Os comboios só devem voltar no 1.º trimestre do próximo ano, 5 anos após o prazo inicialmente previsto.
Os comboios só devem voltar no 1.º trimestre do próximo ano, 5 anos após o prazo inicialmente previsto.Miguel Pereira da Silva/Global Imagens

Túneis da Beira Alta com problemas têm solução que ficou na gaveta

Em 2014, foi estudada a construção de variantes na linha ferroviária para evitar os túneis de Trezói e de Mourilhe. Novos atrasos nas obras indignam autarcas e empresas de comboios.
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A reabertura da Linha da Beira Alta foi novamente adiada por causa de dois túneis. Em Trezói (Concelho de Mortágua) e em Mourilhe (Concelho de Mangualde), foram detetados problemas inesperados durante as obras de modernização da linha. Havia, no entanto, a possibilidade de construir duas variantes nos locais, implicando o fecho desses túneis. As propostas constaram de um estudo preliminar de 2014, elaborado pela Refer, antiga gestora ferroviária. Na altura, preparava-se o Plano Estratégico dos Transportes e Infraestruturas 2015-2020 (PETI3+), que viria a ser o documento base do plano de investimentos Ferrovia 2020, apresentado em fevereiro de 2016 pela Infraestruturas de Portugal (IP).

Os comboios deixariam de passar no Túnel de Trezói com a construção de uma variante de 18,8 quilómetros entre o Luso e Mortágua. A obra, então orçada em 110,7 milhões de euros (130,9 milhões aos preços de 2024), iria contribuir para um traçado mais suave, permitindo a circulação de comboios com mais passageiros e carga, baixando os custos por viagem. A opção também implicava o fecho de apeadeiros e a mudança de localização da Estação de Mortágua, servida por comboios Intercidades, segundo documento a que o DN/Dinheiro Vivo teve acesso.

A solução ficou para trás e o Túnel de Trezói, de 542 metros de extensão, manteve-se em funcionamento, depois de obras de mais de três milhões de euros em 2017. No entanto, no ano passado, verificou-se que diminuiu a distância entre as paredes do túnel e a altura baixou ligeiramente, denunciou o Público. Agora, serão necessárias novas obras no mesmo local.

Também problemático é o antigo Túnel de Mourilhe, que seria encerrado com a construção de uma variante de 13,3 quilómetros, entre Mangualde e Abrunhosa, no valor de 56,3 milhões de euros (66,6 milhões de euros ao preço atual). 

Como na outra variante, seria possível aumentar a carga dos comboios de passageiros e de mercadorias. Optou-se pela renovação da via - para baixar os custos de manutenção futuros - e, em Mourilhe, o túnel foi demolido e transformado numa trincheira. Durante a obra, destruiu-se uma rede de canalizações, que escoava a água dos lençóis freáticos. A situação provocou instabilidade na zona e será necessária uma nova intervenção.

A IP não respondeu às questões do DN/Dinheiro Vivo sobre ter deixado de fora a construção destas variantes, a favor das correções de curva ao longo da linha.

Aos problemas com os túneis junta-se ainda um contrato de 15 de abril deste ano relativo ao sistema de sinalização de toda a linha, a executar em 11 meses. Há, por isso, novo atraso na reabertura da Linha da Beira Alta: os comboios só devem voltar no primeiro trimestre do próximo ano, cinco anos após o prazo inicialmente previsto no Ferrovia 2020 e mais de dois anos depois da data fixada em abril de 2022, quando a ligação ferroviária foi suspensa.

A aceleração das obras e a redução dos custos foram os principais argumentos para a decisão: “Sem a linha encerrada, o prazo mínimo era de três anos e meio [de obras], numa intervenção que seria de elevado risco. O custo acrescido seria de 250 milhões de euros”, estimou o vice-presidente da IP, Carlos Fernandes, em maio de 2022, num debate organizado em Mangualde. O responsável alegou ainda que, com a demora acrescida das obras, “haveria risco de perder financiamento”.

A um projeto que já começou com quatro anos de atraso, segundo o mesmo responsável, a IP tem justificado os atrasos com os problemas da pandemia de covid-19, os efeitos da guerra na Ucrânia, as dificuldades no fornecimento de materiais, a contratação de subempreiteiros e ainda o roubo de cabos em mais de 30 quilómetros de via. No passado, entre 1993 e 1996/1997, toda a Linha da Beira Alta foi modernizada e eletrificada sem encerramentos.

Indignação geral

Se não houver mais atrasos, são três anos sem comboios na Beira Alta, e todos saem a perder: os autarcas da Mealhada, Guarda e de Almeida já manifestaram o descontentamento dos munícipes junto do JN; a CP já perdeu metade dos passageiros e das receitas na Beira Alta, segundo o Público, e a retoma irá demorar.

“Não é aceitável a imprevisibilidade de conclusão das obras, que acarretam já um elevado desvio do prazo inicial”, contesta ao DN/DV o diretor-executivo da Associação das Empresas Ferroviárias Portuguesas, Miguel Rebelo de Sousa, que representa os operadores de mercadorias. 

O mesmo responsável lamenta ainda que apenas haja compensação sobre os comboios que realizavam serviços na linha antes do encerramento: “Qualquer novo comboio está excluído, o que se torna incompreensível quando os 9 meses iniciais previstos do encerramento não se cumpriram”. Além disso, os serviços são desviados para a Linha da Beira Baixa, com menor capacidade de carga face à Beira Alta.

A compensação aos operadores ferroviários de mercadorias é paga pela IP. A mesma entidade também paga à CP pelos contratos de autocarros de substituição dos comboios, que já custaram 7,9 milhões nos últimos dois anos - e não vai ficar por aqui. A IP também está a perder receita das taxas de uso da linha ferroviária. Resta saber se serão aplicadas multas aos empreiteiros das obras em atraso.

Depois de um investimento de 550 milhões de euros (dois terços de financiamento comunitário), serão recuperados os tempos de viagem do início do século XXI e os comboios de mercadorias poderão circular com 750 metros de comprimento, em vez dos anteriores 400 metros. Está ainda prevista a construção da Concordância da Mealhada: com a ligação direta da Linha do Norte à Linha da Beira Alta, um comboio do Porto até Guarda, por exemplo, deixará de precisar de inverter a marcha na Estação da Pampilhosa.

Mesmo assim, perdeu-se a oportunidade de acelerar mais os comboios, para serem mais competitivos do que o autocarro: já há um serviço direto Coimbra-Guarda em uma hora e 50 minutos, tempo semelhante ao da viagem sobre carris após as obras na Beira Alta, apesar de o autocarro estar limitado a 100 km/h e de o comboio poder atingir os 160 km/h.

geral@dinheirovivo.pt
============2021 - Legenda (14460565)============
Os comboios só devem voltar no 1.º trimestre do próximo ano, 5 anos após o prazo inicialmente previsto.
============2021 - TIT 5 Col (14460568)============
Túneis da Beira Alta com problemas têm solução que ficou na gaveta
============2021 - Postit 1 (14460567)============
Ferrovia  Em 2014, foi estudada a construção de variantes na linha ferroviária para evitar os túneis de Trezói e de Mourilhe. Novos atrasos nas obras indignam autarcas e empresas de comboios.
============2021 - ASSINATURA (14460566)============
texto  DIOGO FERREIRA NUNES

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