Teresa Santos
Teresa SantosPAULO SPRANGER/Global Imagens

Teresa Santos. “Os políticos e empresas fingem que prestam atenção à ciência”

Teresa juntou-se à Scientist Rebellion há dois anos, um coletivo de cientistas internacional criado em 2020. O fosso entre o trabalho científico e a realidade motivou o seu envolvimento no ativismo climático. A doutoranda em Biologia está envolvida num processo judicial na Alemanha e dois em Portugal.
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Como é que surgiu a entrada no ativismo?  

Desde muito nova que tinha interesse nas questões climáticas e acabei por entrar no ativismo quando me apercebi, de uma vez por todas, que o trabalho de cientista não está a trazer os frutos que queremos.

Ao escrevermos artigos científicos,  irmos a conferências, todas estas coisas, é nos dito que seremos ouvidos enquanto cientistas e que a ciência que estamos a produzir vai ter um efeito em termos de políticas e tudo o que acontece à nossa volta. Basta olharmos para, por exemplo, para o nível de dióxido de carbono e de gases com efeito de estufa que têm sido emitidos ao longo dos anos desde que começou a COP e, a verdade, é que têm continuado a aumentar.

Portanto, a política em geral e as empresas fingem que prestam atenção à ciência quando na verdade não o fazem, senão já teriam agido de acordo com aquilo que ela tem mostrado.

Quando percebi o fosso enorme entre aquilo que nós dizemos que é necessário fazer e aquilo que é feito,  foi quando começou a surgir o ativismo climático com a Greta Thunberg. Eventualmente descobri que também havia cientistas, na Scientist Rebellion em específico, que estavam a dar o corpo ao manifesto. Fez-me ainda mais sentido, especialmente quando cheguei ao final de uma palestra dada por um cientista da minha área que terminou a sua intervenção a dizer algo como ‘não há empregos num planeta morto’. Foi um choque saber que estou a seguir todos os trâmites de algo que sei que não vai funcionar, que nem sequer vou ter a oportunidade de ter um emprego porque vamos estar numa catástrofe climática.

Consideras que o facto de como cientistas terem acesso a um tipo de conhecimento que não chega necessariamente a toda a gente, vos permite ter outra perspetiva do impacto das alterações climáticas?

Há pessoas, como por exemplo, os agricultores, que têm uma maior noção do que nós. Eles veem todo o seu trabalho a não resultar em maior produção porque não há água e as temperaturas estão demasiado altas. Portanto não diria que nos apercebemos mais que as outras pessoas, apenas que temos acesso aos dados mais rapidamente, e temos uma comunidade que está constantemente a falar nestes assuntos, apesar de não tanto quanto deveria. Acabamos por ter dados do que é que vai acontecer no futuro, mais do que olhar apenas para o presente. Recentemente, o cientista climático Bill McGuire disse que se as pessoas tivessem acesso aos mesmos dados que ele,  estaria aterrorizadas com o que aí vem. Enquanto pessoas que têm acesso ao conhecimento temos também o dever de o transmitir de qualquer modo que seja necessário. E se os métodos tradicionais não estão a funcionar e a maneira de criar urgência é indo para a rua, então é isso que devemos fazer.

No ano passado houve o protesto no aeródromo de Cascais, também se juntaram no Ministério do Ambiente, entre outras ações. É este um tipo de ativismo que surge porque a via de conversa entre os cientistas e quem está no poder se está, de certa forma, a esgotar?

Não diria que se está necessariamente a esgotar, acho é que nunca se abriu completamente. A ciência é clara e sabemos que os combustíveis fósseis são aquilo que está a causar o aumento de emissões, e que o aumento de emissões é o que causa a crise climática. No entanto, só na COP28 é que finalmente se diz que as duas coisas estão ligadas e chama-se a isto de um sucesso. Quando vemos que é isto que os políticos têm como resposta  não há qualquer reciprocidade neste diálogo, ou nesta tentativa de diálogo. O que acontece é que são várias tentativas de greenwashing por parte da classe política e empresarial.

Como é que o vosso coletivo organiza uma ação?

Depende muito de ação para ação  mas regra geral, somos um coletivo completamente horizontal, em que toda a gente tem a mesma voz independentemente do seu estatuto ou o que quer que seja a nível profissional. Temos como princípio a internacionalidade, a horizontalidade e a comunicação aberta e honesta, em que estamos sempre a olhar para o que é que a ciência nos diz. Infelizmente não conseguimos estar em todo o lado, não somos  suficientes para cobrir todo o espetro de problemas a nível ecológico, ambiental, etc.

Em vários países europeus e nos Estados Unidos, vários cientistas já foram presos, estão a ser acusados ou em julgamento. É um receio que têm?

Sim, é definitivamente um receio. Aliás, eu própria já estou envolvida em processos judiciais. Já existe um comité das Nações Unidas a olhar para a repressão sobre ativistas climáticos. Esperamos que esta aumente mas por mais que nos custe, fazemos isto porque não o fazer terá impactos muito maiores. Não porque a desobediência civil ou a ação direta não violenta seja a única coisa que vai responder, mas porque é cada vez mais um componente importante, nem que seja na perspetiva de captar a audiência. As pessoas não vão falar se não souberem e se esta é a forma de fazer com que nos prestem atenção, é isso que teremos de fazer.

sara.a.santos@dn.pt

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