Sono irregular faz aumentar o risco de sofrer um AVC
A ideia de que dormir um mínimo de oito horas por noite é a receita para um sono saudável está, por si só, sobrevalorizada. Um estudo recente, publicado no Journal of Epidemiology and Community Health e liderado pelo investigador da Universidade de Ottawa (Vanadá) Jean-Philippe Chaput, revela que, mais do que o número de horas dormidas, um sono regular (com horas de deitar e de acordar repetidamente semelhantes) tem uma importância acrescida na prevenção de doenças cardiovasculares.
O estudo, que analisou dados objetivos de mais de 72.000 adultos britânicos, utilizando dispositivos para monitorizar os ciclos de sono, revela uma forte ligação entre padrões irregulares de sono e o aumento do risco de eventos cardiovasculares graves, como ataque cardíaco, acidente vascular cerebral (AVC) e insuficiência cardíaca.
Os participantes usaram dispositivos no pulso para monitorizar o sono ao longo de sete dias, permitindo assim o cálculo de um Índice de Regularidade do Sono (SRI, na sigla inglesa). Este índice, que varia de 0 a 100, reflete a consistência nos horários de dormir, acordar e na duração do sono.
Os indivíduos foram divididos em três categorias: aqueles com sono regulares (os que apresentaram um índice SRI superior a 87,3), os com sono moderadamente irregular (SRI entre 71,6 e 87,3) e as pessoas com sono irregular (SRI abaixo de 71,6).
O estudo - que também controlou variáveis como idade, etnia, consumo de álcool, café, atividade física, saúde mental, e outros fatores que poderiam influenciar os resultados - demonstrou que a irregularidade do sono está fortemente associada ao aumento do risco cardiovascular.
As pessoas com sonos irregulares apresentaram um risco 45% maior de insuficiência cardíaca, comparado com aquelas com sonos regulares, e 26% de risco maior de um evento cardiovascular grave, mesmo entre as que cumpriam as recomendações de 7 a 9 horas de sono por noite.
Eventos cardiovasculares graves, conhecidos como MACE na sigla em inglês, foram definidos como qualquer evento fatal ou não fatal de enfarte ou AVC.
As pessoas com sono moderadamente irregular mostraram um menor, mas ainda significativo, acréscimo no risco. No entanto, para este grupo, ao contrário do que aconteceu com os elementos com sonos irregulares, ficou provado que manter uma duração adequada de sono (entre 7 e 9 horas) compensa parcialmente os riscos associados à irregularidade.
Além disso, a análise conjunta revelou que um SRI acima de 80 está associado a uma redução de 18% no risco de MACE, enquanto uma pontuação mínima de 77 foi correlacionada a uma redução de 15%. Ou seja, o risco diminui de forma mais acentuada à medida que o SRI se aproxima de 100, reforçando a importância de horários de sono regulares.
Mecanismos biológicos afetados
Os investigaores destacaram os possíveis mecanismos pelos quais a irregularidade do sono impacta negativamente a saúde cardiovascular, desde a disrupção do ritmo circadiano (a falta de consistência nos horários de sono prejudica o funcionamento do relógio biológico interno) a desequilíbrios hormonais (alterações na produção de hormonas como cortisol e melatonina podem aumentar inflamação) e distúrbios metabólicos (a irregularidade do sono pode levar à resistência à insulina, elevação da pressão arterial e disfunções metabólicas, que contribuem para o risco cardiovascular.
Hábitos a adotar
Jean-Philippe Chaput, autor principal, enfatiza: "Um desvio de mais de uma hora perturba gravemente o relógio biológico." O investigador recomenda limitar as variações nos horários a 30 minutos, mesmo durante os fins de semana.
O estudo dos investigadores canadianos realça a importância de adotar hábitos que promovam uma regularidade no sono e deixa recomendações, como:
- manter horários consistentes para dormir e acordar, com variações de no máximo 30 minutos, mesmo aos fins de semana.
- criar uma rotina relaxante antes de dormir para ajudar na regularidade do sono.
- ajustar o ambiente do sono, garantindo escuridão, silêncio e temperatura adequada.
Apesar das evidências relatadas, o estudo não estabelece uma relação causal direta entre regularidade do sono e doenças cardiovasculares. Fatores como stress, dieta e outros hábitos de vida podem influenciar os resultados. Ainda assim, a regularidade do sono surge como um importante pilar na promoção da saúde cardiovascular.
No seu site, a Associação Portuguesa do Sono alerta que "dormir mal e pouco" está associado a vários problemas de saúde, como diabetes, obesidade, problemas imunitários, depressão e ansiedade, além dos problemas cardiovasculares.
A privação de sono também tem sido associada a maiores riscos de doenças neurológicas e declínio cognitivo, bem como alguns cancros.