Situação nos hospitais ainda está controlada. Internados são menos graves

O aumento de casos de infeção pelo SARS CoV-2 não está a refletir-se nas enfermarias e nos cuidados intensivos dos hospitais. Médicos de unidades de Lisboa e do Porto dizem ao DN que a procura dos serviços de urgência tem vindo a aumentar, mas que os casos que requerem internamento são menos graves. Até porque a maioria dos doentes está vacinada. A preocupação dos clínicos é que se os casos aumentarem muito, o tratamento destes doentes irá inevitavelmente comprometer a resposta aos doentes não covid.

É sabido que se há aumento de transmissão viral na comunidade, mais tarde ou mais cedo cerca de 11% do total de doentes irá parar às enfermarias hospitalares e destes 3% aos cuidados intensivos. Foi assim nas vagas anteriores da doença, com as variantes predominantes, Alpha e Delta, e "não deve mudar nesta nova vaga que se está a formar", disse ao DN o diretor do Serviço de Medicina Intensiva do Centro Hospitalar Universitário São João (CHUSJ), no Porto, um dos centros de referência para o tratamento da doença. A diferença, explica José Artur Paiva, "é que são casos menos graves, e isso deve-se aos 87% de cobertura vacinal que o país atingiu".

O diretor do Serviço de Infecciologia do Hospital Curry Cabral, que integra o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC), também confirma: "São doentes que não têm um quadro clínico tão grave como os de anteriores vagas". Na sua maioria "são idosos e muitos com a vacinação completa já há algum tempo". No entanto, sublinha Fernando Maltez, "os números de hoje não são, nem de longe nem de perto, semelhantes aos que tínhamos precisamente há um ano ou mesmo no início deste ano".

Para termos uma noção, basta recordar que no dia de ontem Portugal tinha 486 doentes internados, mais 16 do que no dia anterior, e destes, 80 estavam em cuidados intensivos, mais quatro do que na segunda-feira. No dia 16 de novembro de 2020, havia 3040 doentes internados, mais 111 do que no dia anterior, e destes, 426 estavam em intensivos, mais 11 do que nas 24 horas anteriores. Em termos de infeções, o país registava mais 3996 e em termos de óbitos aproximava-se da centena, com 91 óbitos. Ontem, foram registados mais 1693 novos casos e apenas nove mortos.

O médico intensivista do CHULC, Philip Fortuna, corrobora a opinião dos colegas: "A situação está calma e controlada", mas destaca que a unidade de cuidados intensivos (UCI) do seu centro hospitalar, que integra seis unidades incluindo São José, ainda está com uma pressão muito elevada dos doentes não covid. "Tivemos um aumento do número de camas decorrente da pandemia, mas depois não conseguimos reduzi-las, porque as solicitações deste tipo de cuidados para situações não covid tem sido elevada". Explicando: "Os cuidados intensivos não são só para doentes covid, emergências ou doença súbita. São também para doentes cirúrgicos. E, com o aumento da produção hospitalar para recuperar o que ficou para trás, temos tido uma procura intensa para estes doentes em UCI."

A preocupação do médico e de outros colegas é que se os casos na comunidade subirem muito a resposta aos doentes não covid vai inevitavelmente ser comprometida. José Artur Paiva, do CHUSJ, defende, por isso, a necessidade imperiosa de "se fazer o que há fazer e que todos já sabemos: traçar um plano que seja concretizável para avançar com o processo de vacinação de reforço contra a covid para as faixas etárias mais vulneráveis e para quem está mais exposto ao risco, como é o caso dos profissionais de unidades de saúde, funcionários de lares, bombeiros". O objetivo é chegar ao Natal com a população mais vulnerável protegida.

Maioria de doentes está vacinada há bastante tempo

O infecciologista do Curry Cabral, que dirige um dos serviços de referência para o tratamento da covid desde o início da pandemia em Lisboa, lembra mesmo que "os doentes internados têm uma média de idades que ronda os 70 anos, mas temos casos extremos que vão dos 50 aos 89 anos - a maioria tem acima dos 80 ou 85 anos e várias comorbilidades. Destes, a esmagadora maioria estava vacinada há algum tempo".

Para o médico, esta situação não está fora do que era expectável: "Faz sentido, porque são doentes que entretanto perderam alguma da proteção que receberam", referindo que, ao mesmo tempo, a situação "é indicativa da necessidade de uma terceira dose para determinados grupos", mas não só.

Fernando Maltez diz mesmo: "Prevejo que num futuro muito próximo esta dose venha a ser necessária para toda a população. Diria até, e para o futuro mais distante, que este reforço terá de ser feito periodicamente por todos."

