo português - demonstrou desde o início interesse em participar no financiamento desta vacina, mas até agora ainda não concretizou esse interesse, deixando definido em quanto será o financiamento, como e quando será dado. Ao DN explicou que esta é a questão que mais os preocupa agora, porque "o governo manifestou interesse em cofinanciar o projeto, mas a rapidez com que o irá fazer é agora essencial".

Aliás, recorda mesmo, "os países que mais rapidamente viram as suas vacinas aprovadas e já no mercado, como EUA e Alemanha, foram os primeiros a receber os apoios do Estado".

Até agora, e segundo refere, tem havido apenas contactos e interação. "Foi-nos dito que estão a ser revistas as melhores ferramentas para disponibilizar o financiamento, mas ainda não tivemos uma resposta concreta sobre quando e quanto." Acrescentando: "A manifestação de interesse de financiamento por parte do Estado também acelera o interesse dos privados em participar."

Ou seja, cada semana que passa equivale a meses de espera para as fases seguintes. "Basta não se poder avançar com os ensaios clínicos em julho, que levam alguns meses, para se atrasar o processo de produção e depois de aprovação pelas autoridades reguladoras."

A Immunethep esperava poder fazer os ensaios clínicos em humanos, sobretudo os da fase 1 e 2, inteiramente em Portugal, mas para isso "é necessário que haja voluntários de vários grupos de risco e de idades para serem testados. Se começarmos os ensaios numa altura em que o plano de vacinação já está muito avançado não os poderemos executar cá. Teremos de ir para outros países", sustenta o investigador. O mesmo acontecerá com a fase 3 dos ensaios se se perder esta janela de oportunidade. "A fase 3 deveria ser realizada uma parte em Portugal e outra em outros países", mas se o processo atrasar tal não irá acontecer.

A investigação para a vacina portuguesa que está a ser levada a cabo pela equipa de investigadores da Immunethep começou há meses e o objetivo é colocá-la no mercado no segundo semestre do próximo ano. A expectativa é grande até porque se trata de uma vacina que tem duas grandes particularidades.

"Uma é o facto de ser de administração intranasal, permitindo que seja usada como se de uma bomba de asma se tratasse, não implicando a necessidade da sua distribuição por profissionais de saúde especializados. A outra, ainda mais importante, mas também por ser de aplicação intranasal, é que permite maximizar a imunidade ao nível das mucosas pulmonares, canal preferencial de entrada do vírus no organismo", explica Pedro Madureira, o que "reduz muito a probabilidade de haver novas variantes do vírus SARS-CoV-2 que escapem à vacina".

De acordo com o que explicou, nos pré-ensaios clínicos realizados até agora foram usados 20 animais, que receberam duas administrações da vacina com três semanas de intervalo entre cada administração, e foram utilizados dois grupos de animais imunizados, por forma a testar duas doses diferentes da vacina - uma low dose (LD), correspondendo a uma quantidade menor de vírus inativado por dose de vacina; e uma high dose (HD), quantidade elevada de vírus inativado por dose de vacina. Uma semana após a administração da última dose, foi quantificado no soro destes animais a presença de anticorpos contra a proteína Spike do SARS-CoV-2, mais especificamente para o domínio RBD desta proteína.

Como grupo controlo foram usados outros 20 animais que receberam apenas o adjuvante da vacina, um análogo sintético de RNA. Os resultados obtidos, comparativamente com os animais do grupo de controlo, mostraram que os animais imunizados apresentaram consistentemente uma maior quantidade de anticorpos contra o domínio RBD da proteína Spike. O que "são dados excelentes", voltou a sublinhar Pedro Madureira.

A Immunethep, empresa de biotecnologia spinoff da Universidade do Porto, foi fundada em 2014 e tem sede em Cantanhede. Hoje, ao fim de sete anos, conta com dez colaboradores e com uma ação que já está a deixar marca no desenvolvimento de imunoterapias, principalmente contra infeções bacterianas multirresistentes. O know how adquirido pela equipa permitiu iniciar de uma forma rápida o processo de desenvolvimento de uma vacina para a covid-19.

Para Bruno Santos, cofundador e CEO da Immunethep, "os dados obtidos até ao momento são muito promissores e indicadores do potencial desta vacina", permitindo continuar a cumprir os objetivos que se propuseram: "Demonstrar a eficácia e a qualidade da vacina SILBA em ensaios pré-clínicos no primeiro semestre deste ano e contribuir com uma solução para dar resposta à pandemia."

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