Para Joe Biden, o silêncio de Trump durante horas em que decorreu a invasão “foi uma das piores violações do dever de um presidente na história americana”. KENNY HOLSTON / New York Times
Para Joe Biden, o silêncio de Trump durante horas em que decorreu a invasão “foi uma das piores violações do dever de um presidente na história americana”. KENNY HOLSTON / New York TimesKENNY HOLSTON / New York Times

Três anos depois do assalto ao Capitólio, a justiça está a meio caminho

Mais de 1240 pessoas foram acusadas e a maioria foi condenada e cumpre ou cumpriu pena. Mas há centenas de casos pendentes, dezenas de pessoas por identificar - e o elefante no meio da sala, Donald Trump.
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Donald Trump marca o terceiro aniversário do assalto ao Capitólio pelos seus fiéis (“patriotas”, na sua linguagem) com dois comícios no Iowa. Joe Biden antecipou a data, e numa visita a um local na Pensilvânia onde George Washington penou durante a revolução americana, voltou a assestar baterias contra o perigo para a democracia que, do seu ponto de vista, representa o anterior presidente, numa altura em que este lidera as sondagens e um em quatro norte-americanos acredita que o FBI é culpado pelos acontecimentos de há três anos.

Na quinta-feira, Christopher Worrell, membro do grupo de extrema-direita Proud Boys, foi condenado a dez anos de prisão por ter atacado a polícia com gás pimenta durante o assalto ao Capitólio e por ter fugido às autoridades enquanto aguardava pela sentença.

A tentativa de impedir a transição democrática teve o seu auge no dia da certificação do resultado das eleições contestadas desde o primeiro momento pelo presidente cessante. Depois de discursos incendiários do próprio Trump e do seu advogado Rudolph Giuliani não longe do Capitólio, a turba envolveu-se com a polícia - presente em número insuficiente - e tendo como mote “Enforquem Mike Pence”, em referência ao vice-presidente que dirigia os trabalhos da cerimónia, obrigaram à fuga de representantes e senadores. 

Além de ter adiado o inevitável umas horas - Pence seguiu a constituição, apesar da pressão de Trump -, do assalto resultou a morte de quatro manifestantes, uma delas a tiro, e de cinco polícias, um deles horas depois de ter sido agredido, os outros por suicídio nos meses seguintes. No que foi “provavelmente o maior ataque em grupo, num só dia, a agentes da autoridade na história” dos EUA, segundo o procurador do Distrito de Columbia Matthew Graves, ficaram feridos 140 polícias, mas Graves afirmou que muitos outros não reportaram ferimentos sofridos.

Condenado a mais de três anos de prisão, o 'Xamã QAnon', de seu nome Jacob Chansley, já foi entretanto libertado. ERIN SCHAFF /New York Times

Depois da condenação de Worrell, a ação da justiça está longe de chegar ao fim. Há 80 indivíduos por identificar, como se pode ver nas fotografias publicadas pelo FBI. Quase 1240 pessoas foram acusadas de crimes na sequência do motim. Destas, 730 pessoas evitaram julgamento e declararam-se culpadas, enquanto 170 foram condenadas em julgamento.

Os crimes variam de delitos menores como invasão de propriedade federal, a crimes como agressão a agentes da polícia e conspiração sediciosa. Por este último crime, a maior pena foi aplicada ao líder dos Proud Boys, Enrique Tarrio, 22 anos de prisão. Mas além de agressores por identificar, outros continuam a ser incriminados e detidos, estando pendentes mais de 350 processos. “Não podemos substituir o voto e a tomada de decisões pela violência e a intimidação”, declarou o procurador Graves.

Trump discordará. Chamou os envolvidos no motim de “patriotas” e “pessoas pacíficas” e já afirmou que se voltar à Casa Branca irá usar dos seus poderes para perdoá-los. A investigação levada a cabo por uma comissão dos representantes - no qual se destacou o papel da republicana Liz Cheney - demonstrou com mais pormenores o que já estava à vista e resultou na acusação, por parte do procurador especial Jack Smith, de “conspiração para defraudar os Estados Unidos”, entre outras três acusações nesse processo.

Acontece que este caso - o mais grave de todos os que decorrem entre as 91 acusações de que é alvo -, cuja primeira sessão de julgamento está agendada para março, foi o culminar de uma série de processos que tiveram o efeito contrário entre os cidadãos norte-americanos. Em março, antes de Trump ser acusado de falsificação de documentos por um júri de Nova Iorque, este levava 14 pontos percentuais de vantagem sobre Ron DeSantis na corrida às primárias republicanas. Em setembro, depois da última acusação, por parte da procuradora da Geórgia, de que Trump tentou ilegalmente mudar o resultado eleitoral em seu favor, a vantagem sobre DeSantis saltou para 43 pontos percentuais. 

O disco riscado com que Trump era comparado entre os seus pelo discurso de “caça às bruxas” voltou a fazer sentido e a maior parte do campo republicano uniu-se em seu redor. Com a campanha afinada na vitimização e no ataque ao Departamento de Justiça e ao sistema judicial, Trump capta o sentimento de que é um americano como os outros e não de uma poderosa elite que os eleitores republicanos associam aos democratas. 

O advogado Joe Marino preferia votar em DeSantis, mas as acusações mudaram a sua perspetiva “Tenho de apoiar Trump porque temos de recuperar o nosso país. Só passei a apoiar Trump porque o seu indiciamento é um ultraje e ameaça a democracia”, afirmou num grupo de foco a que o Washington Post teve acesso. “Ele [Trump] multiplicou o seu apoio com acusações atrás de acusações. Tem melhores números nas sondagens porque as pessoas não confiam no governo”, disse Katon Dawson, apoiante da candidata Nikki Haley, ao mesmo jornal.

A dinâmica em torno de Trump poderá, contudo, ter chegado ao seu cume. Tudo depende, em primeiro lugar do Supremo Tribunal, que tem em mãos um pedido do procurador Smith para declarar se o ex-presidente goza de imunidade.

Depois, a forma como os julgamentos decorrerem - se não forem adiados para lá das eleições - não deixarão de influenciar o voto dos norte-americanos em novembro. Para já, três anos depois de um “ataque interno”, como Biden caracterizou ontem, no qual “o país inteiro assistiu horrorizado e mundo inteiro assistiu incrédulo e Trump nada fez”, o favorito entre os republicanos tem motivos para estar otimista. 

24% dos norte-americanos acreditam ter sido o FBI a organizar e encorajar o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio; 11% dizem haver provas sólidas, 13% dizem suspeitar, segundo sondagem publicada pelo Washington Post.

52,4% dos eleitores têm imagem negativa de Trump, valor que em julho chegou a 57%. No campo republicano, no entanto, é visto de forma positiva por 77,9%, segundo a média das sondagens realizada pelo site FiveThirtyEight.

cesar.avo@dn.pt

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