Por agora, salienta também que, do ponto de vista clínico, "a maioria dos doentes não tem a gravidade que vimos nos casos das ondas anteriores. São doentes em que predomina a pneumonia e a dificuldade respiratória, mas sem grande necessidade de cuidados intensivos".

Na enfermaria do serviço que dirige, estavam ontem internados 15 doentes com covid. "Desde há duas ou três semanas que vimos a sentir um aumento na procura de internamento, havendo já alguma dificuldade em ter camas livres, devido à resposta que estamos a dar aos doentes não covid", mas, mesmo assim, o cenário de hoje nada tem que ver com o de há uns meses, sobretudo a nível da mortalidade. "Não temos tido muitos óbitos. Os indivíduos que morreram eram de faixas etárias acima dos 80 anos" e já com outras doenças, admite, acrescentando, no entanto, que, "qualquer subida de casos na comunidade é, obviamente, uma preocupação."

Já temos indicadores que impõem um travão

Segundo o infeciologista do Curry Cabral, "estamos a ultrapassar alguns indicadores que nos permitem ter uma vida normal. Ainda não atingimos o indicador de alerta para os cuidados intensivos, que é de uma ocupação de 245 camas, não atingimos a percentagem de alerta na positividade de testes, que é de 4%, mas os indicadores que temos já sugerem que temos de colocar algum travão".

Ou seja, que "temos de respeitar com mais rigor medidas profiláticas que conhecemos. É fundamental que o façamos, porque se aproxima a época de inverno, a época gripal e de outros vírus respiratórios, que até podem confundir ou atrasar a infeção por SARS-CoV-2. E, neste momento, não sabemos exatamente qual é o resultado clínico deste tipo de co-infeção. Portanto, temos de nos proteger, não podemos abrandar a vacinação da terceira dose, nem os esforços para levar os que ainda não se vacinaram a fazê-lo".

O intensivista do CHULC, Philip Fortuna, também confirma que a sua unidade tem recebido menos doentes, que são também "menos graves". Ontem, por exemplo, tinha apenas quatro internados, alguns vacinados, como tem acontecido ultimamente, o que diz ser normal, pois "nenhuma das vacinas atuais é 100% eficaz". Contudo, Philip Fortuna explica que estes doentes "vêm para os cuidados intensivos, mas acabam por ter um percurso inocente, a gravidade não é comparável aos doentes das vagas anteriores".

O médico refere que tal se traduz na questão da mortalidade, assumindo que "não nos têm morrido muitos doentes". Dados referidos ao DN que revelam que o CHULC registou apenas duas mortes por covid desde o início de outubro, uma no dia 10 daquele mês, outra a 8 de novembro. O intensivista explica: "O que está a acontecer com a mortalidade é que mesmo a doença que não é grave, como uma constipação, mata um idoso, porque são pessoas com grande suscetibilidade."

Mais casos irão comprometer resposta a doentes não covid

Apesar de os números serem muito diferentes de há um ano, o intensivista sublinha ser preciso não esquecer que "quanto mais transmissão houver na comunidade maior será o número de doentes críticos. Isto é inevitável", diz, manifestando também preocupação com a evolução da doença.

"Levámos um ano e meio a aprender como lidar com a doença em indivíduos que não estavam vacinados, agora temos de aprender a lidar com a doença em indivíduos vacinados. Temos de perceber, se não forem tomadas medidas restritivas, o que pode acontecer em termos de admissões nas enfermarias e em UCI", mas uma coisa é certa: "Podemos estar agora mais bem preparados, mas se o número de doentes aumentar muito é inevitável que isso comprometa a atividade normal."

No Porto também se confirma uma ocupação baixa de camas com covid. O diretor do serviço de medicina intensiva do CHUSJ, José Artur Paiva afirma: "Neste momento, temos 11 camas para doentes em cuidados intensivos. E, destas, seis a sete têm estado ocupadas com doentes covid, mas hoje (ontem), por exemplo, temos oito." Um aumento que não o deixa admirado. "Estamos a entrar no inverno e a transmissão de vírus respiratórios aumenta sempre nesta altura, não só a do SARS-CoV-2, como a de outros vírus."

Por isto mesmo, o médico defende que todos temos de ter consciência de duas coisas. A primeira é que "havendo um aumento da transmissibilidade haverá sempre um aumento de internamentos, embora estes possam ser casos menos graves devido à vacinação" - daí a importância de um plano para acelerar a vacinação de reforço contra a covid para os maiores de 65 anos e para os mais expostos ao vírus. "É preciso chegarmos ao Natal com esta tarefa concluída." A segunda é que é fundamental que se mantenha as medidas de proteção individual, porque "são estas que nos permitem ter uma vida económica e social normal".

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG