"Tive alguns professores machistas, mas a maioria já não tinha essa perspetiva"

Engenheira química de formação, Maria Manuel Farinha recorda os tempos de estudante no Instituto Superior Técnico com saudade, apesar de algumas memórias menos positivas. Sobre a paridade de género nas empresas, acredita que a conciliação entre trabalho e família é um ponto que precisa de melhorias.

Cerca de duas décadas após ter subido, pela primeira vez, as icónicas escadas do Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, Maria Manuel Farinha ainda se recorda do impacto positivo que a instituição teve na sua jornada profissional. "Gostei muito do Técnico, é uma escola que nos prepara para a vida", conta em entrevista ao DN. Apesar de reconhecer que "era uma escola de engenheiros e de homens", diz nunca ter sentido qualquer tipo de discriminação por ser mulher. O curso que escolheu, de Engenharia Química, ajudava porque era maioritariamente composto por estudantes do sexo feminino. "Tive alguns professores machistas que achavam que o lugar da mulher era em casa, mas a maioria já não tinha essa perspetiva", assinala, preferindo valorizar as experiências positivas que retirou da passagem pelo IST.

Após a conclusão da licenciatura, cuja escolha foi influenciada pela ligação dos pais à área farmacêutica, decidiu apostar numa carreira de investigadora. Foi assim que teve oportunidade de trabalhar no Instituto Tecnológico e Nuclear, lidando de perto com o reator nuclear e com diversos projetos que permitiram colaborar com equipas internacionais. "Estes projetos ajudaram muito no meu desenvolvimento e crescimento em termos de carreira. A experiência foi muito importante para o meu percurso", realça a engenheira. Porém, a vontade de abraçar uma função que lhe permitisse maior contacto com a indústria e com os desafios do sector fê-la mudar de vida e chegar à consultoria. Chegaria, assim, à ISQ, empresa especializada na consultoria ligada às áreas da segurança, qualidade, responsabilidade ambiental e social. "Comecei como técnica a acompanhar clientes numa perspetiva de venda comercial", revela. Ao longo dos últimos 17 anos na organização, geriu pequenas e grandes equipas, sendo atualmente responsável pela coordenação de um departamento com aproximadamente 40 colaboradores. "A gestão foi um desafio, estou a adorar. Dá-nos uma perspetiva diferente e um papel mais interventivo na empresa", afirma Maria Manuel Farinha.

Paridade é mais valorizada

Embora reconheça "avanços" no que à igualdade de género diz respeito, Maria Manuel Farinha acredita que ainda existem desafios a superar. "Nunca senti essa discriminação, mas acho que há um maior esforço por parte das mulheres para poderem progredir na carreira", sublinha. A justificação, diz, assenta em diferentes fatores que importa ultrapassar. Por um lado, "a sociedade está muito predeterminada para a escolha de homens para a gestão" e, por outro, porque as mulheres "estão mais dispersas no foco", nomeadamente com a acumulação das funções laborais com as responsabilidades familiares.

Aliás, o retrocesso neste tema foi apontado por diversos estudos durante os confinamentos gerais em consequência da pandemia. De acordo com um estudo promovido pela CGTP, 78% das trabalhadoras trabalham para lá do horário profissional, ocupando, pelo menos, uma hora adicional com tarefas domésticas. A mesma pesquisa indica que apenas 19% dos homens fazem o mesmo. "O teletrabalho pode ser uma opção se houver distribuição de tarefas de forma igualitárias nas famílias", refere a engenheira química. "As mulheres trabalham muito mais horas depois do trabalho por causa da família. Se for bem distribuído, torna-se mais fácil", reforça. Também por essa razão, Maria Manuel Farinha defende que as organizações devem preocupar-se mais com a conciliação do tempo laboral com o familiar, de forma a facilitar essa gestão por parte das trabalhadoras e, consequentemente, dar-lhes mais espaço para se focarem na carreira.

Em simultâneo, vê na valorização profissional e no apoio ao desenvolvimento pessoal dos colaboradores uma importante medida para que mais mulheres cheguem a posições de liderança. "Para mim foi extremamente útil a participação no Promova [projeto de formação no feminino da CIP com a Nova SBE], em especial pelo networking e partilha de experiências com outras mulheres", afirma. Este deve ser, acredita, o caminho a seguir para que a paridade passe de um desejo à realidade.

dnot@dn.pt

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