Foi há 23 anos que Henrique Monteiro abriu o café Coisas Caseiras no alto da Calçada da Ajuda, onde serve almoços, cafés e cervejas - sobretudo à vizinhança, já que os milhares de turistas que todos os dias andam pela zona, incluindo ali ao lado no Palácio da Ajuda, não estão para escalar a ladeira que conduz ao estabelecimento. Há coisa de sete anos, o comerciante decidiu que precisava de uma esplanada para fazer aumentar o número de clientes, até porque entre estes se contam muitos fumadores. Começou por pagar cerca de 200 euros anuais. Hoje, para cinco mesas de dois lugares cada, mais os respetivos toldos e guarda-ventos, a Junta de Freguesia da Ajuda leva-lhe 419 euros por ano. A conta aparece sempre por volta de abril..“É uma exorbitância para uma casa como a minha”, protesta Henrique Monteiro. “Quando uma vez o presidente da Junta aqui esteve a comer uma francesinha, expliquei-lhe o meu ponto de vista. Isto é um sítio de bairro, o valor da mercadoria é mais baixo do que noutros estabelecimentos. Nem cobro serviço de mesa para os clientes não me desaparecerem, mas todos os anos lá tenho de gastar os 419 euros”. Em teoria, aquela taxa é exatamente igual para qualquer esplanada idêntica, independentemente da freguesia de Lisboa em que se encontre. Uma pastelaria da Rua Augusta com cinco mesas de dois lugares ao ar livre paga os mesmos 419 euros à Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. Dá-se é o caso de a Rua Augusta ser uma artéria nobre da cidade, por onde circulam quase 300 mil pessoas por dia, enquanto o café de Henrique Monteiro fica numa muito discreta esquina. “É injusto”, classifica o comerciante da Calçada da Ajuda. “Outros empresários têm a vida facilitada”..Acontece que a regra do preço igual em toda a cidade não é exatamente uma regra. O DN perguntou ao gabinete do vereador centrista Diogo Moura, que no executivo municipal liderado por Carlos Moedas tem o pelouro da Economia, se todas as esplanadas de Lisboa pagam as mesmas taxas. A resposta faz prova da confusão que existe neste momento. “Sim, mas é necessário questionar cada uma das Juntas de Freguesia, uma vez que são estas a emitir as taxas”..Em 2023, a tabela em vigor, que é sempre proposta pela Câmara e depois sujeita a aprovação da Assembleia Municipal, estabeleceu que uma “ocupação e utilização da superfície do espaço público de caráter duradouro ou anual” pagaria 161,50 por metro quadrado (e 323,05 euros se tivesse um estrado) - o que não está relacionado com as cerca de 365 esplanadas temporárias instaladas durante a pandemia em lugares de estacionamento regulados pela EMEL, as quais estiveram isentas de taxas até ao passado domingo, último dia do ano, já tendo sido obrigadas a encerrar, por exemplo, em Arroios e Santo António, como noticiou o site Mensagem de Lisboa..Paulo Spranger/Global Imagens.Quem cobra os montantes e fica com a receita são as Juntas de Freguesia. Mas segundo o socialista Miguel Coelho, presidente da Junta de Santa Maria Maior, que abarca a zona mais turística da capital e inclui a Baixa e o Chiado, “há uma interpretação sobre as taxas que diverge numa ou noutra freguesia”. Não deu exemplos concretos, ainda que se saiba que a Junta da Estrela, do social-democrata Luís Newton, é uma das que divergem. O DN procurou insistentemente chegar à fala com o autarca da Estrela, sem êxito..“É uma questão de interpretação da lei”, disse Miguel Coelho. “Como as taxas iguais para toda a cidade surgem numa disposição transitória da Câmara, há Juntas que alegam que o caráter transitório não pode ser eterno e por isso estabelecem as suas próprias taxas para esplanadas. Sinceramente não sei se não têm razão”. O autarca explicou ainda que “por cautelas jurídicas” a sua Junta opta atualmente por cobrar os valores indicados pela Assembleia Municipal, mas vê com bons olhos uma revisão dos critérios..“A situação atual gera injustiças”, classificou Miguel Coelho. “As taxas poderiam variar conforme o número de visitantes da zona, porque isso indica o número de potenciais clientes. Não será difícil encontrar uma fórmula. Claro que qualquer alteração que se faça vai encarecer as taxas em alguns sítios, mas os comerciantes terão de perceber que estão a usar um espaço que é publico e esse espaço tem valor. Aliás, tem muito maior rentabilidade no centro histórico da cidade do que em Marvila ou na Ajuda”..A Câmara parece ainda não ter opinião formada sobre o assunto. Questionado sobre se faz sentido a capital do país ter taxas uniformes para as esplanadas ou se será desejável alterar as regras atuais - até porque se prestam a diferentes interpretações -, o gabinete do vereador da Economia foi lacónico: “É possível estabelecer taxas diferenciadas desde que seja feita uma alteração à tabela de taxas”..Quem por certo pede mudanças é o socialista Jorge Manuel Marques, presidente da Junta de Freguesia da Ajuda, que em outubro último viu ser aprovada pela Assembleia Municipal a sua recomendação para que a autarquia “proceda à revisão e atualização” das taxas das esplanadas “consoante as zonas da cidade”. Diz o documento que a angariação de receitas através destas taxas deve conviver com a “obrigatoriedade da ponderação das condições socioeconómicas” de cada área de Lisboa, “evitando-se a oneração excessiva” dos comerciantes. E nota que há “obviamente desigualdades” perante a existência de taxas iguais (que não são assim tão iguais, pois algumas Juntas praticam os seus próprios preços)..Ao DN, Jorge Manuel Marques acrescentou que a Ajuda tem uma parte já com algum turismo, no centro da freguesia, onde os comerciantes “não têm problemas em pagar os valores atuais”. Mas há igualmente dois bairros municipais, Casalinho da Ajuda e 2 de Maio, em que “a ocupação do espaço público através de esplanadas é muito importante, até por garantir a segurança”. E nestes bairros as taxas em vigor são proibitivas para o tipo de estabelecimentos aí existentes, disse o mesmo responsável. As alterações, acredita, podem acontecer ao longo do novo ano. “Não sei o que pensa o presidente Carlos Moedas, porque nunca me disse, mas penso que a recomendação aprovada terá efeito a breve prazo”. .Nenhum representante da AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal) se mostrou disponível para falar com o DN. bruno.horta@dn.pt