Desobediência aos tribunais. É uma linha de defesa “para-jurídica” ou, se preferirmos, “política” e tem um nome no direito: defesa de conflito. “As defesas de conflito são históricas e típicas dos crimes políticos e passam sempre pelo não reconhecimento da autoridade dos tribunais. De resto, Sócrates tem-se comportado como vítima de perseguição política”, diz ao DN Paulo Saragoça da Matta. Melhor: o ex-primeiro-ministro “reconhece autoridade, e tanto reconhece que é recordista em recursos, mas apenas até ao momento em que uma decisão lhe desagrade. A partir daí deixa de reconhecer”, concluiu o penalista, num comentário a notícias de ontem: Sócrates e o seu advogado não compareceram no Campus da Justiça, em Lisboa, para a audiência destinada a marcar sessões de julgamento da Operação Marquês, que terá início a 3 de julho. Numa nota à imprensa, Sócrates garante estar-se em fase de recurso e não de julgamento. “Neste momento não existe nem acusação, nem pronúncia. Por essa razão não pode haver julgamento”, lê-se no documento, no qual assegura que “o processo Marquês não ultrapassou ainda a fase de instrução”. Por explicar ficou o que virá a seguir: vai apresentar contestação do processo e rol de testemunhas ou prosseguir na mesma linha, insistindo em negar legitimidade ao coletivo de juízes, presidido por Susana Seca, que o irá julgar? Por enquanto, não há resposta. Seja como for, “o julgamento iniciar-se-á e seguirá o seu curso”, diz um magistrado contactado pelo DN. De 67 anos e primeiro-ministro de 2005 a 2011, Sócrates responde por 22 crimes: três de corrupção, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal. Não reconhecendo autoridade da decisão judicial que manda o processo para julgamento, numa lógica de desconformidade e desobediência é possível antecipar dois cenários. A ausência, em sede de julgamento, do arguido ou a de arguido e defensor. “Faltando o advogado, comunica-se a falta à Ordem para efeitos disciplinares, nomeando-se um defensor oficioso”, diz o jurista. Quanto ao arguido, só o tribunal pode admitir a sua ausência. Mediante uma notificação, poderá comparecer a juízo sob condução de forças policiais, ou ter a medida de coação agravada. “Um braço de ferro sem sentido, que nunca vi em tantos anos de profissão. Trata-se de não reconhecer um tribunal de uma estado de Direito e, nesse sentido diria, até que é revolucionária”, comenta ao DN um jurista ligado ao processo. “No caso de não comparecer em julgamento, o máximo que poderá provocar será um adiamento breve”, acrescenta, para concluir: “A manter esta estratégia, José Sócrates ficará a falar sozinho.” A notificação da audiência de julgamento seguirá por via postal para a morada indicada, quando prestou termo de identidade e residência. “No limite, impossibilidade de o notificar do despacho que designa data para a audiência de julgamento, o processo-crime prossegue para efeitos de declaração de perda, a favor do Estado, dos instrumentos, produtos e vantagens por aquele obtidas com a prática do crime”, lembra a penalista Teresa Quintela de Brito. “Além de que, claro, pode ser emitido mandado de detenção de Sócrates para notificação do despacho que marca dia para julgamento”, acrescenta. Teia O julgamento irá decorrer no Campus de Justiça, na mesma sala onde foi lida a decisão instrutória deste processo pelo então juiz de instrução Ivo Rosa. Em julgamento vão também estar Carlos Santos Silva, empresário e amigo do ex-primeiro-ministro, acusado de 23 crimes; Joaquim Barroca, ex-administrador da construtora do Grupo LENA, acusado de 15 crimes; José Pinto de Sousa, empresário e primo de José Sócrates, acusado de dois crimes; Hélder Bataglia, empresário, acusado de cinco crimes; Sofia Fava, ex-mulher de Sócrates, acusada de um crime. A decisão da Relação de Lisboa de janeiro de 2024 recuperou ainda para a acusação arguidos parcial ou totalmente ilibados por Ivo Rosa, como o ex-banqueiro e presidente do Banco Espírito Santo (BES), Ricardo Salgado, que voltou a estar acusado de corrupção; e os antigos administradores da Portugal Telecom, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro. Sobre a defesa do ex-primeiro ministro, uma expressão - “interminável “carrossel” -, autoria de um dos magistrados ligados ao processo. Carrossel de requerimentos, decisões , recursos em que , sucessivamente, “em todos os patamares de decisão judicial, são suscitadas, circularmente, sem qualquer fundamento real, sucessivas questões (…) até, enfim, à prescrição do procedimento criminal”, lê-se no acórdão citado pelo Observador em dezembro de 2024.Dez anos, em que dezenas de recursos, reclamações e incidentes de recusa de juízes travaram a tramitação do processo para julgamento. Recusa de desembargadores, alegando ausência de independência, acusações a conselheiros de falta de imparcialidade, requerimentos justificados com alegados factos novos - a partir de certa altura, a justiça portuguesa respondeu com um número: 670, artigo do Código do Processo Civil, com aplicação subsidiária no processo penal. A partir daí, incidentes processuais manifestamente infundados passaram a ser decididos num processo à parte (com efeito devolutivo), tornando possível que o despacho de pronúncia para julgamento de José Sócrates e mais 21 arguidos baixasse à primeira instância para julgamento. .Julgamento da Operação Marquês marcado para 3 de julho. Sócrates diz que ação "é ilegal" e que vai recorrer