Otto foi registado em Pombal: é o terceiro filho do casal de brasileiros Carla e Rodrigo, em Portugal desde 2019.
NUNO BRITES/GLOBAL IMAGENS
Otto foi registado em Pombal: é o terceiro filho do casal de brasileiros Carla e Rodrigo, em Portugal desde 2019. NUNO BRITES/GLOBAL IMAGENS

Um, dois, três... vou nascer outra vez. Portugal registou 85.764 nascimentos em 2023

Em tempos adversos, há quem ouse aumentar a família. E contribuir para os números divulgados no final do ano pelo SNS, que dão conta de um aumento de nascimentos nos hospitais públicos, comparativamente ao ano passado. As histórias de Alice, Otto, ou dos gémeos Jordan e Yassin vêm demonstrá-lo.
Publicado a
Atualizado a


 Às 12h15 do dia 30 de Dezembro de 2023, Otto Romão Sena nasceu na maternidade Daniel de Matos, em Coimbra, engrossando a lista de nascimentos no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Já não fez parte da lista de 60 mil bebés divulgada dias antes, a maior dos últimos anos, mas entrou nas contas finais divulgadas esta sexta-feira: Portugal registou 85.764 nascimentos em 2023, mais 2.328 do que no ano anterior, segundo dados dos "testes do pezinho", que cobrem a quase totalidade dos bebés que nascem no país.
 
 O caso do pequeno Otto ilustra na perfeição a origem deste alegado aumento da natalidade em Portugal: é o terceiro filho de um casal de brasileiros, oriundos de São Paulo, e atualmente a residir na freguesia da Pelariga, concelho de Pombal. 

Quando na semana passada o DN acompanhou o registo da criança, na Conservatória local, Carla Romão e Rodrigo Sena, os pais, ainda levitavam de felicidade com o novo rebento. Afinal, passaram apenas seis dias, o bastante porém para que toda a família acolhesse este novo irmão português. Os filhos mais velhos do casal, de 6 e 5 anos, foram a razão para a mudança, na verdade.

“Viemos em busca de mais qualidade de vida, melhor educação para eles, mas sobretudo de segurança”, conta a mãe, Carla Romão, ainda a digerir a onda de emoções que envolve o nascimento de um filho, ainda para mais num país que não é o seu. “Foi tudo diferente aqui, a começar pelo acompanhamento no médico de família, uma figura que lá no Brasil não temos”, conta ao DN. Chegou a Portugal em 2019, sozinha, para fazer mestrado em Psicologia e Ciências das Emoções. Instalou-se em Lisboa, onde se juntaram a ela o marido e os filhos, meses depois. “Só que entretanto veio a pandemia. Começámos à procura de uma casa na região centro, fomos à net e encontrámos a zona de Leiria/Pombal. Gostámos, vimos que tinha rendas acessíveis, e mudámo-nos”, recorda, ela que atualmente trabalha na área do marketing num ginásio da região.

Confessa que este não foi um bebé planeado, mas sublinha o quanto é desejado. “No início estava com algum receio, porque tudo é diferente aqui...mas depois vi que tínhamos todo o acompanhamento, primeiro no Centro de Saúde, depois no Hospital, e correu tudo bem”. E tudo inclui não só o acompanhamento como o parto, mesmo que um percalço usual, nos tempos que correm: à chegada a Coimbra, a maternidade onde deveria dar à luz (Bissaya Barreto) estava lotada, e por isso acabou por ser transferida para a Daniel de Matos, também em Coimbra. 
Carla Romão tem a consciência de que são famílias como a dela que têm contribuído para inverter o rumo da taxa de natalidade em Portugal. De resto, uma vez em Portugal, onde pretende continuar, o casal tenciona ter ainda outro filho, mais adiante.

Lisboa e Vale do Tejo lidera nascimentos

No final do ano, a Direção Executiva do SNS divulgou os números relativos ao período entre janeiro e novembro de 2023, concluindo que nasceram mais de 60 mil bebés nos hospitais públicos, mais do que os 59.171 que nasceram no período homólogo de 2022.
Segundo o relatório, nasceram 60.613 crianças só até final de novembro. Os números finais seriam revelados nesta segunda semana de janeiro: Pelo segundo ano consecutivo, Portugal ultrapassou a barreira dos 80.000 nascimentos, após a quebra histórica da natalidade em 2021, ano em que Portugal registou o menor número de nascimentos (79.217).

Na verdade, já em 2022 os números começaram a mudar. Portugal ultrapassou a barreira dos 80 mil bebés, o que correspondia a mais 5% dos nascimentos, depois de uma queda histórica registada em 2021.

Segundo os dados baseados no “teste do pezinho”, foram registados mais de 80 mil nascimentos, um número encorajador para um país envelhecido e com pouco mais de 10 milhões de habitantes.

Voltando ao ano passado, só na Região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT), excluindo o Centro Hospitalar do Oeste (encerrado parte do ano para a realização de obras no seu bloco de partos), “de janeiro a novembro de 2023, nasceram 22.629 crianças versus 22.018 em 2022 (ou seja, um crescimento de cerca de 3%)”, refere a DE do SNS.

