Subida de casos lança pressão para passo atrás nas máscaras e nos testes

Incidência disparou e médicos de Saúde Pública defendem passo atrás no uso de máscaras na maioria dos espaços fechados. Com a corrida às urgências a bater recordes, diretor do serviço no São João aponta à incoerência do fim de testes comparticipados
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Entre o crescimento de uma nova linhagem, mais transmissível, da variante Ómicron (já responsável por 37% dos novos casos no país), o fim generalizado do uso de máscara e a ocorrência de diversos eventos de massa, como festas estudantis ou futebolísticas, Portugal viu disparar de novo a incidência de casos de covid-19 no último mês, com alguns serviços de urgência a registarem níveis de afluência recorde nos últimos dias. Os modelos matemáticos, como o revelado ontem pelo Instituto Superior Técnico, mostram que a possibilidade de uma sexta vaga pandémica no país "está a desenhar-se de forma muito intensa". E isso leva alguns setores da Saúde a alertarem para a necessidade de serem reequacionadas algumas das últimas medidas implementadas, como o fim generalizado do uso de máscara em espaços fechados e dos testes gratuitos.

"Já sabíamos que com o alívio das medidas, em especial do uso obrigatório de máscara, ia existir um aumento do número de casos. Mas, a verdade é que passar de oito mil casos de média a sete dias para 14 mil casos, como aconteceu no último mês - e os últimos dados até já mostram que estamos nos 15 mil -, é uma subida muito acentuada", refere ao DN Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública.

Uma subida que, "não sendo alarmante, é preocupante", diz, "porque sabemos que há nesta altura uma dificuldade no acesso a testagem e que a linha SNS24 está assoberbada, o que leva a crer que estes números estejam até subdimensionados", acrescenta. Gustavo Borges nota ainda que a subida de incidência começa também "a refletir-se no aumento de casos graves e da mortalidade, embora de forma menos acentuada".

Perante os indicadores de que uma sexta vaga pode estar a iniciar-se, o médico de Saúde Pública considera que seria aconselhável dar alguns passos atrás. "Se admito um recuo no uso de máscaras? Não só admito como recomendo. Aliás, nós manifestámo-nos contra o fim generalizado do uso obrigatório na altura em que o governo o decretou e penso que o ideal nesta fase seria reintroduzir a máscara em alguns espaços fechados com aglomeração de pessoas, como centros comerciais, supermercados e os locais de trabalho", diz. A exceção, admite, "poderiam ser, nas escolas, as salas de aulas, durante o tempo letivo, desde que bem arejadas".

Independentemente de haver ou não esse recuo no uso das máscaras, Gustavo Tato Borges recomenda à população que mantenha a prudência que, admite, não tem visto nos últimos tempos. "Uma coisa é a máscara não ser obrigatória, outra é não ser precisa".

De acordo com o relatório de evolução elaborado por especialistas do Instituto Superior Técnico, o fim do uso de máscaras "parece ter tido um efeito muito acentuado na subida de casos atual", provocando um "excesso de contágios" sobretudo em ambiente laboral. Face à "tendência de agravamento significativo" da pandemia, cujo índice de transmissibilidade (Rt) já subiu para 1,17, os especialistas do IST admitem o aumento da mortalidade nos próximos 30 dias.

Com o aumento de casos, tem disparado também a afluência aos serviços de urgência hospitalar. No hospital de São João, no Porto, a última segunda-feira bateu um recorde, com mais de mil pessoas nas urgências. Nelson Pereira, diretor do serviço, diz que "nos últimos três ou quatro dias regista-se um aumento considerável de queixas respiratórias e casos de Covid confirmados." Estes, diz, "mais do que duplicaram em relação a valores de há duas ou três semanas", com "a percentagem de positividade dos testes a rondarem atualmente os 40%, o que é assinalável".

Nelson Pereira diz que "o fenómeno era previsível" face à liberalização das medidas, associada, no Porto, "aos festejos da semana académica da Queima das Fitas", que se têm refletido na média etária dos doentes que acorrem ao serviço: "são sobretudo jovens."

Para o diretor das Urgências do São João , apesar de "alguma subida" nos internamentos, "não é isso que preocupa nesta altura", mas sim, "a pressão desmesurada" sobre o serviço de urgências, que se "reflete na qualidade assistencial". "Hoje, as pessoas vão esperar mais tempo para serem atendidas e permanecer mais tempo no hospital". Até porque os próprios profissionais também têm sido atingidos pelo aumento de casos, refere Nelson Pereira, que aponta para a necessidade urgente de retificar o que apelida de "incoerência" na política de testagem.

"Por um lado, dizemos que a epidemia já não é grave e liberalizamos tudos, mas ao mesmo tempo os doentes continuam a ter de estar isolados e precisam de uma declaração especial a confirmar o isolamento para contexto laboral. Mas como já não têm testes comparticipados, correm para as urgências à procura do teste gratuito e da declaração que lhes permite ficar em casa", descreve.

Por isso, diz, "das duas uma: ou é importante continuar a testar e voltam a comparticipar os testes, ou então assume-se que não é justificável testar toda a gente e esta passa a ser uma doença como outra qualquer, sem necessidade de declarações específicas para esta situação", defende Nelson Pereira, sem valorizar tanto o fim do uso das máscaras, lembrando que ainda ontem foi decretado o fim da obrigatoriedade da máscara nos aeroportos europeus.

Os dados mais recentes disponíveis na plataforma do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC), atualizados há uma semana (6), mostram Portugal como o sexto país com maior incidência de casos a 14 dias - e o terceiro na incidência entre os maiores de 65 anos. Além disso, é um de apenas três países com tendência crescente de casos, a par de Espanha e Croácia.

Perante a subida exponencial de casos no último mês, poderá fazer sentido antecipar a quarta dose da vacina para os mais velhos? Para Gustavo Tato Borges, esse pode ser um cenário se o aumento da incidência "começar a refletir-se nos internamentos e na mortalidade dos mais velhos". Mas, sublinha, "seria mais vantajoso conseguirmos conter esta vaga sem esse recurso. A dose de reforço seria mais importante por alturas de setembro, em conjunto com a da gripe, para os mais idosos enfrentarem o outono/inverno".

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