Nos meses de julho a novembro o INEM orientou 111 grávidas para hospitais privados (convencionados) da região LVT, menos de uma grávida por dia. “Como todos os dias são efetuados cerca de 69 partos nesta região, tal significa que 99% dos casos tiveram resposta no SNS”, lê-se no comunicado.

Alice, um presente para os quatro irmãos

Quando os serviços fizerem as contas do ano contando com dezembro, aparecerá o nascimento de Alice, ao dia 13 de dezembro, também ela parte do que já é considerado uma família numerosa. Os pais, Rute e Nuno, traziam já filhos de outros casamentos (ela três e ele um). A partir de Alhos Vedros, na região de Setúbal, “Alice foi um bebé muito muito planeado. Estamos juntos há  5 e desde o início que queríamos ter um filho em comum. Eu engravidei em 2022 mas perdemos o bebé em agosto”, conta Rute ao DN.  Entretanto,  em março, a primavera trouxe-lhe esta última gravidez de presente. 

Rute é operadora de call center e Nuno é operador de distribuição postal. Está bem de ver que a chegada de mais um filho “foi  bastante ponderada, de tal forma que o Nuno neste momento tem dois trabalhos para nos conseguirmos aguentar”, explica Rute, que olha para a chegada de Alice também como “o maior presente que se pode ter, entre irmãos”, de idades e reações distintas: uma rapariga com 19, um rapaz de 15, outro de 14, e ainda uma menina de 9. “É uma alegria para nós podermos proporcionar estas experiências todas aos nossos filhos e em idades tão diferentes”, sublinha Rute Lopes.

Ter filhos em em 2023? “Uma loucura”

Helena Brito Gomes e o marido, Chaquill Hassane, sempre pensaram em ter três filhos. “Mas o tempo foi passando, a nossa filha já tinha seis anos, e quando finalmente engravidei de novo, em 2022, já não contávamos com isso”. Só que a vida é muito criativa. E a genética encarregou-se de dar uma ajuda aos planos do casal, residente em Leiria: Helena estava grávida de gémeos.  Jordan e Yassin nasceram a 11 de agosto último, no Hospital de Santo André, e por isso fazem parte da lista oficial do SNS agora divulgada. 

Apesar da vida estabilizada, a verdade é que são dois bebés e tudo é a duplicar. Helena, que em fevereiro regressa ao trabalho, na comunicação de um conhecido restaurante da região, está agora envolta no dilema de conseguir uma vaga para os dois bebés numa creche da cidade. “É por isso que muitas vezes digo que fazer um filho em 2023 (no caso dois) é uma loucura. Até hoje não tenho vaga para a creche. Está tudo entupido. A medida da creche grátis foi ótima para muita gente, mas era preciso que houvesse capacidade instalada. O privado está igualmente lotado.” Por outro lado, tem-se deparado com outras nuances dessa proeza de contribuir para o aumento da natalidade numa época destas, nomeadamente “com a Pediatria do Hospital tantas vezes fechada”.

Lara Tavares, especialista em fecundidade e demografia: “Este pode ser um fenómeno volátil”

A coordenadora do doutoramento em ciências da população da Universidade de Lisboa, Lara Tavares, é cautelosa em matéria de conclusões sobre um eventual “aumento da natalidade”. “É preciso ter muito cuidado ao ler esses dados, tratando-se de variações de um ano para o outro - ou mesmo de dois anos consecutivos - porque as mesmas podem não querer dizer muito”, adverte a professora de economia e demografia, dedicada à investigação em fecundidade. “Precisaríamos de ter estatísticas mais longas, para tirar conclusões um pouco mais robustas”, sustenta Lara Tavares, ao mesmo tempo que remete para a importância de se olhar para a conjuntura. “É muito cedo para perceber se aquilo a que estamos a assistir agora ainda é reflexo de alguma retoma de planos adiados na pandemia, ou apenas das migrações”.

E essa parece ser a explicação mais plausível para os números (mais) elevados nos últimos anos, num país envelhecido.

“Podemos estar aqui perante um fenómeno muito volátil”, admite Lara Tavares, lembrando que “da mesma forma que os migrantes ficam em Portugal por um determinado período, daqui a algum tempo podem ir embora para outro país” - como de resto já aconteceu noutras alturas. Ou seja, “a natalidade que agora está a subir, daqui por um ano ou dois pode estar a descer outra vez”, adverte. 

No último levantamento da Pordata, em 2021, dos quase 80 mil bebés nascidos  nesse ano em Portugal, mais de 10 mil (o equivalente a 14 %) eram filhos de mães estrangeiras. 

A professora da UL justifica ainda os números mais recentes com a tal “retoma de planos”. E lembra que “o adiamento está muitos vezes relacionado com crises económicas e financeiras, ou períodos adversos, como foi o caso da pandemia. Houve muitas pessoas que adiaram esses planos de ter filhos, até porque a covid-19 teve efeitos diretos nas áreas da Saúde, e teve todas as consequências em termos sociais”. Por tudo isso, pede cautela ao olhar para os números mais recentes. 
 

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt